Curta de Londrina foi o único ganhador fora de uma capital
Publicada em 30/08/2007 às 18h46m
Christina Fuscaldo - O Globo Online
RIO - Com um tema nada voltado para adolescentes, o diretor Rodrigo Grota, de 27 anos, levou dois kikitos em Gramado por "Satori Uso", entre eles "Prêmio da Crítica". O filme fala sobre sentimentos do poeta Satori Uso, personagem que teria passado por Londrina na década de 50, segundo Rodrigo Garcia Lopes, poeta que o inventou na década de 80. Rodado em câmera HDV, o curta levou vantagem ao ganhar o prêmio pela "Fotografia".
- Concorremos com vários filmes rodados em 35mm e ganhamos fotografia. É por isso que não quero filmar em película... No formato digital, você abre mais o leque de possibilidades - conta Rodrigo Grota.
"Satori Uso" foi o único curta de uma cidade que não é capital premiado no festival. O filme de Londrina (PR) estará em cartaz dentro da mostra competitiva do Festival do Rio, que começa em setembro. Acumulados em seu currículo, Rodrigo Grota tinha três outros curtas, "Londrina em três movimentos" e "Inimigo público nº1" e "O quinto postulado". O paranaense está finalizando "Booker Pittman", que, junto com "Satori Uso", fará parte da "Trilogia do esquecimento".
- Minha idéia é fazer filmes sobre três personagens dos anos 50. O segundo é o Booker Pittman, o pai da cantora Eliana Pittman, que fez muito sucesso nos anos 50. O filme conta a história da passagem dele por Londrina, na época em que ele tocava em puteiros de luxo. O terceiro, "Pausa para a neblina" será sobre o fotógrafo Haruo Ohara, que fez 11 mil fotos de Londrina na década de 40.
Os outros consagrados no Festival de Cinema de Gramado foram Marcos DeBrito por "O.D Overdose Digital" (melhor ator para Francisco Gaspar), Silvera e Beto Carminatti por "Balada do vampiro" (kikitos de diretor de arte e música). Os traillers de grande parte dos curtas-metragens estão disponíveis no Youtube.
Única foto conhecida de Satori Uso (Autor desconhecido).
Quando você diz, em japonês, "Uso, uso, uso yo!", você está dizendo "É mentira, mentira, mentira!"USO literalmente significa "mentira", "falsidade", "fake". Quando você diz "USO!", você quer dizer "Não acredito!", "É inacreditável! " etc.
Jotabê Medeiros escreveu matéria no Estadão de hoje sobre a gênese do personagem.
O POETA INEXISTENTE QUE CRIOU VIDA
Sucesso do curta "Satori Uso" revela que a estratégia do heterônimo, cultuada por Pessoa e Borges, está se reinventando
JOTABÊ MEDEIROS
A poesia dele toca o espectador. Sua figura arredia, do tipo que busca a invisibilidade, também emociona. Mas há um porém: ele não existe, nunca existiu. O poeta japonês Satori Uso, no entanto, tem feito sucesso como protagonista de um filme de 17 minutos, cujo ponto de partida é Satori Uso, filme feito por Jim Kleist, um cineasta americano que também não existiu.
Satori Uso, o personagem, foi criado pelo escritor Rodrigo Garcia Lopes em 1985, quando ele editava uma página literária dominical no jornal Folha de Londrina. ''Eu acabara de voltar da Europa, estava muito influenciado pelo zen-budismo e pela poesia oriental. Eu queria muito publicar esses novos poemas, que pareciam refletir uma outra personalidade. Como achei que seria antiético publicar na página que eu mesmo editava, resolvi criar um heterônimo'', conta Rodrigo, que há um ano e meio leciona literatura na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, nos Estados Unidos.
Em japonês, satori quer dizer iluminação, e uso é mentira, mentiroso. Satori Uso seria então uma falsa iluminação. ''Londrina é uma cidade de grande colônia japonesa, por isso me pareceu verossímil, um lugar onde temos inclusive reuniões de grupos de haicais. Muita gente da colônia o procura até hoje. Folheando um livro de uma artista plástica nipo-brasileira, achei uma foto em preto-e-branco de um velhinho de boina tomando missô. Olhei e pensei: eis o Satori Uso!''.
