CAETANO VELOSO fez há dez dias um show memorável aqui em Chapel Hill, o primeiro dele aqui na Carolina do Norte, no Memorial Hall, teatro da UNC (University of North Carolina), um dia antes dele ganhar de novo o Grammy latino. Ele simplesmente conseguiu levantar o teatro lotado (1.500 pessoas) nos últimos quinze minutos de show, coisa que raramente acontece aqui. Não tem nada disso dele "estar se cercando de músicos jovens porque está ficando velho". No show da turnê do disco CÊ (ao vivo bem melhor que o disco) o que eu vi foi um cara de 64 anos que parece ter 30. Pulou, dançou, sambou, tocou violão (e como toca!, menos que o Gil, mas toca). Além de super-compositor, tem domínio perfeito de voz (que alcança, sempre afinado, alturas e extensões de foder, ou como diria o Leminski, "de dar nó na garganta de professor de karatê"), presença cênica, gestos medidos, perfeitos.
Foi engraçado ver os americanos cantando, a plenos pulmões, o refrão de "Odeio": "Odeio Você!", e ele traduzir, depois, que eles estavam cantando "I hate you". Os três músicos que o acompanham, super jovens, na faixa dos 20 e poucos anos, muito bons, seguros, inventivos: Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo, piano Rhodes), e Marcelo Callado (percussão). Foi praticamente um show de rock. Em resumo, um showzaço. Caetano cantou por duas horas e dez minutos sem parar.
Depois do show fui bater um papo rápido com ele no camarim. Dei meu cd de música & poesia Polivox e uma revista Coyote. Lembrei-o que a última vez que vi um show dele tinha sido em 1985, no Moringão, em Londrina (falta ver um do Chico, agora). Lembrei-o que acompanhei, no Hotel do Lago, a entrevista que o Ademir Assunção fez com ele pra Folha de Londrina. Claro que ele riu e disse não se lembrar de nada.
Alguns podem chiar, mas fiquei fã de novo do cara. Isso desde que o Maurício Arruda Mendonça me deu uma cópia de um disco que ele gravou na Itália, Omaggio a Federico e Giulietta, em tributo à Giulietta Masina e Federico Fellini, com várias trilhas sonoras de filmes do mestre italiano que é, literalmente, de chorar. Já tive minhas fases de descurtir o Caetano, mas não dá pra negar que ele é uma das pérolas da cultura brasileira. Mesmo quando a gente não gosta de uma música ou outra, tipo "Eta", ou a "da rata", ou suas olodunzadas, mesmo quando é criticado por falar demais (e ele mesmo comenta com humor sobre isso no show), temos mais é que agradecer por ter um artista como ele entre nós. E ele representa nossa cultura muitíssimo bem no exterior, sabendo que a música é nosso principal produto de exportação.
Esta música abaixo faz parte do disco CÊ. A letra é pra calar a boca dos que dizem que letra de música não é poesia. Se isso não for, eu não sei mais o que é.
Salve Caetano!
UM SONHO (CAETANO VELOSO)
lua na folha molhada
brilho azul-branco
olho-água, vermelho da calha nua
tua ilharga lhana
mamilos de rosa-fagulha
fios de ouro velho na nuca
estrela-boca de milhões de beijos-luz
lua
fruta flor folhuda
ah! a trilha de alcançar-te
galho, mulher, folhos, filhos
malha de galáxias
tua pele se espalha
ao som de minha mão
traçar-lhe rotas
teu talho, meu malho
teu talho, meu malho
o ir e vir de tua
o ir e vir de tua ilha
lua
toda a minha chuva
todo o meu orvalho
cai sobre ti
se desabas e espelhas da cama
a maravilha-luz do meu céu
jabuticaba branca
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