O Edson Cruz, editor do excelente portal Cronópios, acaba de publicar traduções minhas na revista eletrônica.
3 poemas do norte-americano Frank O'Hara
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e treze epigramas do poeta Marcial
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Linke aí:
http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2904
"Storm the Reality Studio, and retake the universe" ("Assaltem o Estúdio Realidade, e retomem o universo") WILLIAM S. BURROUGHS
Passagem por uma paisagem,
lugar do onde, do ontem, do quando,
quantas palavras ficaram faltando
na boca cheia de imagens.
O outro é aquele que ficou à margem,
no espanto de um pronome,
no corpo de uma brisa suave;
o outro é como uma fome,
pluma à deriva, a distância, ou quase.
Estranho em sua própria viagem,
garrafa com uma mensagem,
olhar durando numa flor,
sem nome, secreta, selvagem.
Desterro, água bebida num trem,
peça incompleta, festa adiada, vertigem,
a cabeça sempre em alguém,
eu outro, eu todos, ninguém.
Rodrigo Garcia Lopes, Visibilia (Travessa dos Editores, 2005)
O inverno lança estranha antologia
Trevos de trevas e liláses de solidão
Colisão de um satélite de metáforas
Relatos de narcisos terroristas
Provocam alta nas cotações de nuvens de lixo espacial
Racha na cópula de abelhas de absinto
Iminência de guerra de beijos partidos
E o ano-novo passado no Nilo.
O olho do furacão sofre, sobre o Caribe
E conecta memórias-links de estrelas decadentes
Seres isolados em entropia
Soletram e tocam suas reses
Enquanto rimas serial killers invadem os pregões
E palavras apodrecem nos jornais,
No canto das bocas, sem fôlego,
No bilhete amassado e esquecido
Como tudo mais.
Rodrigo Garcia Lopes
LIVE
Winter releases a strange anthology
Clovers of darkness and lilacs of solitude
Collision of a satellite of metaphors
Reports of terrorist narcissists
Provoke high rates of clouds of space junk
Breaks in the copulation of bees of absinthe
Imminent war of broken kisses
And New Year’s spent on the Nile.
The eye of the hurricane bears its cross, across the
And connects memory-links of fallen stars
Isolated beings in entropy
Spell out and play their heads
While serial killer rhymes invade the open outcries
And words rot in the newspapers,
In the corner of mouths, breathless,
In the crumpled and forgotten note
Like everything else.
Se
e
A
O
a
— e pode
se
“
no
a
sutis,
Um nome e uma invisibilidade, uma cor tenra & brusca e um pronome impossessivo, um nome-cor sucessivo omen no plano elástico do sempre. Quando. Ontem relâmpagos em esperanto, somem flashes no meio do deserto que decifro à espera dos deuses. Quando cada um disser o seu, neste desterro, enquanto conversamos, em intervalos imprevisíveis, então não será repetição. Quase nervuras elétricas, se a pós-imagem orbitasse na retina: folha vista à contra-luz. Metal e cobalto, mel e vácuo, flor-fera de mantra no traste do segundo seguindo segredos de um trovão & um metal sucessivo e urgente, não-identificado, intransparente, escala de sombras e um matiz vértice despedaçado que recua ao olhar a tempestade que chega de si. Sul, som, calor, suor, digo, seu hálito, Árvore, Desejo e Vórtice: nos cruzamos num ângulo branco de guitarra dissolvida pela tela, quina de face-cafeteira, círculos estranhos num campo de milho, vidro opaco fragmentos num abismo de céu verde fumaça e acordes flamencos e uma pausa. As navalhas sucessivas da diferença. A face de um instante, em 360 graus.