A página foi publicada uma semana depois da ''morte'' de Satori Uso (1925-1985). Ou seja, o poeta já nasceu morto. O escritor Paulo Leminski, quando leu aquilo, ligou para Garcia Lopes de Curitiba para pedir informações. ''Mas como você me escondeu isso? Eu preciso saber de tudo!''''. Rodrigo se desmascarou: ''Leminski, o Satori Uso não existe". Leminski deu uma gargalhada: ''Melhor ainda!''
Rodrigo Garcia criou uma biografia e uma personalidade para o autor. "Entre outras coisas, ele teria participado da vanguarda japonesa e imigrado para a Califórnia no fim dos anos 50, onde virou amigo dos beats e mergulhou no jazz e na cultura americana. Daí ele recebeu um convite da família Akiro para imigrar para o Brasil. Na viagem de navio perdeu toda sua obra. Passou a ser uma pessoa calada e cada vez mais misteriosa, um poeta das sombras. Escrevia seus haikais em tiras de papel que ele jogava imediatamente após escrevê-los. Os discípulos iam literalmente apanhando seus poemas pelo chão''.
Há um ano, o cineasta Rodrigo Grota, fascinado pelo personagem, resolveu fazer um filme. Garcia Lopes, além de ceder o personagem e seus poemas, foi co-autor do roteiro e indicou o ator, o escritor Rogério Ivano, que materializaria uma figura que só existia na sua cabeça. Ele considera que não há nada de tão novo na invenção de heterônimos, personas poéticas e literárias. ''Na época em que criei o poeta no jornal, também havia a intenção de mexer com o conceito de 'verdade' jornalística, e isso acabou desaguando num documentário fake. Satori habita um terreno movediço entre ficção e verdade, além da questão da autoria. É uma faca de dois gumes para quem inventa um personagem''.
A figura de um poeta japonês de escrita erudita perdido nos campos do Norte do Paraná é familiar a quem é da região. É célebre o rigor do fotógrafo-agricultor Haruo Ohara (1909-1999), cujas fotos chegaram ao Masp.
Satori é dessa linhagem. ''Um apaixonado pela vida, pela linguagem, e as marcas do zen-budismo: o culto ao silêncio, à natureza, o humor, a aceitação das coisas como são. A capacidade de encarar a dor e as perdas com humor, com leveza, às vezes até com certo sarcasmo'', diz Garcia Lopes. ''Como diria Flaubert, Satori Uso sou eu. Assumi com tanta veemência este heterônimo, que certos poemas que escrevo já designo como autoria de Satori Uso, como se eles pertencessem ao personagem''.
POEMA FILMADO: Melhor curta do recente Festival de Gramado, Satori Uso ganhou prêmios da crítica e o de aquisição do Canal Brasil, mas foi contemplado pelo júri oficial só com o prêmio de fotografia.
Não que a fotografia de Carlos Ebert não seja fundamental no conceito do filme (além de ser muito bem resolvida, do ponto de vista técnico e artístico). É que Satori Uso merecia mais - o Kikito de melhor filme, que o júri outorgou a Alphaville 2007. No mínimo, o prêmio de direção.
Para falar sobre Satori Uso, talvez seja interessante recorrer a autores que certamente estão no centro das referências de cinéfilo do jovem diretor paranaense Rodrigo Grota. Ele viu, sem sombra de dúvida, Zelig, de Woody Allen, e Verdades e Mentiras, de Orson Welles (e François Reichenbach). O segundo, em especial, baseado na obra do falsificador Elmyr de Hory, tinha tudo a ver com a falsificação de Satori Uso.
O filme sobre um poeta que nunca existiu é assinado por um documentarista imaginário, Jim Kleist. Nenhum dos dois existe, mas Rodrigo Grota, com base nas investigações descritas na reportagem acima, criou o correspondente cinematográfico do poeta, este cineasta para o qual inventou uma filmografia e um estilo.
Jim Kleist nunca concluiu um filme. Satori Uso visava a sombra e o silêncio. Como contar a história de um homem que não quer aparecer? Satori é revelado por meio de Kleist e de Satine, sua musa, cujo nome é a uma homenagem a Nicole Kidman de Moulin Rouge, de Baz Luhrmann.
Esplendidamente escrito, filmado, fotografado e dirigido, Satori Uso concentra toda uma aula de cinema (e arte e vida) em 17 minutos. Este grau de sofisticação não é muito freqüente no cinema brasileiro de qualquer formato.
"O crítico Luiz Carlos Merten escreveu no Estadão que Satori Uso, curta do londrinense Rodrigo Grota, com roteiro dele e de Rodrigo Garcia Lopes, foi o melhor filme do Festival de Gramado deste ano. Disse mais: que é um dos 11 filmes imperdíveis do Festival Internacional de Curtas de São Paulo.
