O vento me petisca o vento nos degusta as dunas nos ilustram o pôr-do-sol alumbra as cores se desnudam a pálpebra relembra a brisa nos belisca a ilha nos despista as trilhas nos trazem aqui
Rodrigo Garcia Lopes (Nômada, 2004)
"Storm the Reality Studio, and retake the universe" ("Assaltem o Estúdio Realidade, e retomem o universo") WILLIAM S. BURROUGHS
Desta vez duas garotas me convidam para visitar uma cidade que penso ser Aspen, Colorado. Deve ser próximo do Natal, porque vejo meia dúzia de papais noéis com apetrechos de esqui nos ombros, descendo a rua. Enquanto tentam estacionar, Kathy Acker (não lembro o nome da outra) acaba sendo testemunha de uma batida de carro, nada muito grave. Mas ela tem problemas na justiça, ou assim penso eu, e quando o casal vietnamita dá ré e pergunta para mim se poderia contar com a ajuda delas como testemunha (os vietnamitas não foram culpados pelo acidente) ouço um "nem morta" do dentro do carro, seguido de uma arrancada brusca que leva meu paletó que estava preso na porta da van banca e marrom de Kathy. Não demoro muito para descobrir que estou sem minha carona para voltar para Asheville. Não tenho dinheiro, nem o telefone celular de Kathy. Tento me reconfortar com o pensamento de que ela e a outra estão apenas dando voltas pela cidade e que com certeza elas irão me buscar. Elas jamais fariam isso (me largar lá no meio da rua. Ou fariam?). Sim, fariam. Fico parado numa esquina durante uma hora. Nada acontece. Ninguém aparece. Decido então dar uma volta pelo centro da cidadezinha, rodeada de montanhas da cor de leite contra um céu muito azul. Estou na sacada de um hotel que lembra o do filme O Iluminado, olhando para um jardim todo cinza e sem graça quando um policial gordão pula em minha direção, de trás de um pilar, me aborda e pergunta o que estou fazendo ali e o que quero. Ele tem olhos frios e azuis e me interroga como se eu tivesse acabado de fugir da prisão estadual. Respondo com um inglês perfeito que estou apenas conhecendo a cidade. Ele diz que nunca viajou para fora da sua cidade natal. Ele fala dos Estados Unidos como se fosse um país estrangeiro que ele sonhasse em visitar um dia. Penso, que idiota. Ele me libera. Acabo entrando por engano no mesmo prédio imenso por uma porta que abre por fora mas não por dentro. Começo a andar pelos corredores do hotel, com tapetes imensos cobrindo o chão e quando percebo vejo mais policiais fardados de azul escuro zanzando pelos corredores. Ouço o som de alto-falantes e quando me vejo estou numa sala onde está escrito CONVENÇÃO MUNICIPAL DOS POLICIAIS DE ASPEN. Tento não entrar em pânico e me disfarçar, talvez me tomem por algum parente de um policial. Pergunto pela saída para vários policiais. Me vejo no espellho e percebo que meu aspecto é de um boliviano daqueles que tocam zamponas em cidades brasileiras em praças públicas. Quando tento achar novamente a saída uma policial lindíssima fecha meu caminho. Caio na besteira de bater continência. Ela não gosta da brincadeirinha. Vejo pelos olhos que ela já conseguiu mandar alguem para a cadeira elétrica. Tento achar um telefone público, mas no momento todos estão tomados por policiais tentando se comunicar com suas famílias. É a final da NBA, e todos querem informações sore o desenvolvimento da partida. Finalmente um tira camarada me dá uma dica de saída e me vejo novamente na praça central da cidadezinha. Nem sinal da van marrom e branca de Kathy. Começo a me desesperar. Elas são minha única chance de sair daquele paraíso de esquiadores. Procuro um orelhão, e no meu sonho eles ainda existem. Vasculho meus bolsos da calça jeans, que estão cheios de papéis, anotações, poemas, mas nem um sinal, nem uma pista de onde eu estava hospedado. Converso com um jovem hippie de bicicleta que decide me ajudar. Ele pede moedas para que eu possa ao menos ligar para o hotel na cidade vizinha onde eu estava, mas não tenho moeda, apenas um cartão de crédito. Ele diz "serve" e consegue (sabe-se lá como) retirar o equivalente a dois dólares em moedas, que ele me entrega num envelope branco. Um segundo depois ele some misteriosamente. Com meu cartão, lógico. Aí percebo que estou realmente fudido. E outra pessoa, uma mulher com cara de má e com um Dobbermann na coleira, já se apossou do telefone. E pelo jeito ela vai demorar horas. Começa a nevar e fazer frio e percebo que não tenho nenhum agasalho. E nem sinal da Kathy e sua amiga. Me aproximo de um grupo de pessoas com caras chicanas e latinas mas incrivelmente percebo que não consigo entabular uma frase sequer em espanhol. Eles falam sobre futebol, mas creio que não é sobre a NBA, mas sobre a final do campeonato mexicano, que eles estã oouvindo ao redor de um radinho de ilha. Entro numa quitanda mexicana mas não consigo articular nem uma palavra em espanhol. Todos ficam me olhando com cara de desprezo. Volto para a mesma esquina onde Kathy e a amiga me deixaram. Vasculho cada carro que passa para ver se são elas. Começa a nevar muito. Vários carros com tiras passam por mim, as luzes vermelhas e azuis revistam a neve e ferem meus olhos, mas depois de algumas horas me sinto parte da paisagem. Já virei invisível. Já nem me encaram mais. Percebo que vou ficar muito, muito tempo ainda por ali. Decido deixar-me naquele sonho, pois lembro que tenho compromissos nesta manhã de sábado. Meu outro eu que se vire. Acordo. Confesso que me sinto culpado de ter me deixado ali, sem grana nem documento, numa cidade que vagamente me lembra Aspen, no Colorado.
