domingo, janeiro 21, 2007

PENSAGEM




Árvore entre raios: arvora-se
um ruído. Tudo claro, lindo, ido.

A língua, mente, sente seu gosto:
tudo o que toca é verdade.

O discurso da tarde e seu susto
se cola ao sentido, seu duplo aqui

onde repousa e se excita, visiva,
sua clareza intensiva.



(poema de Nômada, 2004)

sábado, janeiro 20, 2007

Hoje no Diário Catarinense

O poeta e escritor Marco Vasques, de Florianópolis vem fazendo várias entrevistas com escritores brasileiros nos últimos anos. E em julho passado, acompanhado do poeta Vinícius Alves, ele fez uma comigo. Foi no antológico Bar do Arante, num belo fim de tarde de vento sul na Ilha (a musa inspiradora de Visibilia, 1996). Saiu hoje, no Diário Catarinense. Foi-me enviado pelo meu amigo Fernando Alexandre:
Investigação

Rodrigo Garcia Lopes fala, na entrevista a seguir, sobre seu processo de criação poética e de seu trabalho como tradutor de Whitman e Rimbaud, entre outros

POR MARCO VASQUES *

Pergunta - O campo semântico de seu livro Visibilia remete constantemente ao mundo líquido, quase sempre contrastando com o solar. Por que essa escolha?
Rodrigo Garcia Lopes - Esse livro tem muito da poética do olhar. O que proponho, em Visibilia, é um arquivo vivo do olhar. O livro tem muito da minha experiência em Florianópolis, pois foi aqui, no Pântano do Sul, que terminei o livro. O contato com a natureza me colocou uma questão. O que pode a poesia diante do silêncio dos dias, do silêncio do mundo natural? Traduzir? Complementar? Então, o desafio era esse: investigar e indagar como se dá o processo de transferência do mundo real ao mundo poético. E o poema seria exatamente a tradução simultânea desta percepção em palavra, em poesia. O poema surge como o resultado desse atrito entre consciência e mundo, fruto dessa tensão. Eu estava fazendo doutorado sobre a Laura Riding, que investiga um pouco disso em sua obra. Mas também é algo que diz respeito a William Carlos Williams e os objetivistas, como George Oppen. A poesia de Laura questiona o real, e Visibilia pode ser enquadrado nesse tipo de poética.
Pergunta - Como você encara a discussão entre forma e conteúdo? Há poetas que dizem que a poesia não deve ter respostas.
Rodrigo - A poesia é sempre uma resposta sobre as experiências humanas. A poesia que eu faço tenta ser uma resposta, sim. Ao contrário de muitos poetas, que acham que a poesia nada diz. Eu não separo forma e conteúdo. Sempre fui um poeta muito preocupado em dizer. Penso que uma coisa que a poesia deve é dizer. Mas ela tem que dizer algo a mais do que a gente encontra na linguagem do cotidiano, ela deve revelar. Num mundo em que a linguagem é usada para mentir, fazer guerra, ferir, o poeta tem o papel de provocar com sua linguagem um silêncio novo, um silêncio que provoque o encontro da pessoa consigo mesma. Claro que sempre com cuidado para não cair num hermetismo absoluto. No livro Nômada tem três séries de poemas chamadas Instantâneos Contemporâneos, Liberdade de Pó: Um Diário e Viagens à Hiperrealidade que dialogam mais abertamente com os conflitos do nosso tempo. Um dos poemas longos do livro fiz sob o impacto da Guerra no Iraque. O desafio está em fazer isso sem ser piegas, panfletário.
Pergunta - De Solarium, seu primeiro livro, ao Nômada, o último, você transita por várias linguagens...
Rodrigo - Nunca procurei a unidade estilística. A poesia é a arte da linguagem em liberdade. A verdade é que sempre tive curiosidade em experimentar com as formas mais diversas. Eu tenho poemas que dialogam com o barroco, com o imagismo, com o clássico, com o dolce stil nuovo, com o concretismo, com a geração beat, mas, claro, nunca é uma reprodução de meros conceitos, é que às vezes o poema pede, grita sua forma, mesmo conduzida pelo poeta.
Pergunta - João Cabral de Melo Neto falava do clic do poema, quando o poema faz clic para você? Rodrigo - O momento em que o poema se fecha é o momento em que ele se abre para o leitor. O fim é apenas o começo. Quando você consegue se desvincular da autoria do que você escreveu e consegue se colocar na condição de um leitor privilegiado. Quando há um distanciamento da obra e se percebe que o texto seduz não egoicamente como autor, mas como escritura, palavra viva. Meu processo de criação não é regular, nunca insisto para que um texto saia. Só vou para o texto quando já trabalhei e convivi com ele o suficiente na mente para poder escrevê-lo. E muitas, muitas vezes, o poema nasce enquanto o procuro. Tenho escrito muitos poemas sobre isso, embora evitando a mera metalinguagem. Um poema, não importa que forma, para mim ele tem que chegar batendo, colocar o leitor em estado de poesia. O tempo do poema é o nocaute. Meu processo criativo é aparentemente caótico, tanto quanto meu processo de leitura. Quando estou lendo, sempre leio mais de cinco livros ao mesmo tempo. Um outro método, que retomei recentemente, é o de ter sempre uma caderneta à mão e ir anotando imagens, frases, enfim, porque idéias e palavras são fugidias. Engraçado, que só quando fui traduzir o Walt Whitman é que descobri que ele usava o mesmo método. Há uns anos redescobriram algumas dessas cadernetas raras e é fascinante perceber a "obra em progresso" ali.