Eu me lembro bem da gênese da lenda Satori Uso. Em 1985 Rodrigo Garcia Lopes publicou uma página na Folha de Londrina com poemas e breve trajetória deste misterioso poeta japonês que teria migrado para o Brasil rumo aos cafezais de Londrina. A página teve grande repercussão. Todo mundo ficou intrigado na cidade, principalmente a colônia japonesa. Ninguém jamais ouvira falar de Uso.
Nem poderia. O poeta jamais existiu. Os poemas eram do próprio Rodrigo. Ele inventou toda a história, como um Borges pé-vermelho.
Vinte e dois anos depois, Uso continua repercutindo, agora com o filme de Rodrigo Grota. Que vai ser exibido amanhã (quinta-feira, 30), às 18 horas, no Centro Cultural São Paulo.
Numa entrevista publicada ontem no Jornal de Londrina, Rodrigo parodiou a famosa frase de Flaubert sobre Madame Bovary. Nesses termos: 'Satori Uso sou eu'."
Curta londrinense também será exibido em Barcelona e em Recife
O curta-metragem londrinense Satori Uso, uma produção da Kinoarte com direção de Rodrigo Grota, foi selecionado para o Festival do Rio 2007. A nona edição do festival, que vai de 20 de setembro a 4 de outubro, vai exibir mais de 300 filmes espalhados por cerca de 20 salas de cinema.
Satori Uso também foi selecionado para o Festival Brasil No Ar, que acontece em Barcelona, na Espanha, no mês de setembro. O filme será exibido dentro da "Muestra de Cine" no dia 28 de setembro no Espaço Maumau. Mariana Soares Ribeiro e Leonardo Delai Lucas, integrantes da equipe do filme, irão apresentar o curta neste festival.
Na próxima segunda, dia 3 de setembro, Satori Uso será exibido em Recife, dentro da mostra paralela do 18o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo promovida na capital pernambucana. Em São Paulo, o filme londrinense foi o representante brasileiro em uma sessão especial do festival na qual foram exibidos filmes do Uruguai, Chile e México. Satori Uso foi o representante brasileiro na discussão sobre o atual cinema latino-americano. Após a exibição dos filmes, houve um debate com os diretores.
Satori Uso é uma realização da Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina) com patrocínio da Prefeitura de Londrina via Promic – Programa Municipal de Incentivo à Cultura. Inspirado na obra de Rodrigo Garcia Lopes, o filme é um falso documentário sobre um poeta que nunca existiu, sob a óptica de um cineasta imaginário. Estrelado por Rogério Ivano e Caren Utino, Satori Uso é o primeiro episódio de uma série de três filmes sobre a Londrina dos anos 50.
Mais informações:
55 43 3323 8739 (Espaço Kinoarte)
55 43 9902 2669 (Bruno Gehring – produtor do filme)
O jornalista Paulo Briguet publicou hoje matéria sobre o lançamento do livro Ariel, de Sylvia Plath, pela Verus Editora, na Bienal do Livro do Rio, em setembro:
O ESPELHO FIEL DE SYLVIA
Edição original do livro de poemas Ariel, de Sylvia Plath, será publicado em setembro, com tradução assinada por Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo
Paulo Briguet
A história da poesia está repleta de autores que morrem tragicamente: Alexander Pushkin, Hart Crane, Vladimir Maiakovski, Paul Celan, Anne Sexton, Mário Faustino, Ana Cristina Cesar... A lista poderia encher esta página.
A poeta norte-americana Sylvia Plath morreu em 11 de fevereiro de 1963. Suicidou-se com gás de cozinha. Tinha apenas 30 anos. Em vida publicou a coletânea de poemas The colossus (1960) e o romance The bell jar (1963).
O problema das mortes trágicas de poetas é que às vezes elas acabam por eclipsar, ou deixar em segundo plano, a qualidade literária dos poetas. Sylvia Plath é um dos nomes mais importantes da poesia americana no século 20, mas seu nome foi mitificado de diversas formas. Houve quem a transformasse em mártir da causa feminista ou “suicidada” pela sociedade; essas falácias acabaram por encobrir o grande talento literário da moça.
No Brasil, parte da injustiça começou a ser corrigida com a publicação, em 1991, da antologia Sylvia Plath: Poemas, editada pela Iluminuras, com tradução e estudo crítico assinados pelos autores londrinenses Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. No livro, foi possível vislumbrar a face de Sylvia: nem heroína, nem delirante, nem “suicidada” – mas acima de tudo uma verdadeira poeta.
