"Storm the Reality Studio, and retake the universe" ("Assaltem o Estúdio Realidade, e retomem o universo") WILLIAM S. BURROUGHS
sexta-feira, dezembro 22, 2006
LADY LAZARUS, poema de SYLVIA PLATH
Tentei outra vez.
A cada dez anos
Eu tramo tudo
Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha como um abajur nazista,
Meu pé direito
Um peso de papel
Face sem feições, fino
Linho judeu.
Livre-me dos panos
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo?
O nariz, as covas dos olhos, os dentes postiços?
O hálito azedo
Some num só dia.
Logo logo a carne,
Que a caverna carcomeu, vai voltar
Pra casa, em mim.
Sou uma mulher que sorri.
Não passei dos trinta.
E como um gato tenho nove vidas.
Esta é a Terceira.
Que besteira
Se aniquilar a cada década.
Milhões de filamentos!
A platéia comendo amendoins
Se aglomera para ver
Desenfaixarem minhas mãos e meus pés
O grande strip-tease.
Senhoras e senhores,
Eis minhas mãos,
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,
Mas sou a mesma, idêntica mulher.
Na primeira vez tinha dez anos.
Foi acidente.
Na segunda tentei
Acabar com tudo e nunca mais voltar.
E rolei, fechada
Como uma concha do mar.
Tiveram de chamar e chamar
E arrancar os vermes de mim como pérolas grudentas.
Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.
Faço isso parecer infernal.
Faço isso parecer real.
Digamos que eu tenha vocação.
É fácil demais fazer isso na prisão.
É fácil demais fazer isso e ficar num canto.
É teatral
Voltar em pleno dia
Ao mesmo local, à mesma cara, ao mesmo grito
Brutal e aflito:
"Milagre!".
Que me deixa mal
Há um preço
Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração
Ele bate forte.
E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou um toque
Ou uma gota de sangue
Ou um trapo ou uma mecha de cabelo.
E então, Herr Doktor.
E então, Herr Inimigo.
Sou sua opus
Seu tesouro,
Seu bebê de ouro puro
Que se derrete num grito.
Ardo e me viro.
Não pense que subestimei sua imensa consideração.
Cinzas, cinzas
Você remexe e atiça.
Carne, ossos, não há nada ali
Barra de sabão,
Anel de noivado,
Prótese de ouro.
Herr Deus, Herr Lúcifer,
Cuidado
Cuidado.
Renascida das cinzas
Subo com meus cabelos ruivos
E como homens como ar.
Sylvia Plath
(23-29 de outubro de 1962)
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça
domingo, dezembro 10, 2006
UM SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA (de Allen Ginsberg)
Cada pensamento tive com você, Walt Whitman, enquanto caminhava
pelas calçadas sob as árvores com dor-de-cabeça consciente de mim olhando a lua cheia.
Cansado de fome, fazendo shopping de imagens, fui até o néon do supermercado de frutas, sonhando com suas enumerações!
Que pêssegos, que penumbras! Famílias inteiras indo pro shopping de noite! Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebês nos tomates! –
e você, Garcia Lorca, o que fazia no meio das melancias ?
Eu vi você, Walt Whitman, sem filhos, velho safado solitário, fuçando as carnes do refrigerador e paquerando os garotos da seção de verduras.
Peguei você fazendo perguntas pra eles: Quem matou as costeletas de porco?
Quanto custa a banana? Você é meu Anjo?
Entrei e saí das prateleiras de enlatados te seguindo,
e eu na minha cabeça sendo seguido pelo segurança.
Vadiamos juntos pelos corredores abertos em nossa imaginação solitária
provando alcachofras, passando a mão nos congelados sem nunca passar pelo caixa.
Pra onde agora, Walt Whitman? As portas se fecham em uma hora.
Pra que direção sua barba aponta esta noite ?
(Toco seu livro e sonho com nossa odisséia no super e me sinto absurdo.)
Vamos andar a noite inteira pelas ruas solitárias? Àrvores somam sombras às sombras, luzes se apagam nas casas, logo estaremos sós.
Vamos passear sonhando com a América perdida do amor cruzando os carros azuis
nas estradas, de volta pra nossa cabana silenciosa?