Rodrigo Garcia Lopes, em Polivox (Azougue, 2001)
O MISTÉRIO DA CAÇA É o mistério da caça o que me intriga, Que nos lança como lemingues, mas cuidadosamente — Em busca de uma nuvem quadrada cintilante — cheiro de limão verbena Ou aprender as regras do jogo que a lontra marinha Pratica nas ondas. São essas coisas mínimas — e o segredo atrás delas Que enchem o coração. O modelo, o espírito, demônio ígneo Que tudo une E empurra sua liberdade em nossos sentidos, Aroma de um arbusto, uma nuvem, a ação dos animais. — A subida, a exuberância, quando todo mistério se revela. São essas coisas mínimas Que, quando trazidas à visão, viram um inferno. Nota: lemingues: (zool). pequeno roedor das regiões árticas Michael McClure (Tradução: Rodrigo Garcia Lopes)
André Luiz Gonçalves de Oliveira
Está sendo lançado por esses dias o CD Polivox, de Rodrigo Garcia Lopes. E é muito bom poder ouvi-lo e comentá-lo, sobretudo ouvi-lo. O poeta estréia como compositor e músico atuando em todas as etapas de produção, desde as concepções, arranjos, violões, voz, concepção de mixagem.... Segundo o próprio autor, o disco todo foi concebido e produzido dentro de um ano, porém há músicas que datam de 1994 e outras que foram sendo desenvolvidas no estúdio nesse ano, durante os trabalhos no estúdio. Trata-se de um disco autoral. O autor teve cuidado de manter certa linha estética durante todo o disco, tarefa em que se saiu muito bem.
Rodrigo dialoga de maneira madura e consciente com tendências da música popular paulistana (pós-vanguarda paulistana). Aliás, isso que eu chamo música popular paulistana, não é tão apenas paulistana assim quando lembramos de nomes como Arrigo, Itamar e Robinson Borba, entre muitos outros que não eram de São Paulo. E dizer que há este diálogo, não é de modo algum engavetar o Polivox de Garcia Lopes. Como já disse é um trabalho maduro, surpreendente para um primeiro disco, mas compreensível e não menos admirável quando se sabe que Rodrigo toca e compõe não é de hoje. Há alguns aspectos que chamam a atenção e que merecem destaque como a qualidade musical do trabalho e a qualidade técnica, desde gravações, edição e mixagem. Rodrigo afirma que acompanhou todos os processos muito de perto, e isso com certeza possibilitou reconhecê-lo em todas as músicas.
A qualidade musical é algo que o ouvinte pode se impressionar. O disco tem uma estruturação consciente, e tem basicamente três gêneros de música utilizando letras e sons. O músico faz canções, poemas lidos com ambientes sonoros ou salas sonoras como diz o próprio compositor, e poemas lidos no seco, sem nenhum acompanhamento. No entanto, é interessante notar que tais classificações têm fronteiras que se movimentam, e assim há músicas que se encaixam em mais de um gênero entre elas as faixas "o assinalado" e "a solidão". A mixagem e todo trabalho de edição também são fatores que chamam atenção por estarem muito bem cuidados. Em certas músicas, como "Thoth", "El Duende", "O Assinalado" (sobre poema de Criz e Souza), a edição e mixagem dão conta de um interessante flerte com a música eletroacústica. Esse flerte se dá principalmente via música concreta, quando o compositor mostra a intenção de trabalhar com o texto enquanto objeto sonoro.
Ele mesmo afirma que busca abandonar a idéia da letra como um acessório para a música. Rodrigo quer fundi-las. O diálogo com essa música popular paulistana fica mais nítido, sobretudo nas canções. Para deixar claro o que estou entendendo como parte dessa música popular paulistana, podemos ter em mente nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit, Ná Ozzéti, entre tantos outros. A semelhança com Wisnik e Tatit, não é apenas de titulação acadêmica, suas canções têm letras bem colocadas, além de muito bem escritas, adequam-se bem aos tipos de melodias escolhidos. As relações observadas porém, transcendem essa esfera de doutores em letras e músicas. Rodrigo se relaciona com todo esse movimento na concepção harmônica de suas canções. Há uma referência comum à uma harmonia de transição tonal/pós-tonal. A própria presença de Neuza Pinheiro dá um referencial (histórico, inclusive) a essas relações com essa música meio paulistana, meio norte paranaense. Enfim, é um disco muito bom, e muito bom de ser ouvido. Parabéns, Rodrigo, e que não fique apenas nesse.