Em setembro, a Verus Editorial lança a edição brasileira de Ariel, o mais importante livro de poemas de Sylvia Plath. Os poemas foram traduzidos por Rodrigo Garcia Lopes, agora em parceria com a professora gaúcha Maria Cristina Lenz de Macedo.
Trata-se de uma edição fac-similar do manuscrito deixado por Sylvia Plath pouco antes de sua morte. O volume é composto por 41 poemas e segue exatamente o plano editorial de Sylvia.
Na edição de Ariel feita por seu ex-marido, o também poeta Ted Hughes, 13 poemas foram suprimidos e trocados por outros 13. Hughes, que morreu em 1998, justificou a supressão desses poemas originais como forma de preservar a memória da autora e da família. Um estudo introdutório assinado por Garcia Lopes elucida a questão e restabelece os fatos.
Com a edição original de Ariel, será possível conhecer, mais e melhor, a obra da autora que certa vez escreveu: “E agora / Espumo como o trigo, um brilho de mares. / O choro da criança // Dissolve-se no muro. / E eu / Sou a flecha, // Orvalho que voa / Suicida, e de uma vez avança / Contra o olho // Vermelho, caldeirão da manhã”.
ENTREVISTA
JL: Em 1991, você e Maurício Arruda Mendonça publicaram um volume de traduções de Sylvia Plath. Alguns dos poemas daquele livro fazem parte de Ariel. Como foi a experiência de traduzir a autora quase 17 anos depois?
Rodrigo Garcia Lopes: Sylvia Plath: Poemas (Iluminuras) foi o primeiro livro publicado pela gente. É um trabalho do qual nos orgulhamos muito. O livro foi importante por ser o primeiro a revelar para o público brasileiro a poesia de Sylvia Plath. Confesso que passei muitos anos longe dela, pois os autores que traduzimos sempre nos consomem muito, espiritualmente até. E ela é barra-pesada. Creio que adquiri nestes anos todos mais cancha como poeta e tradutor, mais intimidade com a língua inglesa devido a mais traduções feitas, mais experiência de vida, anos de vivência com a língua inglesa e leituras também.
Como se deu a participação da professora Maria Cristina Lenz de Macedo nesta edição restaurada?
Há dois anos a professora e tradutora gaúcha Cristina Lenz havia dito que traduzira Ariel, quando publicamos suas traduções de Plath na Coyote. Coincidentemente, na época a Verus Editora, de Campinas, me procurou, pois eu havia sido indicado para a tradução de Ariel. Sugeri que a editora comprasse os direitos não da edição mais conhecida, editada pelo Ted Hughes, e sim a "edição restaurada" — a idealizada por Plath — que havia acabado de sair na Inglaterra e Estados Unidos, e que restabelece o conjunto e a seqüência original, com os fac-símiles caprichosamente datilografados por ela e que estarão no livro. Também convenci a Cristina de que deveríamos atacar o Ariel original. A tradução é uma atividade criativa que favorece a parceria, pois um vê o que o outro não vê e vice-versa. Ela fez a primeira versão e eu fiz a revisão poética, para unificar e dar voz aos seus poemas em português. Isso significou muitas horas de trabalho, um minucioso trabalho de interpretação de metáforas, de transcriação mesmo, até achar o ponto de bala do original. Engana-se quem diz que Sylvia Plath é fácil de traduzir.
De que maneira Sylvia Plath exerce influência sobre a poesia contemporânea?
Uma enorme influência, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas também no Brasil, mais diretamente sobre Ana Cristina Cesar, para mencionar a mais famosa. Agora, para lhe dar uma resposta mais completa teria que fazer um estudo de sua influência.
Para você, quais são os pontos altos de Ariel? Algum deles estava entre os 13 poemas suprimidos por Ted Hughes?
Sem dúvida: tivemos gratas surpresas ao traduzir poemas como "Um Segredo", "O Candidato", o difícil "Medusa", "Lesbos", o poema longo "Praia de Berck", "Purdah", "Chegando Lá". Em 1962 ela teve um surto poético de altíssima qualidade e dicção inconfundível (25 apenas em outubro). A poesia de Plath estava cada vez mais tensa e cheia de imagens em seqüências alucinatórias, que exigem muito do leitor e tradutor. Isso sem dizer de outro poema, o clássico "Daddy" ("Papai"), um verdadeiro poema-exorcismo do pai (que morreu quando ela tinha 8 anos) e do marido, de quem estava separada. É um dos grandes poemas escritos no século vinte nos Estados Unidos, daqueles poemas que, como "Uivo", de Allen Ginsberg, marcam uma época.