Ah, querido pai, de barba grisalha, velho e solitário professor de coragem, qual América tinha na mente quando Caronte parou de empurrar a barca e te deixou na margem nevoenta olhando-a sumir nas águas negras do Letes?
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
quinta-feira, dezembro 07, 2006
terça-feira, dezembro 05, 2006
EL DUENDE
EM SONETO
Andavam perdidos pelos corredores dos arquivos
Sem sentido. Uau. Um duelo de lírios flutuava, astronauta,
No tumulto dos telefonemas, nos bilhetes do declive
Da tela que dispensa a diferença num segundo. Falta,
E quem cobrava eram pétalas secas num verão e restos
De toques líquidos como um pensamento: pedra.
Perda é mais fácil, o sonho abre portas que ele mesmo fecha
Enquanto a penumbra da tarde luta para superar a planta,
Os mapas rasgados desta noite descontínua, seguindo o ser,
A linha paralela do que eu não disse, o que acabei de esquecer.
Plins nos despertam: uma fuga de Bach. O autor atrás da porta
Pede mais uma cerveja, enquanto se livra num segundo dos espelhos,
Dos livros sobre a mesa, enquanto livra-se de si e me desperta.
HIKMA
A casa foi sendo progressivamente esvaziada, até que na manhã de domingo só restou ele. E o falcão.
segunda-feira, dezembro 04, 2006
SPIRITUS MUNDI
quarta-feira, novembro 29, 2006
Dois poemas de PAUL AUSTER
PEDREIRA
Nada mais que a canção disto. Como se
só o canto tivesse nos trazido
até este lugar.
Temos estado aqui, e nunca estivemos aqui.
Estivemos a caminho até o lugar onde começamos,
e estivemos perdidos.
Não há fronteiras
na luz. E a terra
não nos deixa palavra alguma
pra cantar.
Pois o desmoronar da terra
sob os pés
é música em si, e caminhar entre estas pedras
é ouvir a gente mesmo
apenas.
Canto, logo, nada,
como se isso fosse o lugar
para onde não volto --
e se voltasse, descontava a minha vida
nessas pedras: esquecer
que um dia estive aqui. O mundo
me caminha
além do meu alcance.
QUARRY
No more than the song of it. As if
the singing alone
had led us back to this place.
We have been here, and we have never been here.
We have been on the way to where we began,
and we have been lost.
There are no boundaries
in the light. And the earth
leaves no word for us
to sing. For the crumbling of the earth
underfoot
is a music in itself, and to walk among these stones
is to hear nothing
but ourselves.
I sing, therefore, of nothing,
as if it were the place
I do not return to --
and if I should return, then count out my life
in these stones: forget
I was ever here. The world
that walks inside me
is a world beyond reach.
FRAGMENTO DE FRIO
Porque ficamos cegos
no dia que se apaga conosco,
e porque temos visto nosso hálito
nublar
o espelho do ar,
o olho do ar vai se abrir
em nada a não ser na palavra
que renunciamos: inverno
terá sido um lugar
de amadurecer.
Nós que viramos os mortos
de outra vida, não a nossa.
FRAGMENT FROM COLD
Because we go blind
in the day that goes out with us,
and because we have seen our breath
cloud
the mirror of air,
the eye of the air will open
on nothing but the word
we renounce: winter
will have been a place
of ripeness.
We who become the dead
of another life than ours.
Paul Auster (De Fragments from the Cold (1976-1977))
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
segunda-feira, novembro 27, 2006
TRANCE MUSIC
mais distante que um DJ em transe
Voz rouca segue a linha do baixo, baixe a sanha,
Circule entre senha e groovie
Entre estrelas & champanhe.
Pouco a pouco
O calor liga você.
Como nos pegam de surpresa, sons,
e das vezes em que nos
acuam
Ou suspendem
o branco
com o charme de um grito.
Seara de sorrisos, só isso aqui parece não virar mercadoria.
Talvez mulheres líquidas, ou ícones que se desmancham ao toque da tecla
Delete Cartago,
pois o sonho é só veloz
o solo só é veraz
Se entra na primeira
esquina intuitiva e se
na sintaxe da levada
o Excêntrico Sr. Sentido venha junto,
taxiando
o que quer que vida seja, tensão de arroios,
e o quer que não seja também,
chá de cereja sob uma lua que viceja
nos quatro céus desta canção.
sábado, novembro 25, 2006
Há Anos Vende Seu Peixe
Há anos vende seu peixe
podre
seu suflê de vísceras
para vegetarianos sem o menor senso de humor.
