quarta-feira, janeiro 25, 2017

A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS (de Sylvia Plath, traduzido por Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo)



A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS



Encomendei esta caixa limpa de madeira,
Quadrada como uma cadeira, pesada demais pra carregar.
Diria que é o esquife de um anão
Ou de um bebê quadrado
Não fosse o ruído que dela escapa.


Está trancada, é perigosa.
Tenho que passar a noite com ela
Não consigo me afastar.
Não há janelas, não posso ver lá dentro.
Apenas uma pequena tela e nenhuma saída.

Espio pela fresta.
Tudo escuro, escuro,
Com a enxame sensação de mãos africanas
Minúsculas, encolhidas para exportação,
Negro no negro, escalando com fúria.

Como deixá-las fugir?
O barulho é o que mais me apavora,
As sílabas incompreensíveis.
São como uma turba romana,
Não são nada, separadas, mas juntas, meu Deus!

Ouço este latim furioso.
Não sou um César.
Só encomendei uma caixa de maníacas.
Podem ser devolvidas.
Podem morrer, não preciso dar comida, sou a dona.

Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há o laburno, suas louras colunatas,
E as anáguas da cerejeira.

Bem podiam me ignorar
Em meu vestido lunar, meus véus funéreos.
Não sou fonte de mel,
O que querem de mim?
Amanhã serei o doce Deus, vou soltá-las enfim.

A caixa é apenas temporária.

**
SYLVIA PLATH
Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo
Em Ariel - Edição Restaurada, Verus, 2007)
Pintura "The Arrival of the Bee Box", de Justin Fitzpatrick

terça-feira, janeiro 10, 2017

Resenha de Estúdio Realidade por Heitor Ferraz (Valor Econômico)

10.1.2014: Resenha de Estúdio Realidade (7 Letras) no Valor Econômico:

A natureza da linguagem em Garcia Lopes

Por Heitor Ferraz | Para o Valor

Não deixa de ser interessante que um dos temas caros ao romantismo - o da contemplação da natureza e a fusão do eu lírico com toda essa verdura estilizada - continue tendo, nos tempos de hoje, o mesmo apelo. No entanto, não podemos nos apegar à superfície dos poemas, e cabe perceber que essa natureza contemporânea já nos chega problematizada pela própria linguagem: é uma natureza inventada pela linguagem e ao mesmo tempo questionada por ela e sobre ela. É como se o poeta retirasse de suas observações uma imagem e, num segundo seguinte, já questionasse a validade dessa imagem.

A questão é complexa, não há dúvida. Mas ela está presente no recente livro "Estúdio Realidade", do poeta paranaense Rodrigo Garcia Lopes, uma das vozes representativas da poesia brasileira surgida nos anos 1990. Há em Garcia Lopes desde o princípio, em "Solarium", de 1994, uma preocupação com a diversidade formal. Mas já absorvida pela ideia da "poesia pós-utópica", de Haroldo de Campos, com "a pluralização das poéticas possíveis". Havia uma procura da expressão que desse conta dos embaralhamentos da vida contemporânea. Nesse sentido, sua poesia trilhou o inusitado caminho da variação formal e da polifonia, cada poema exigindo uma maneira própria de se apresentar na página.

Mas se há um tema bastante recorrente em sua poesia é o da natureza, como motivo de reflexão e criação de novas imagens e questionamentos. Como já havia em "Nômada", de 2004, essa paisagem descrita pelo poeta é uma espécie de fruto do pensamento (como ele mesmo diz num dos "24 aforismos sobre poesia", no fim de seu novo livro: "Talvez poemas devessem ser mais que simplesmente escrita sobre experiência, e sim escrita como experiência"). Essa tem sido a sua procura obsessiva: uma expressão que case imagem e pensamento, por meio de uma linguagem que se questione o tempo inteiro, pois ciente de seus desgastes. Como já dizia a crítica Maria Esther Maciel, o poeta "faz do deserto a sua paisagem".

Ele não procura a natureza em si, mas os seus ecos, pois em seu estúdio a realidade não é um objeto a ser flagrado diretamente. Ele deve ser captado pelas bordas, pelas imagens que proporciona, como se pode ler em "No Estúdio Realidade", que abre o livro: "Uma relâmpago é flagrado por seus ecos. Santo súbito". Em outro fragmento lê-se: "A pedra comunica seu sonho de estar sobre o ar da paisagem na parede. O espelho, uma perda".

Em "Notícias do Mundo", por exemplo, os versos parecem relatos curtos, quase títulos estilizados de jornais ("Águas muezins no vale das sombras/ África agoniza/ Iraque se debate/ Índia se indigna/ Impérios definham/ Morro em guerra fratricida" etc.). A certa altura, o poeta anota, irritado: "Mentiras, mentiras". E ao fim, diz: "E, no entanto, eu aqui/ à sombra de um pensamento/ de um amor que seja um lugar,/ um lugar como um pensamento./ Mas isto é ir muito longe:/ Isto é acordar".

"Estúdio Realidade", cujo título é tomado de um romance de William Burroughs, é um bonito livro, mas exige do leitor uma paciência de detetive (alguns poemas tratam diretamente do assunto). Ele lança pistas e despistes. Cabe ao leitor decifrá-los, não diretamente, mas pelos ecos que criam.
"Estúdio Realidade"

Rodrigo Garcia Lopes 7Letras 136 págs., R$ 35,00 / AA+

AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

Leia mais em:

sexta-feira, janeiro 06, 2017

HAIKU, Bashô




iluminado!

não pensa em satori
ao ver o raio

稲妻に悟らぬ人の貴さよ
inazuma ni / satoranu hito no / tattosa yo


MATSUO BASHÔ
tradução

rodrigo garcia lopes