“SATORI USO SOU EU”, DIZ GARCIA LOPES
Certa vez, Gustave Flaubert fez uma declaração enfática sobre sua personagem mais famosa: “Madame Bovary sou eu”. Pois o poeta e tradutor londrinense Rodrigo Garcia Lopes pode afirmar o mesmo sobre um certo poeta japonês fictício: “Satori Uso sou eu”. O personagem central do curta-metragem de Rodrigo Grota, premiado pela crítica no Festival de Gramado, é uma criação de Garcia Lopes, que também é co-autor do roteiro do filme.“Criei o este poeta japonês (cujo nome significa ‘iluminação mentirosa’), sua biografia fake e parte de sua obra em 1985 na página “Leitura”, da Folha de Londrina, que era bastante lida. Causou na época um rebuliço na cidade e mesmo fora. Lembro que no dia seguinte, de manhã, o Paulo Leminski me ligou de Curitiba absolutamente fascinado pelo poeta: ‘Mas como é que você me escondeu isso! Eu preciso saber de tudo!’ Eu lhe disse: ‘Leminski, o Satori Uso não existe’. E ele respondeu, soltando uma risada: “Melhor ainda!”. Deve ter gente até hoje achando que ele existiu de verdade”.
Poeta fictício é heterônimo do criador
Mas Rodrigo Garcia Lopes esclarece que Satori Uso não é apenas uma idéia, mas um heterônimo, ao estilo dos poetas-personagens de Fernando Pessoa. “Tenho publicado poemas dele em meu blog Estúdio Realidade (www.estudiorealidade.blogspot.com) e pretendo publicar no ano que vem um livro, inclusive com os que foram recentemente encontrados nos Estados Unidos”.
Garcia Lopes conta que foi procurado pelo cineasta Rodrigo Grota, lhe sugerindo a idéia de fazer um filme sobre o heterônimo. “Eu o abasteci com material relevante, opiniei e sugeri mudanças quando vi a primeira edição do filme, escrevi o roteiro com ele, traduzi para o inglês os poemas do filme e indiquei o amigo e escritor Rogerio Ivano pro papel principal, que acabou sendo o escolhido.”
Para Garcia Lopes, o sucesso de “Satori Uso”, o filme, é uma satisfação especial. “Fico feliz com o fato de minha criação estar sendo importante para este momento do cinema e da cultura londrinense. Parabenizo o Grota e sua equipe e desejo longa vida a Satori Uso.”
O poeta carioca Franklin Alves escreveu há tempos uma resenha muita bacana sobre o Nômada (Lamparina, 2004). Ele a publicou agora na revista eletrônica Cronópios. Confira:
Nômada ou a lição do deserto
Por Franklin Alves
Em Nômada, última coletânea de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, o leitor encontrará, atualizada, uma questão importante, e complicada, para a poesia: sua relação com a sociedade. Em outras palavras, qual o lugar ocupado pela lírica na sociedade contemporânea, marcada por guerras e pelo “lucrocentrismo”, na expressão certeira de Paulo Leminski. E Rodrigo parece encaminhar uma resposta através das perguntas do poema Rito, que denuncia o tempo acelerado de hoje, sem espaço para reflexões: “O que deu nesse mundo, caduco, / O que ficou do tempo em que viver / Era mais que só mudar de assunto / Era rito, um estado de espírito?”. Pouca coisa ficou, sabemos. Mas é na contramão deste cenário que a poesia funciona como lugar de resistência: “Não é moda: não precisa de marketing / pra dizer a que veio. / Veio, e veio só, na cilada da noite”. Fora dos esquemas do ver e ser visto, a poesia “Precisa dizer. / Como um celofane que se desa- / massa”, enfim dizer fazendo barulho e “Não como certas músicas baratas / baladas que não dizem nada / fazendo companhia para o som do ar- / condicionado”, como lemos em Ars poetica.