Há tempos leciona
o dialeto do caos
dá conselhos ao sol
vende orquídeas escritas com
seu sangue
para vampiros que têm medo do vermelho.
Há séculos ele pratica
a extinta arte da pluviometria
fabrica idéias inúteis
conta os carros da esquina
compondo um poema longo e atroz.
Há minutos ele liga
Para uma secretária eletrônica
Que repete, estranho, exatamente
A gravação de sua própria voz.
(De Nômada, Lamparina, 2004)
Homem-Chama (segundo Richard Pryor)
E correndo como um doido pela rua
As pessoas evitam seu caminho.
Menos um velho vagabundo
que grita pro homem estranho
Tem fogo aí, amiguinho?"
(sobre uma gag de Richard Pryor)
terça-feira, novembro 21, 2006
O Rumor das Máquinas Crescia (de Severo Sarduy)
O RUMOR DAS MÁQUINAS CRESCIA
O rumor das máquinas crescia
Na sala contígua: já minha espera
De um adjetivo—ou de teu corpo—não era
Mais que a intenção de encurtar o dia.
A noite que chegava e precedia
O vento do deserto, a certeira
Luz—ou teus pés nus na esteira—
do ocaso, seu tempo suspendia.
Não recordo o amor e sim o desejo:
não a falta de fé, e sim a esfera—
Imagem confrontando seu reflexo
com a textura branca, verdadeira
página—ou teu corpo que inda releio—;
vasto ideograma da primavera.
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
segunda-feira, novembro 20, 2006
domingo, novembro 19, 2006
segunda-feira, novembro 13, 2006
Oração ao Dia de Ação de Graças, de William S. Burroughs
Obrigado pelo peru e pelos Pombos Correios, destinados a serem cagados por saudáveis tripas americanas
Obrigado por um continente para se pilhar e se envenenar
Obrigado aos índios, por nos abastecerem com uma quantia módica de perigo e desafio
Obrigado pelas vastas manadas de bisões para se matar e se escalpelar, deixando as carcaças apodrecerem
Obrigado pela recompensas por lobos e coiotes
Obrigado pelo Sonho Americano, por tudo vulgarizar e falsificar até que as mentiras nuas resplandeçam
Obrigado à Ku Klux Klan, por tiras assassinos de negros acariciando as marcas na coronha...por mulheres decentes e carolas, com suas faces amarradas, amargas e más
Obrigado por adesivos tipo “Mate um viado em nome de Cristo”
Obrigado pela AIDS criada em laboratório
Obrigado pela Lei Seca, e pela Guerra Contra as Drogas
Obrigado por um país que não deixa ninguém tomar conta de seus próprios assuntos
Obrigado por uma nação de dedos-duros, é....
Obrigado por todas as lindas lembranças, “tudo bem, maluco, pode ir mostrando os bracinhos! “... você sempre foi uma dor-de-cabeça e um pé no saco
Obrigado
Pela maior e última traição
Do maior e último dos sonhos humanos
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
Em Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-Americanas Hoje (Editora Iluminuras, 1994, com entrevistas com Roy Lichtenstein, Meredith Monk, John Cage, Allen Ginsberg, Burroughs, Laurie Anderson, Amiri Baraka, Marjorie Perloff, Lawrence Ferlinghetti, Michael McClure, John Ashbery, Wanda Coleman, Nam June Paik, entre outros)
quinta-feira, novembro 02, 2006
terça-feira, outubro 31, 2006
sexta-feira, outubro 27, 2006
Instantâneos Contemporâneos
uma e trinta da matina a loucura quebra minha esquina
esmaga com força sua rotina de estrelas mínimas
ferra as bocas do acaso com trancas de ciúme
de Galatéia expulsa a espuma de seus crimes
condena o Vácuo veloz ao silêncio do tumulto
só resta um pedaço da escotilha do piloto
e uma palavra em transe na testa do palhaço
o padre conversando com um surdo-mudo
anjos em carne viva rasantes no céu de merthiolate
poeira de metal e carnes prédios desabando
o anjo do mal com seu sorriso absorto
na rosa flechada sangrando mental
a aurora ladra seus rubros massacres
e a lentidão do real levita é um milagre
estar aqui entre gritos neste estado de sítio
descobrir que foi a vida que mentiu
(De Nômada, Lamparina, 2004)
domingo, outubro 22, 2006
DIÓGENES, O CÃO
Há alguns anos eu, Maurício, Beth e Yuri compusemos esta canção:
DIÓGENES, O CÃO
“Saia do meu sol, Alexandre Magno,
Deixe-me na minha barrica
Ou lhe mando um raio
Desferido de meus poderes espaciais.