Pergunta - Você traduziu Rimbaud, Laura Riding, Silvia Plath, O Navegante, texto anônimo do anglo-saxão...
Rodrigo - O Pound dizia que ao traduzir você consegue reencarnar o poeta, sua linguagem específica, além do tempo desse poeta, repoetizar o original em sua língua. O tradutor é um traficante, ele trafica significados de uma língua para outra, só que nesse processo ele pode se sair bem como um Ronald Biggs ou pode se sair mal e ser preso! A poesia é um trem pagador. A transcriação, a qual os irmãos Campos aderiram, vem de Pound e de Walter Benjamin e seu conceito da tradução messiânica. Fazer muitas vezes a tradução parecer mais original que o próprio original, mas, sobretudo, recapturar o momento da criação. Acredito que o tradutor é transportador e, retomando Pound, o melhor tradutor de poesia é um bom poeta. Traduzir, para mim, também é uma oficina poética, onde eu exercito outras linguagens, outras vidas, outras subjetividades. Só para você ter uma idéia, o Whitman me absorveu tanto que até agora estou esgotado. Há todo um trabalho de pesquisa da vida, da obra e do momento histórico de quem está sendo traduzido.
Pergunta - Sua relação com a música é evidente, pois seu livro Polivox ganhou um CD com o mesmo título. Como você encara a polêmica alimentada em torno da distinção entre letra de música e poesia?
Rodrigo - O Leminski, nos anos 1980, saiu com essa: poetas, leitores e críticos, fiquem ligados, os melhores poemas hoje não estão nos livros, estão nos discos. Para mim não há polêmica. Se Chico e Caetano não são poetas eu não sei mais o que é poesia. A própria palavra "lírica" era sinônimo de poesia. É bom lembrar que a poesia nasce com a música. Retomando Pound, ele sempre dizia que a poesia não pode se afastar muito da música e vice-versa. Acho que o bom poeta é aquele que consegue fazer música com a linguagem.
Pergunta - Você é editor da revista Coyote, que privilegia a publicação de textos inéditos, ao lado de Ademir Assunção e Marcos Losnak. Qual o papel de uma revista desse gênero?
Rodrigo - A Coyote é uma referência nacional. Já publicamos, em quatro anos, cerca de 300 autores, de diversas partes do Brasil e do mundo. Ela é uma revista de criação, e uma das balizas dela é abrir espaços para textos inéditos. Praticamente tudo que se publica na Coyote é inédito. Várias pessoas que publicaram textos inéditos na revista e que não tinham livros publicados tiveram, posteriormente, livros publicados, pois há vários editores que ficam de olho na revista e resolvem apostar em um e outro autor que nós publicamos. Uma das funções da revista é revelar autores novos e bons. A Coyote procura farejar onde está a boa caça, onde está o bom texto.
Pergunta - Qual o maior problema da literatura hoje?
Rodrigo - Sinceramente, a falta de um sistema literário, de políticas públicas para a literatura, de incentivo à leitura, mas não centradas apenas no mercado e sim na formação do leitor. Também sinto que muitos escritores jovens se ocupam mais em fazer política literária, conchavos, de fazer promoção e marketing de sua literatura do que fazer literatura propriamente. Acham que poesia pode trazer "fama". Melhor experimentar o show business, então. Não sei onde arrumam tempo para criar. Não são poucos os poetas que fazem isso, nossa geração não sabe fazer isso. O fazer literário é outra coisa. Como diria Leminski, a poesia é princípio do prazer na linguagem. Para mim, é um modo de estar no mundo.
* Marco Vasques, poeta, coordenador de Artes da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes. Autor de Elegias Urbanas (Bem-te-vi, 2005), Diálogos com a Literatura Brasileira (EdUFSC, Movimento, 2004) e Cão no Claustro (Letradágua, 2002)

sexta-feira, janeiro 19, 2007



"Cristóvão Colombo, como todos sabem, é respeitado pela posteridade por ter sido o último a descobrir a América"


James Joyce

quinta-feira, janeiro 18, 2007

sábado, janeiro 13, 2007




A música acalma
alma e sexo
revela
camadas de sentidos
suores extintos

sexo e alma
se intercalam
meio sem nexo

sonho de verão
a razão se cala
ego vira eco

gritos nítidos
mesclam-se
línguas e corpos
são um.