No confronto com a sociedade, a poesia precisa dizer, ser um lugar de resistência, porém consciente das dificuldades que serão encontradas no caminho, ou seja, a barbárie e a destruição. Daí, a escolha da queda das torres gêmeas, imagem que vai se tornar um dos signos desta época desvairada, e, portanto, um dos signos do livro. Setembro negro é, neste sentido, um poema exemplar: “Havia um paralelo misterioso, um mundo / entre a simples queda de uma folha de papel / e a reminiscência veloz que num segundo / nos levou para algum lugar, zoom, canto de céu”. Num céu, agora digital, o evento transmitido ao vivo destrói qualquer possibilidade de sonho e de afeto – estamos sozinhos, é o que a última estrofe do poema nos quer dizer: “Da queda o que ficou foram gritos & ruídos, / E densa nuvem de carne e poeira no céu da tela / Não a ternura que habitava a sua voz / (A sensação de que algo se rompeu) / Solidão, recife, estrela”. A imagem da queda, que se repete em Instantâneos contemporâneos (“poeira de metal e carnes prédios desabando”) e no poema Paulicéia revisitada (“Falésia-edifício que despenca sem ruído e mergulha em sua poeira paranóica”), anuncia um outro momento importante de Nômada, onde a mentalidade turbulenta dos dias de hoje é questionada.
Nesta parte do livro, Viagens à hiper-realidade, o poeta confronta-se com a “estranha lógica do mundo” e conclui que quase nada mais resta, além de “estar aqui entre gritos neste estado de sítio / descobrir que foi a vida que mentiu”, lemos em Instantâneos contemporâneos. E no confronto descobre também, num poema sem título, que “Na galeria milênio / fim dos tempos / contempla / dias clonados / iguanas de plástico / carros-bomba / reflexos sem nexo”.
Neste estado de sítio, de dias clonados, a irracionalidade apresenta sua lógica, outra descoberta nada agradável em outro poema sem título: “O bambu sonhou-se em vídeo digital”; “Jovem morre depois de 82 horas jogando videogame em Saigon”; “A.havia se apaixonado pela secretária eletrônica de Z”. Porém, qualquer observação do social que não esteja articulada com o texto literário acaba esvaziada da crítica que toda literatura precisa ter. Rodrigo não comete este erro. Os dois últimos poemas citados são bons exemplos: tanto no verso elíptico do primeiro, que tenta reproduzir uma certa fragmentação da “Galeria milênio”, quanto na enumeração do segundo, que representa o bombardeio diário de imagens e informações, há uma tensão entre forma e matéria, enfim, entre lírica e sociedade. Zeitgeist resume este movimento, quando, também através da enumeração, nos indica a maneira ácida de ser e, sobretudo, a maneira de portar-se hoje: “Arrebentando a boca da razão com denúncias inconseqüentes / Estrangulando docemente a tarde carregada de câmeras de vídeo & trance music / (...) Rifando o shopping lotado de idéias fixas com um grito de jihad”.
“Não há beleza / quando carnes / se exibem / abertas e podres / como prova / irrefutável / de que não há beleza / onde o mau / do humano / esteja”, afirma um poema de Nômada. Uma pergunta faz-se, então, necessária: há ainda lugar para o humano, lugar que não seja cidade sitiada? A última parte do livro tenta responder tal pergunta: há sim um lugar possível, o deserto – lugar não colonizado que Rodrigo elege como signo de resistência, como alternativa às contingências do presente. Nesta mudança temática temos, sobretudo, uma mudança na forma dos poemas: do corte do verso, que tenta reproduzir uma fragmentação, à sintaxe do poema em prosa, de caráter mais narrativo. Assim, o deserto torna possível o tempo para reflexões, pois, ao contrário das cidades, lá “(...) há sempre os fios de areia a indicar a direção do tempo”. O deserto também possibilita uma aproximação transformadora com a natureza, conforme lemos em Música deserta: “Você, chuva, com sua festa de diferenças, seu carnaval de sons-imagens, seu brilho sábio e tranqüilo, faz de mim um homem virando chuva. Talvez agora você possa ser gente novamente”. E, ainda, proporciona um modo diferente, e mais interessante, de olhar as coisas em Goitacá: “Há algo espantoso no jeito como, de repente, luzes se fixam nas cores, fazendo os objetos, antes que escorressem para as margens nos chamando, se animarem”.