Eu sou o primeiro cínico da Terra,
O primeiro signo,
O primeiro cigano.
Meu nome é Diógenes
Eu vim de longe
De onde a gente vive o hoje.
Vai tirando o cavalinho da minha chuva
Pare de ficar secando a minha uva
O seu poder não cabe numa luva
Lambo aos que me dão
Ladro aos que não dão
E mordo os maus
Meu nome é Diógenes
Eu vim de longe
De onde a gente vive o hoje.
sábado, outubro 21, 2006
PASCAL
Eu descobri que toda a infelicidade humana vem disso, do homem ser incapaz de ficar quieto em seu quarto.
Blaise Pascal
quarta-feira, outubro 18, 2006
AMOROSA, de Paul Éluard
Retrato de Paul Éluard, por Salvador Dali
Ela pousa em minhas pálpebras,
Põe seus cabelos sobre os meus,
Tem a forma de minhas mãos,
Tem a cor dos meus olhos,
Se entranha em minha sombra
Como uma pedra contra o céu.
Ela nunca fecha seus olhos
Nem me deixa mais dormir.
Em pleno dia, seus sonhos
Dissipam os sóis,
Me fazem chorar, chorar e rir,
Falar sem ter nada pra dizer.
L´Amoureuse
Elle est debout sur mês paupières
Et ses cheveux son dans les miens,
Elle a la forme de mes mains,
Elle a la couleur de mês yeus,
Elle s´englouit dans mon ombre
Comme une pierresur le ciel.
Elle a toujours les yeus ouviers
Et ne me laisse pas dormer.
Sés rêves em pleine lumière
Font s´évaporer lês soleils,
Me font rirer, pleurer et rire,
Parler sans avoir rien à dire.
(De Nourir de ne pas mourir, 1924.)
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
sábado, outubro 14, 2006
sexta-feira, outubro 13, 2006
Mais Um Poema de Bukowski (saído do forno)
um dos problemas é que
geralmente quando as pessoas
sentam pra escrever um poema
elas pensam,
“agora vou escrever um
poema”
e aí
passam a escrever um poema
que
parece um poema
ou o que eles pensam
que deve ser um poema.
este é um de seus
problemas:
claro, tem outros
também:
aqueles escritores de poemas
que se parecem com poemas
começam a achar que precisam
sair por aí
lendo-os para
outras pessoas.
isso, ele dizem, é feito
pelo status e pelo reconhecimento
(eles tomam cuidado
em não mencionar
a vaidade
ou a necessidade de
aprovação imediata
de alguma platéia minguada
e idiota).
os melhores poemas
me parece
são aqueles escritos
por uma necessidade
máxima.
e uma vez escrito
o poema
a única necessidade
é escrever
outro.
e o silêncio
da página impressa
é a melhor resposta
para um trabalho
concluído.
em décadas passadas
alertei alguns
de meus
poetas-amigos
sobre a natureza masturbatória
de leituras de poesia
feitas apenas para
o aplauso de
meia dúzia de
panacas.
“isole-se e
faça seu trabalho e se você
tiver que se misturar, então
se misture com quem
não demonstra o menor interesse
por aquilo que você considera
tão
importante”.
a resposta
que recebi então
de meus poetas-amigos
foi tão raivosa
tão hipócrita
que parecia que eu
havia provado
exatamente
meu ponto de vista.
depois disso,
cada um tomou
seu seu rumo.
e isso acabou resolvendo
só um de meus
problemas
e um problema deles também,
presumo.
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
(De Come on In!, Black Sparrow Press, 2006)
quinta-feira, outubro 12, 2006
Dor Elegante, poema de Paulo Leminski (musicado por Itamar Assumpção)
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
quarta-feira, outubro 11, 2006
Aqueles Bons e Raros Momentos, de Charles Bukowski
quando os deuses descansam
quando os cães se
calam,
voce sentado numa
espelunca Sushi
mandando ver nos palitinhos
entre duas grandes garrafas
de saquê
só que quietinho pensando
sobre todos os infernos
que você
sobreviveu,
provavelmente mais que
qualquer um
so que esses são seus
pra se lembrar.
Sobreviver é uma coisa
engraçada demais,
e doida.
Passando com segurança por todas
as guerras,
mulheres,
hospitais, xilindrós,
juventude,
meia-idade,
danças suicidas,
décadas
de nada.
Agora aqui
nessa espelunca Sushi
numa rua suburbana
de uma cidadezinha,
tudo passa à sua
frente
rapidamente
feito um filme
bom/ruim.
Há essa
estranha sensação
de paz.
Nem um carro na rua
passa,
nem um som.
Você segura os palitinhos
como se fizesse
isso há
séculos,
repare no pedacindo
de repolho na
borda do seu
prato.
aí, é isso aí,
todo aquele estilo,
graça,
caralho é tão
estranho
sentir-se bem por estar
vivo,
sem fazer nada
de mais
e sentindo
a glória
disso,
como um pleno
coral atrás
de você,
como as
calçadas,
como as
dobradiças.
cresce grama na Grécia
e até os patos
tiram uma siesta.
(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes)
Amém, Buk, amém
terça-feira, outubro 10, 2006
BUK
Domingo assisti um documentário maravilhoso sobre Charles Bukowski (pronuncia-se biukauski). Daqueles que dão vontade de rever e rever. Mais de duas horas com entrevistas raras, imagens de Bukowski dirigindo seu volks vagabundo pelas ruas de L.A., levando roupa pra lavanderia, entrevistas pra TV alemã, belga, Bukowski declamando seus poemas para platéias ensandecidas e caindo na gargalhada. E bebendo, claro. Entrevistas com ex-mulheres, o editor John Martin, que foi quem apostou nele, com Ferlinghetti, e com os amigos Bono (do U-2), Sean Penn e Tom Waits.
O filme do John Dullagan traça um ótimo panomara do "Hank", da infância até os últimos anos. É hilariante. É emocionante. É de foder, enfim. Bukowski penou muito até começar a ser reconhecido, é um exemplo de persistência. Engraçado é que até a pouco tempo ele era conhecido apenas como prosador no Brasil, enquanto nos EUA todos o conhecem mais como um poeta. Vou ver se posto uns diálogos e depoimentos aqui neste Estúdio Realidade.
Enfim, um filme daqueles pra gente repensar a vida. Traduzi ins 15 poemas de Bukowski nos últimos anos, sempre me dão muito prazer. Uma amostra está embaixo deste post, com o qual costumo abrir recitais de poesia e música. É killer. Confira:
Definindo a Magia, poema de Charles Bukowski
um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está mais a fim,
um bom poema é um sanduíche
de presunto, quando você está
faminto,
um bom poema é uma arma quando
os bandidos te cercam,
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas
da morte,
um bom poema pode fazer a morte
derreter feito manteiga,
um bom poema pode enquadrar a agonia e
pendurá-la na parede,
um bom poema pode fazer seu pé tocar
a China,
um bom poema pode fazer você cumprimentar
Mozart,
um bom poema permite você competir
com o diabo
e ganhar,
um bom poema pode quase tudo,
isso sem dizer que
um bom poema sabe quando
parar.
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
domingo, outubro 08, 2006
PELOS OLHOS DE LAURA RIDING, por Mariana Ianelli
Mindscapes
Laura Riding
Trad.: Rodrigo Garcia Lopes
Iluminuras
256 págs.
"Ecce Homo, parece dizer cada poema", foram, certa vez, as palavras de Eugênio de Andrade. Esta ambição da experiência poética por um sentido humano é o que diz, na duração do pensamento, cada poema de Laura Riding. Há mais de uma década de sua morte, Riding ressurge, em sua primeira edição brasileira, convocando o ser para a linguagem. Mindscapes, paragens da mente, do infinito durante - o espaço luminoso onde a consciência lingüística se converte em um projeto de existência.