Meu bróder Maurício Arruda Mendonça lendo trechos de peças do Bortolotto
Valquir Fedri lendo "Do lado de cá da cidade"
Samantha Abreu em "O vira-lata"
Tradutores paranaenses conquistam espaço no mercado editorial, concentrado em São Paulo e Rio de Janeiro
Publicado em 07/12/2009 | MÁRCIO RENATO DOS SANTOSMas os paranaenses também se fazem presentes no circuito literário nacional devido a uma outra atividade: a tradução.
Caetano Waldrigues Galindo é um tradutor que, em anos recentes, passou a ser solicitado por editoras paulistanas. Para a Companhia das Letras, uma das mais importantes casas editoriais brasileiras, ele traduziu (este ano) Hotel Mundo, de Ali Smith. A pedido da Companhia, traduz, neste momento, Vício Inerente, de Thomas Pynchon e, em parceria com o curitibano Christian Schwartz, realiza a tradução de letras de Lou Reed para um futuro livro.
Galindo, Schwartz e outros tradutores paranaenses (ou radicados no Paraná) vertem ao português textos de ficção que estão, a cada dois meses, na revista Arte & Letra: Estórias, publicação curitibana apontada como uma vitrine para tradutores (além disso, a revista também publica originais, inclusive de autores brasileiros).
Existiria um movimento ou grupo de tradutores em Curitiba, no Paraná? Galindo responde, e a resposta é compartilhada por outros tradutores consultados pela Gazeta do Povo: “Na boa, isso é meio que um negócio solitário mesmo. Eu e o Christian, agora, trabalhando juntos (no projeto do Lou Reed), andamos trocando umas ideias. Mas em geral acho que a empresa (a tradução) é isolada.”
Um exemplo poético
A trajetória do londrinense Rodrigo Garcia Lopes exemplifica uma possibilidade para quem pretende ser tradutor no Brasil. Hoje com 44 anos, ele começou a traduzir no mesmo momento em que começou a escrever poesia, em 1982, com 17 anos. Nas páginas do extinto suplemento Leitura, da Folha de Londrina, ele (em parceria com Maurício de Arruda Mendonça) assinou uma tradução para fragmentos de Uivo, de Allen Ginsberg.
Desde então, traduziu mais de 200 poemas, de 200 autores, o que daria um livro (projeto que ele não descarta de vir a ser realizado). Lopes, seguindo uma su gestão do poeta Ezra Pound, optou pela tradução como uma maneira de aprender a escrever poesia. Já publicou seis livros, dois deles muito badalados: Fo lhas de Relva, de Walt Whitman, e Ariel, de Sylvia Plath (em parceria com Maria Cristina Lenz de Macedo).
Ele acredita que um tradutor tem de ser, simultaneamente, um leitor e um escritor, opinião compartilhada por outros profissionais. “Afinal, o tradutor tem de conhecer, e entender, os dois idiomas, de onde ‘saiu’ e para ‘onde’ irá o texto”, diz. O poeta e tradutor acrescenta que o tradutor não pode impor a sua própria voz, mas também não deve se esconder demais. “Na tradução, não se deve ‘trair’ de mais, nem de menos”, afirma.
Uma arte refinada
Roberto Mugiatti, curitibano ra dicado no Rio de Janeiro, cita uma frase de Paulo Henriques Britto (renomado tradutor) a respeito do ofício: “A gente só lê bem um livro se está fazendo a tradução.” A afirmação aponta para uma questão importante: o tradutor precisa ler atentamente a obra que está traduzindo, leitura essa que inclui contextualização histórica do período em que o texto original foi escrito (para evitar, por exemplo, equívocos a respeito de expressões coloquiais). Muggiati já traduziu mais de 60 livros, entre os quais alguns de John Fante, como Per gunte ao Pó, que anteriormente havia sido traduzido por outro curitibano, o poeta Paulo Leminski.
Leminski é considerado um tradutor ousado. Ele traduziu livros de John Lennon e Samuel Beckett, e costumava praticar a transcriação (uma espécie de recriação do texto original). Cae tano Galindo acredita que a tradução, de maneira geral, é um jogo que envolve a criatividade. “Ler uma tradução é ouvir uma história contada pela segunda vez, por outra pessoa. É ler o mesmo livro, escrito de novo, por outro escritor (o tradutor)”, afirma.
Natural
A tradutora Márcia de Carvalho Saliba observa que a boa tradução é aquela que soa natural, que não deixa o eco do idioma original. “A tradução ruim, ao contrário, me lembra a cada linha, a cada palavra, que o texto não foi escrito em português”, argumenta. Sandra Stroparo, que acaba de traduzir Viagem Em Volta do Meu Quarto, de Xavier de Maistre, projeto encomendado por uma empresa curitibana, mas viabilizado pela Hedra (SP), diz algo que é vital para os tradutores: “É o mercado, a demanda das editoras, que define (a atividade de um tradutor)”.