Entretanto, aquilo que mais sobressai na leitura do “deserto” é o movimento insistente da repetição: sempre o mesmo, nunca o mesmo, afirmaria um nômade. “Lua Cheia. Lua nova. Os nômades avançam, sobre o mesmo deserto”, lemos em A caravana. E na mesma direção, o poema Mawqif, quando diz que “Nada muda pro nômade sem nome: anos vadiando, mesmo deserto”. Eis seu rito e, principalmente, sua maior lição: não há, aqui, a necessidade perturbadora da novidade, do sempre novo consumista, uma vez que, paradoxalmente, o novo é o mesmo e depende de outros movimentos: “Deslocar é retirar algo do nada em que se encontrava. Transferir é ferir em trânsito, passar para outro corpo, luz que se desprega do azul. Processo é seguir, marcha da sensação do que acontece, metamorfoses sem fim”, nos ensina a viagem quase-etimológica d’O mapa dos lugares. Porém, é no poema Memória e repetição, também incluído no livro de anterior de Rodrigo, Polivox, que a lição do deserto fica mais exata, mais enfática: “Repetição é uma forma de mudança. Mudança é uma forma de vida. Vida é uma forma de repetição. E a mensagem passa a ser apenas o vestígio de uma contínua mudança. A dança do mesmo. Uma forma de repetição”. É a poesia, escrita nômada, que nos permite observar que até o mesmo é movimento – lição para uma sociedade que não acredita mais no “estado de espírito”, na experiência. Eis o que Nômada nos faz pensar.
Franklin Alves (Niterói/RJ, 1973) é poeta e mestrando em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura na UFF. Participa, na mesma universidade, com bolsa do CNPq, do grupo de pesquisa Poéticas da contemporaneidade, coordenado pela professora Celia Pedrosa. Tem um livro, ainda inédito, chamado Céu vermelho.
O curta SATORI USO (35 mm) -- que co-escrevi com Rodrigo Grota, baseado na minha persona poética criada em Londrina em 1985, poeta publicado no meu livro Polivox (Azougue, 2000) -- está participando do importante Festival Internacional de Curtas de São Paulo. Tem recebido elogios entusiasmados da crítica. Quem estiver na área, não perca. CineSesc. 6.ª, 20h. Sala Cinemateca. Dom., 22h. MIS. 3.ª, 17h. Centro Cultural São Paulo. Dia 30, 18 h. Depois vai participar de outros festivais no Brasil e exterior.
Mais notícias quentes ao longo da semana.
O crítico de cinema Luis Carlos Merten recomendou o filme esta semana que passou no Estadão entre os 11 filmes "imperdíveis" da competição:
"SATORI USO: O melhor curta do recente Festival de Gramado propõe um enigma fascinante. Fala de um poeta que nunca existiu por meio do trabalho de um documentarista imaginário. Mas o júri não embarcou na proposta e o sofisticado curta do paranaense Rodrigo Grota ganhou só o Kikito de melhor fotografia. O prêmio, de qualquer maneira, destaca a beleza das imagens captadas em digital, o que permitirá discutir o aporte das novas tecnologias ao formato".
Acaba de sair do forno o número 15 da revista COYOTE, que está completando 5 anos de existência. Uma marca respeitável para revistas de criação no Brasil.
Editada por Marcos Losnak, Ademir Assunção, Maurício Arruda Mendonça e Rodrigo Garcia Lopes, a revista londrinense foi destaque no programa Entrelinhas, da TV Cultura, exibido no dia 13 de agosto em rede nacional.
A matéria completa, comemorativa dos 5 anos da revista, pode ser acessado no site da TV Cultura, no link:
http://www2.tvcultura.com.br/entrelinhas/
Depois clique emVíDEOS (13/08/07)
Sempre é bom lembrar: COYOTE é financiada pelo PROMIC, Programa Municipal de Incentivo à Cultura do Município de Londrina (PR), e tem distribuição nacional pela Editora Iluminuras (www.iluminuras.com.br).
A nova edição da COYOTE traz, entre outras coisas, textos do londrinense Márcio Américo, a prosa de Bráulio Tavares e Marpessa de Castro, fotografias de João Urban, poemas de Jairo Batista Pereira, um dossiê com o escritor Julio Cortázar, em traduções inéditas no Brasil, poema inédito de José Lino Grünewald, quadrinhos de Daniel Caballero, mais traduções do poeta inglês Phillip Larkin, além do cartum da contracapa, assinado por Beto.
Rogerio Ivano (Satori Uso) e Caren Utino (Satine) em cena do curta Satori Uso
De volta à batalha, e com ótimas notícias:
Satori Uso, meu heteronômio criado em 1985 e que virou curta-metragem em 35 mm, escrito por mim e o diretor Rodrigo Grota, dirigido por ele, venceu ontem três prêmios no importante Festival de Cinema de Gramado: Prêmio de Melhor Fotografia, para Carlos Ebert, e Prêmio da Crítica, para Rodrigo Grota.