No ponto em que se tocam criação e crítica, a poesia de Riding tem como origem e destino o próprio homem, este mesmo que, em sua possibilidade de ser, tornou-se alvo da linguagem para Heidegger. "O que é ser?" - pergunta a poeta. "É ter um nome", e carregá-lo em si, inteiramente, até que se faça silêncio. Onde a verdade fala, a palavra consente. Por um momento, Riding e o mundo se cruzam - e este momento, de hesitação e equilíbrio, de amor e contenda, é o poema. Exatamente aí dobra "a sineta do pensamento".
A poeta ronda a "fala absoluta", "o verso simples e impronunciável", o milagre que está dito em sua presença muda. Lê-se, para além da palavra, a eternidade. Para além do tempo, da beleza e do amor, o homem em sua justa dimensão. Não são poemas que se abrem ao primeiro apelo da leitura, antes são muros que procuram os olhos da mente, despertos para a interminável aventura da autognose. Poemas para se olhar por dentro e através de si, no que lhes é sem limite e sem vaidade: este caminho de aprendizagem no abismo, "um continente imaginário", mindscapes.
Companheira de Robert Graves por mais de seis anos, admirada por Yeats e Auden, Riding foi uma daquelas mentes poéticas que, diante do questionamento dos valores humanos na travessia do séc. 20, não se furtou a enfrentar o risco de limites extremos no estudo e na criação da obra literária, chegando a abandonar a poesia por esta mesma fidelidade de consciência que calou a vida de Paul Celan.
"Não somos o vento", segreda a poeta. Não somos isto que é pleno em si mesmo sem ao menos saber seu nome. A morada da natureza humana está em outra parte: na imanência de um porquê."Devemos distinguir melhor entre nós mesmos e estranhos", separar pela diferença e conciliar pela identidade. É assim que, na poesia de Laura Riding, o tempo musical da mente abole o tempo transitivo dos relógios e o pensamento, tal como o compreendia Ralph Waldo Emerson, desdobra sua existência "mutuamente contraditória e exclusiva".
Numa época em que urge a tarefa de pensar, os poemas de Mindscapes vêm atar o elo entre o homem e o mundo por essa íntima relação entre experiência e iniciação, a partir da qual poesia e filosofia se conversam de um modo fecundo, infinito e revolucionário.
Dois poemas de Laura Riding
Isto não é bem o que quero dizer, não,
Nada mais do que o sol é o sol.
Mas como significar mais corretamente
Se o sol brilha aproximadamente?
Que mundo mais desajeitado!
Que hostis implementos de sentido!
Talvez isto seja o sentido mais preciso
Que talvez fiquem bem o saber disso.
Ou então, acho que o mundo e eu, sim,
Devemos viver como estranhos até o fim –
Um amor azedo, ambos duvidando um pouco
Se um dia houve algo como amar o outro.
Não, melhor termos quase certeza
Cada um de nós onde é que exa‑
tamente eu e exatamenre o mundo falha
Em se cruzar por um segundo, e uma palavra.
NENHUMA TERRA AINDA
Mar demorado, como é fugaz,
De aguidéia a aguidéia
Tão rápida em sentir surpresa e vergonha.
Onde momentos não são tempo
Mas tempo são momentos.
Tanto nem sim nem não,
Tanto único amor, ter o amanhã
Por um fracasso inevitável de agora e já.
Deitados na água barcos e homens fortes,
Mestres em fraqueza, partem para algum lugar:
O mais poderoso dorminhoco em sua cama
É incapaz de conhecer lugares nobres assim.
Então a fé embarcou na terra do marinheiro
Em busca de absurdos em nome do céu –
Descobrimento, uma fonte sem fonte,
Lenda de neblina e paciência perdida.
O corpo nadando em si mesmo
É o querido da dissolução.
Com gotejante boca diz uma verdade
Que não pode mentir, em palavras ainda não nascidas
Da primeira imortalidade,
Onissábia impermanência.
E o olho empoeirado cujas agudezas
Tornam-se aguadas na mente
Onde ondas de probabilidade
Escrevem a visão com letra de maré
Que só o tempo pode ler.
