domingo, outubro 08, 2006

PELOS OLHOS DE LAURA RIDING, por Mariana Ianelli

A poeta paulistana Mariana Ianelli acaba de publicar no jornal Rascunho, de Curitiba, uma concisa e ótima resenha sobre Mindscapes, o livro de poemas da poeta modernista americana Laura Riding que publiquei em 2004 pela Iluminuras. Dê uma conferida:



Mindscapes
Laura Riding
Trad.: Rodrigo Garcia Lopes
Iluminuras
256 págs.

"Ecce Homo, parece dizer cada poema", foram, certa vez, as palavras de Eugênio de Andrade. Esta ambição da experiência poética por um sentido humano é o que diz, na duração do pensamento, cada poema de Laura Riding. Há mais de uma década de sua morte, Riding ressurge, em sua primeira edição brasileira, convocando o ser para a linguagem. Mindscapes, paragens da mente, do infinito durante - o espaço luminoso onde a consciência lingüística se converte em um projeto de existência.
No ponto em que se tocam criação e crítica, a poesia de Riding tem como origem e destino o próprio homem, este mesmo que, em sua possibilidade de ser, tornou-se alvo da linguagem para Heidegger. "O que é ser?" - pergunta a poeta. "É ter um nome", e carregá-lo em si, inteiramente, até que se faça silêncio. Onde a verdade fala, a palavra consente. Por um momento, Riding e o mundo se cruzam - e este momento, de hesitação e equilíbrio, de amor e contenda, é o poema. Exatamente aí dobra "a sineta do pensamento".
A poeta ronda a "fala absoluta", "o verso simples e impronunciável", o milagre que está dito em sua presença muda. Lê-se, para além da palavra, a eternidade. Para além do tempo, da beleza e do amor, o homem em sua justa dimensão. Não são poemas que se abrem ao primeiro apelo da leitura, antes são muros que procuram os olhos da mente, despertos para a interminável aventura da autognose. Poemas para se olhar por dentro e através de si, no que lhes é sem limite e sem vaidade: este caminho de aprendizagem no abismo, "um continente imaginário", mindscapes.
Companheira de Robert Graves por mais de seis anos, admirada por Yeats e Auden, Riding foi uma daquelas mentes poéticas que, diante do questionamento dos valores humanos na travessia do séc. 20, não se furtou a enfrentar o risco de limites extremos no estudo e na criação da obra literária, chegando a abandonar a poesia por esta mesma fidelidade de consciência que calou a vida de Paul Celan.
"Não somos o vento", segreda a poeta. Não somos isto que é pleno em si mesmo sem ao menos saber seu nome. A morada da natureza humana está em outra parte: na imanência de um porquê."Devemos distinguir melhor entre nós mesmos e estranhos", separar pela diferença e conciliar pela identidade. É assim que, na poesia de Laura Riding, o tempo musical da mente abole o tempo transitivo dos relógios e o pensamento, tal como o compreendia Ralph Waldo Emerson, desdobra sua existência "mutuamente contraditória e exclusiva".
Numa época em que urge a tarefa de pensar, os poemas de Mindscapes vêm atar o elo entre o homem e o mundo por essa íntima relação entre experiência e iniciação, a partir da qual poesia e filosofia se conversam de um modo fecundo, infinito e revolucionário
.

Nenhum comentário: