Muita gente me ajudou ou deu força neste processo, como o Ademir Assunção (que lançou há dois anos o belo cd de poesia Rebelião na Zona Fantasma), o Bernardo Pellegrini (autor de belas canções), a Iara e o Gabriel Lessa, a Christine Vianna, da editora londrinense Atrito, o meu amigo de mais de vinte anos Maurício Arruda Mendonça, que dirigiu o show em Londrina, o Samuel Leon e a Beatriz, da Iluminuras, além da Beth Yonomae e Cristina Tomé, da Visualitá, que fizeram, na faixa, um bonito projeto gráfico, citando apenas algumas pessoas. Mas, principalmente, os músicos que participaram da segunda parte do trabalho, sobretudo a Neuza Pinheiro (uma das maiores e pouco reconhecidas cantoras do Brasil, poeta de primeira, e que acaba de lançar o primeiro dela, o belo Olodango) e os músicos Marco Scolari (teclados, baixo) e o Ricardo Garcia (na percuteria). Eu menciono esse povo todo porque sem eles o disco não teria sido possível. Uma das coisas hilárias de se fazer um show no estilo mambembe é que eu tinha que me desdobrar em várias coisas. Descobri que produção é um negócio complicado de se fazer ("demorô..."). Uma parte do cenário, além do plotter do disco, que servia de fundo, era um tapete vermelho que eu tinha que carregar daqui pra lá, como se fosse um tapete mágico, mas que na verdade era uma coisa incômoda pra caralho e que suscitava piadas que eu tinha que engolir. Ou mesmo do meu querido e falecido pai, o Bira, que uma vez, quando eu tava morando em Londrina e saía pra fazer um ensaio, soltou essa, dando risada, achando que eu não estava ouvindo: "Estudou tanto pra sair com o violão debaixo do braço" (!).
Disco pronto, comecei a cair na real, e fui sacando aonde tinha me metido. Se poesia já é difícil divulgar, música independente, então, muito mais. A divulgação de trabalho independente ainda era incipiente (hoje temos a internet mais desenvolvida pra divulgar as coisas). Mandei o disco pra umas 150 rádios, a maioria universitária e rádios Cultura. E nada. Tocou em uma ou outra rádio, e o trabalho todo acabou passando batido. E não tem pra vender em lugar nenhum. Uma das poucas resenhas e notas que saíram foi do Pedro Alexandre Sanches, na Folha, um artigo do grande Ricardo Aleixo, no Suplemento de Minas Gerais, e lembro também dos e-mails generosos de Adriana Calcanhotto, Chico César e Vitor Ramil, que me deram feedback e força. Lembro que mandei para umas 200 pessoas (músicos, jornalistas, poetas). Mas não adianta. Se não tiver um mínimo de organização, não se consegue divulgação. Além do que o jabá das rádios, mesmo as universitárias, ainda é uma praga que atrapalha qualquer iniciativa independente.
E ainda tinha o estigma de ser um disco de um poeta. Ou seja, de alguém que "não era do ramo". Ouvi muita besteira. Uma das raras resenhas sobre o disco saiu na época do lançamento, feita pelo músico e professor de música André Luiz Gonçalves, e que reproduzo aqui. Aos poucos eu vou postando algumas faixas do disco aqui neste Estúdio.
André Luiz Gonçalves de Oliveira
Está sendo lançado por esses dias o CD Polivox, de Rodrigo Garcia Lopes. E é muito bom poder ouvi-lo e comentá-lo, sobretudo ouvi-lo. O poeta estréia como compositor e músico atuando em todas as etapas de produção, desde as concepções, arranjos, violões, voz, concepção de mixagem.... Segundo o próprio autor, o disco todo foi concebido e produzido dentro de um ano, porém há músicas que datam de 1994 e outras que foram sendo desenvolvidas no estúdio nesse ano, durante os trabalhos no estúdio. Trata-se de um disco autoral. O autor teve cuidado de manter certa linha estética durante todo o disco, tarefa em que se saiu muito bem.
Rodrigo dialoga de maneira madura e consciente com tendências da música popular paulistana (pós-vanguarda paulistana). Aliás, isso que eu chamo música popular paulistana, não é tão apenas paulistana assim quando lembramos de nomes como Arrigo, Itamar e Robinson Borba, entre muitos outros que não eram de São Paulo. E dizer que há este diálogo, não é de modo algum engavetar o Polivox de Garcia Lopes. Como já disse é um trabalho maduro, surpreendente para um primeiro disco, mas compreensível e não menos admirável quando se sabe que Rodrigo toca e compõe não é de hoje. Há alguns aspectos que chamam a atenção e que merecem destaque como a qualidade musical do trabalho e a qualidade técnica, desde gravações, edição e mixagem. Rodrigo afirma que acompanhou todos os processos muito de perto, e isso com certeza possibilitou reconhecê-lo em todas as músicas.
A qualidade musical é algo que o ouvinte pode se impressionar. O disco tem uma estruturação consciente, e tem basicamente três gêneros de música utilizando letras e sons. O músico faz canções, poemas lidos com ambientes sonoros ou salas sonoras como diz o próprio compositor, e poemas lidos no seco, sem nenhum acompanhamento. No entanto, é interessante notar que tais classificações têm fronteiras que se movimentam, e assim há músicas que se encaixam em mais de um gênero entre elas as faixas "o assinalado" e "a solidão". A mixagem e todo trabalho de edição também são fatores que chamam atenção por estarem muito bem cuidados. Em certas músicas, como "Thoth", "El Duende", "O Assinalado" (sobre poema de Criz e Souza), a edição e mixagem dão conta de um interessante flerte com a música eletroacústica. Esse flerte se dá principalmente via música concreta, quando o compositor mostra a intenção de trabalhar com o texto enquanto objeto sonoro.
Ele mesmo afirma que busca abandonar a idéia da letra como um acessório para a música. Rodrigo quer fundi-las. O diálogo com essa música popular paulistana fica mais nítido, sobretudo nas canções. Para deixar claro o que estou entendendo como parte dessa música popular paulistana, podemos ter em mente nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit, Ná Ozzéti, entre tantos outros. A semelhança com Wisnik e Tatit, não é apenas de titulação acadêmica, suas canções têm letras bem colocadas, além de muito bem escritas, adequam-se bem aos tipos de melodias escolhidos. As relações observadas porém, transcendem essa esfera de doutores em letras e músicas. Rodrigo se relaciona com todo esse movimento na concepção harmônica de suas canções. Há uma referência comum à uma harmonia de transição tonal/pós-tonal. A própria presença de Neuza Pinheiro dá um referencial (histórico, inclusive) a essas relações com essa música meio paulistana, meio norte paranaense. Enfim, é um disco muito bom, e muito bom de ser ouvido. Parabéns, Rodrigo, e que não fique apenas nesse.
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E esta resenha do CD Polivox, pelo poeta Reynaldo Damazio, que saiu no site Weblivros:
POESIA CANTADA
Se você pegar o encarte do CD Polivox, do poeta Rodrigo Garcia Lopes, e ler sem se preocupar com as melodias, verá que o material se sustenta como um pequeno livro de poemas. Não que as músicas sejam ruins, muito pelo contrário, pois há momentos em que o diálogo é fértil e harmonioso. Mas ocorre que alguns textos transcendem a canção e têm vida própria, pura poesia.
É o caso do bonito poema "Sobre um ditado antigo", que é recitado por Rodrigo com o acompanhamento delicado do violão, que vai emoldurando a voz. Poema lírico com fortes imagens e sonoridades, como nos versos: "relva, céu veloz, veludo e névoa espessa", ou então, "o sândalo respira/ sem fazer nenhum escândalo". Outros cinco poemas aparecem recitados, com acompanhamentos sutis de teclados ou mesmo sem música: os minimalistas "Cerejas" e "El Duende", o elegíaco "O amor é uma mulher de olhos invisíveis", o narrativo-mitológico "Thoth" e o metalingüístico "Polivox", que dá nome ao disco. Neste último está o fecho que interroga o leitor e o próprio trabalho em seu projeto estético: "Será a poesia a arte da escuta?". Poesia e música estão muito próximas às vezes, nasceram juntas na história para dar som e sentido às angústias do homem.
No caso dessa antologia, as canções chamam a atenção para a palavra, ficam em segundo plano, como que tentando vestir a letra. E os poemas revelam uma leveza no tratar o lirismo urbano contemporâneo, contaminado pela multiplicidade de referências, pela brutalidade do efêmero e do massivo. A mulher que atravessa a multidão e provoca o toque do olhar, a solidão que bebe no corpo "seu próprio desespero", o movimento que está parado, "o sol batendo firme num livro dos beats", o "exílio de todos os caminhos".
Segundo o autor, a proposta do CD "é criar um território híbrido, onde poesia e música - como as pegadas de um pássaro na areia - sejam indissociáveis (como sempre foram, dos rapsodos gregos aos rappers)". A experiência resultou interessante e merece ser lida e ouvida com cuidado.
Reynaldo Damazio
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