simultâneos
nossos corpos
brilham no vazio

entre penumbras,
sem perguntas.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

SATORI USO, O FILME

Em 1985, depois de um ano on the road pela Europa, e enquanto editava a página Leitura da Folha de Londrina, quis publicar meus novos poemas, então inspirados no zen budismo e influenciados pelo haiku. Como achei anti-ético publicar meus poemas numa página que eu mesmo editava, achei a solução de inventar um poeta japonês que teria imigrado para Assaí, cidade perto de Londrina, nos anos 50, depois de ter vindo do Japão, ter convivido com os beats na California, e depois de perder toda a sua obra na viagem de navio para o Brasil. Ele acaba recebendo um convite da família Akiro para trabalhar no sítio da família em Assaí até ser descoberto como o grande poeta japonês desaparecido e de ser assediado por poetas que vinham a seu encontro em seu sítio.
Inventei toda uma biografia para Satori Uso (falso brilhante, ou iluminação mentirosa) e o personagem acabou dando muito o que falar. Na página indicava que eu havia traduzido os poemas para o japonês junto com uma tradutora japonesa também inexistente. Lembro que no curso de Jornalismo da UEL fui elogiado pelo meu trabalho de "investigação jornalística" por uma professora até o hoje dramaturgo Paulo de Moraes cair na gargalhada e entregar tudo. O problema é que por um bom tempo passaram a duvidar de qualquer poeta novo que eu apresentasse.
Depois publiquei mais poemas sob a persona do Uso em Polivox (de 2001) e ele passou a cada vez mais adquirir vida própria. Alguns anos atrás passei a bola para o Rodrigo Grota, que se animou a fazer um filme sobre o poeta inexistente. Fizemos juntos o roteiro e o filme acaba de ficar pronto, em 35 milímetros. Tive a honra de ser uma das 30 pessoas que viram a pré-estréia em Londrina, em fim de dezembro. Ficou uma beleza. E minha indicação do escritor e historiador Rogério Ivano para o papel-título foi feliz. Agora o diretor vai inscrever o filme em festivais nacionais e internacionais. Longa vida ao Satori Uso. E já começam a sair as primeiras críticas.

SATORI USO PASSOU POR AQUI
por PAULO BRIGUET

Um curta-metragem – e um grande filme. Assim pode ser definido Satori Uso, do cineasta Rodrigo Grota. Produzido pela Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina), o filme estréia em março. A reportagem do JL teve acesso a uma cópia do curta. É imperdível. Com 15 minutos de duração, Satori Uso conta a história de um poeta japonês que teria vivido em Londrina nos anos 50.
Ele publicou somente um livro durante a vida, quando ainda morava no Japão; em 1986, o poeta londrinense Rodrigo Garcia Lopes escreveu uma nota biográfica sobre Satori, acompanhada da tradução de alguns poemas do autor, conhecido por sua obsessão com as sombras da existência. O narrador de Satori Uso é o cineasta americano Jim Kleist (1941-1992), famoso por jamais ter concluído um filme em toda sua carreira. Nasceu em 7 de maio de 1941, na mesma semana em que era lançado o filme Cidadão Kane, de Orson Welles. Íntimo dos escritores da geração beat – como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs –, Kleist interessou-se pela obra de Satori e chegou a fazer algumas filmagens em Londrina, em 1967.
Os dois Rodrigos – Grota e Garcia Lopes – assinam a quatro mãos o roteiro do filme. A estrela principal é Satine, musa de Satori Uso, vivida pela atriz e modelo paulistana Caren Utino. O poeta é interpretado pelo historiador londrinense Rogério Ivano. Ambos se saem muito bem na tela. Grota acertou em cheio ao convidar Carlos Ebert para a direção de fotografia de Satori Uso. O filme tem toda exuberância do trabalho anterior de Grota (Londrina em três movimentos), com a diferença de que há uma história para contar – ainda não uma trama, mas um enredo e uma atmosfera bastante convincentes. “Procurei fazer um filme que falasse aos sentimentos das pessoas”, diz Grota. Pelo visto, conseguiu.
A maioria das cenas do curta-metragem é feita em preto e branco, com exceção dos trechos em que são exibidos os poemas do protagonista. Em vários momentos, o filme lembra as telas do pintor americano Edward Hopper. “Imaginei cenas como se Hopper pintasse em preto e branco”, comenta Grota. As cenas coloridas, com especial ênfase às belezas naturais do Norte do Paraná, lembram os últimos filmes do mestre japonês Akira Kurosawa. A escolha da trilha sonora dificilmente poderia ter sido melhor: Johann Sebastian Bach, Bill Evans e Astor Piazzolla.Além das telas de Hopper e da música de Bach, Grota conta que encontrou inspiração para escrever e filmar Satori Uso em obras como o Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, e o filme Touro indomável, de Martin Scorsese.Ao contrário do que muitos imaginam, está provado: Satori Uso e Jim Kleist existem.