E a terra seca ainda não,
Salvação e solidão absolutas –
Ostentando sua constância
Como uma ilha sem água ao redor
Numa água sem terra alguma.
(Em Mindscapes, Poemas de Laura Riding, Trad. RGL, Iluminuras, 2004)
No Blog de Douglas Diegues
RGL LANZA ESTÚDIO REALIDADE
O poeta Rodrigo Garcia Lopes acaba de lanzar um blog, chamado Estúdio Realidade, que merece ser conhecido por los que ainda no lo ficaram sabendo. U blog do Rodrigon tá cheio de coisas legais. Todos os dias tem alguma novidade que ele vem di escrever ou traduzir pras pessoas que gustam do que ele escreve y traduz. Particularmenti gosto dessa mescla de pedra e pluma que o RGL faz sem forçar la barra. Aliás, essa geração Londrix, Ademir, RGL, Losnak, Maurício Arruda Mendonça yo conozco y prezo desde quando eles nem tinham livros publicados e faziam aquela esplêndida revista KAN onde yo los empezava a leer e admirar. No Estúdio Realidade, RGL manda também instigantes traduciones, sempre certeiras, sempre com aquele frescor impagable. Conheci u Rodrigon no Londrix 2006. Me diverti muito com ele naquele primeiro Londrix que ao que tudo indica nunca. Nunca mais irá se repetir.
quinta-feira, outubro 05, 2006
EM RIDING
Viver numa realidade de palavras,
com a consciência de que, a cada passo, falha,
no entanto atenta ao que cada instante desperta,
É a ambição da poesia quando trava
com o artifício mortal da absorção — escrava
do som que a persegue como um alerta —
Entre letra e mente uma batalha.
quarta-feira, outubro 04, 2006
segunda-feira, outubro 02, 2006
As time goes by....
Peguei esta foto hoje no blog do meu amigo Mário Bortolotto. O aniversário dele foi na sexta. O meu e o da Isabela, filha dele, e que está no colo do Marião, é hoje. Três librianos.
Feliz aniversário para nós!
Esta foto foi tirada no lendário Bar Valentino, em 1994, nos ensaios para o Poesia in Concert, que fizemos junto com outros dois grandes amigos, o Maurício Arruda Mendonça e o Silvio Demétrio no violão de aço e slide. A casa lotou duas noites seguidas, pra ver a gente mandar ver na poesia. Lemos de tudo ali, de trechos da Bíblia em hebraico, Marcial, até Ginsberg, Bukowski, Leminski e nossos próprios poemas, é claro. As noites foram um sucesso. Uau, que saudades, de quando tudo parecia mais fácil e leve.
sábado, setembro 30, 2006
terça-feira, setembro 26, 2006
HAIKUS DE JACK KEROUAC
**
Cruzando o campo de futebol
voltando do trabalho,
O empresário solitário
Crossing the football field/ Coming back from work,/ The lonely businessman
*
Hoje nenhum telegrama
— Só mais folhas
caindo na grama
No telegram today/-- Only more / Leaves fell
*
As solas dos sapatos
limpas
de andar na chuva
The bottoms of my shoes/ are clean/ from walking in the rain
*
Tentando estudar os sutras
o gato deita na página
Dizendo me escuta
Trying to study sutras,/the kitten on my page/Demanding affection
*
Inútil, inútil,
pancada de chuva
em direção ao mar.
Useless, useless,/the heavy rain/Driving into the sea
*
O sabor
da chuva—
Por que ajoelhar?
The taste/ of rain—/ Why kneel?
*
A lua ganhou
um bigode de gato,
Por um segundo
The moon had/ A cat´s moustache,/ For a second
*
Uma gota de chuva
desabou do teto
na minha cerveja
A raindrop from/ the roof/ Fell in my beer
*
Noite perfeita de lua
arruinada
Por brigas de família
Perfect moonlit night/marred/ By family squabbles
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As flores nem ligam
pro otário
sol de maio
The flowers don’t seem/ to mind/ the stupid May sunshine
Tradução de Rodrigo Garcia Lopes
(Do livro Book of Haikus. Edited and with an Introduction by Regina Weinreich. New York: Penguin Books, 2003)