Jamais imaginaria que quando criei o poeta japonês Satori Uso e sua biografia fake, em 1985, na página Leitura (e mesmo quando Flavio Lanaro publicou matéria de um ano da morte, em 1986), nem mesmo quando publiquei os poemas dele numa seção específica no livro Polivox, de 2000, que minha criação voasse tão longe e que um dia fosse ganhar as telas.
O filme também ganhou um prêmio do Canal Brasil (onde será exibido em 2009) e já foi convidado para participar de festivais de cinema na Espanha e França. Parabéns ao diretor Rodrigo Grota e a toda a equipe do filme.
Longa vida a Satori Uso! E o crítico de cinema de O Estado de S. Paulo, Luiz Carlos Merten, rasga seda para Satori Uso em matéria da última sexta:
Seleção de curtas leva vantagem sobre os longas
Além de mais interessantes, as produções de curta-metragem ganham com a troca de horário de exibição na mostra gaúcha
Luiz Carlos Merten
E no quinto dia veio o frio, satisfazendo a expectativa de críticos e convidados que suportam bem uma seleção fraca no Festival de Gramado, mas simplesmente não toleram altas temperaturas na cidade serrana do Rio Grande do Sul. Gramado, no imaginário do público, é sinônimo de inverno, de frio, e ele veio ontem, com previsão de ficar (a meteorologia anuncia neve para o fim de semana). A temperatura baixa, os debates esquentam. Algo está se passando neste 35° festival, e é em geral à tarde. A seleção de curtas anda bem mais interessante do que a de longas. Os curtas-metragistas, que se queixam da mudança de horário, sentindo-se desprestigiados pela organização do festival, deveriam dar graças a Deus. A competição de curtas, à tarde, desvinculada do tititi que a de longas geralmente provoca, tem ganhado muito.
O melhor filme exibido até agora em Gramado, neste ano, é um curta que passou na quarta-feira à tarde. Reze para que ele esteja na seleção do Festival Internacional de Curtas de Zita Carvalhosa, que começa na semana que vem. Satori Uso, do londrinense Rodrigo Grota, é uma jóia com duração de 17 minutos. O risco de se falar sobre Satori Uso é quebrar, antecipadamente, o encanto que o filme oferece para platéias de cinéfilos. No catálogo do festival, a sinopse é a seguinte - 'Um poeta das sombras, um cineasta sem filmes e uma musa enigmática. Um documentário sobre um poeta que nunca existiu, apresentado por um cineasta imaginário.' Está desvendado o segredo de Satori Uso, o filme.
Como em Verdades e Mentiras (F for Fake), de Orson Welles, Rodrigo Grota fez um falso documentário sobre um falso poeta. O filme dentro do filme é assinado por Jim Kleist, cineasta americano que, ao longo de uma carreira de 40 anos, nunca concluiu uma obra sequer. Filmado em impecável preto-e-branco e falado em inglês, o filme, informa o letreiro, foi gentilmente cedido pela família do cineasta para a realização de Satori Uso. Logo no começo, Jim Kleist manifesta seu desejo de fazer um filme sobre um homem que prefere as sombras e o silêncio. Para contar a história de um personagem com essas características, ele precisa de um fator externo (e trágico). Rodrigo Grota, sem querer, fez a melhor crítica do filme argentino Nacido y Criado, de Pablo Trapero, exibido na noite anterior - e que é, até agora, disparado, o melhor longa estrangeiro (latino) da competição.
O que é verdade, o que é mentira no cinema, essa mídia que parece tão realista que o espectador toma como verdadeiras coisas que, na realidade, são encenadas diante da câmera? O próprio documentário flerta cada vez mais com a ficção. Verdades, mentiras. O ciclo fecha-se com o nome que Rodrigo Grota dá à musa de Satori. Ela se chama Satine, como a estrela do cabaré de Baz Luhrmann em Moulin Rouge, e o próprio diretor informa que não se trata de mera coincidência. O festival começou a esquentar. O curta de Eduardo Kishimoto na terça-feira (A Psicose de Valter), outro curta, o de Paulinho Caruso, também na quarta (Alphaville 2007 d.C.), que dialoga com o cult de Jean-Luc Godard para expor na tela, por meio da oposição entre um executivo e um caubói, o apartheid social brasileiro. Curiosamente, o filme de Caruso é narrado em francês, como o de Rodrigo Grota é em inglês. Que País é este?