terça-feira, agosto 28, 2007

Sobre ARIEL, de Sylvia Plath, a sair em setembro, e SATORI USO


O jornalista Paulo Briguet publicou hoje matéria sobre o lançamento do livro Ariel, de Sylvia Plath, pela Verus Editora, na Bienal do Livro do Rio, em setembro:



O ESPELHO FIEL DE SYLVIA


Edição original do livro de poemas Ariel, de Sylvia Plath, será publicado em setembro, com tradução assinada por Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo


Paulo Briguet


A história da poesia está repleta de autores que morrem tragicamente: Alexander Pushkin, Hart Crane, Vladimir Maiakovski, Paul Celan, Anne Sexton, Mário Faustino, Ana Cristina Cesar... A lista poderia encher esta página.

A poeta norte-americana Sylvia Plath morreu em 11 de fevereiro de 1963. Suicidou-se com gás de cozinha. Tinha apenas 30 anos. Em vida publicou a coletânea de poemas The colossus (1960) e o romance The bell jar (1963).

O problema das mortes trágicas de poetas é que às vezes elas acabam por eclipsar, ou deixar em segundo plano, a qualidade literária dos poetas. Sylvia Plath é um dos nomes mais importantes da poesia americana no século 20, mas seu nome foi mitificado de diversas formas. Houve quem a transformasse em mártir da causa feminista ou “suicidada” pela sociedade; essas falácias acabaram por encobrir o grande talento literário da moça.

No Brasil, parte da injustiça começou a ser corrigida com a publicação, em 1991, da antologia Sylvia Plath: Poemas, editada pela Iluminuras, com tradução e estudo crítico assinados pelos autores londrinenses Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. No livro, foi possível vislumbrar a face de Sylvia: nem heroína, nem delirante, nem “suicidada” – mas acima de tudo uma verdadeira poeta.

Em setembro, a Verus Editorial lança a edição brasileira de Ariel, o mais importante livro de poemas de Sylvia Plath. Os poemas foram traduzidos por Rodrigo Garcia Lopes, agora em parceria com a professora gaúcha Maria Cristina Lenz de Macedo.

Trata-se de uma edição fac-similar do manuscrito deixado por Sylvia Plath pouco antes de sua morte. O volume é composto por 41 poemas e segue exatamente o plano editorial de Sylvia.

Na edição de Ariel feita por seu ex-marido, o também poeta Ted Hughes, 13 poemas foram suprimidos e trocados por outros 13. Hughes, que morreu em 1998, justificou a supressão desses poemas originais como forma de preservar a memória da autora e da família. Um estudo introdutório assinado por Garcia Lopes elucida a questão e restabelece os fatos.

Com a edição original de Ariel, será possível conhecer, mais e melhor, a obra da autora que certa vez escreveu: “E agora / Espumo como o trigo, um brilho de mares. / O choro da criança // Dissolve-se no muro. / E eu / Sou a flecha, // Orvalho que voa / Suicida, e de uma vez avança / Contra o olho // Vermelho, caldeirão da manhã”.


ENTREVISTA



JL: Em 1991, você e Maurício Arruda Mendonça publicaram um volume de traduções de Sylvia Plath. Alguns dos poemas daquele livro fazem parte de Ariel. Como foi a experiência de traduzir a autora quase 17 anos depois?

Rodrigo Garcia Lopes: Sylvia Plath: Poemas (Iluminuras) foi o primeiro livro publicado pela gente. É um trabalho do qual nos orgulhamos muito. O livro foi importante por ser o primeiro a revelar para o público brasileiro a poesia de Sylvia Plath. Confesso que passei muitos anos longe dela, pois os autores que traduzimos sempre nos consomem muito, espiritualmente até. E ela é barra-pesada. Creio que adquiri nestes anos todos mais cancha como poeta e tradutor, mais intimidade com a língua inglesa devido a mais traduções feitas, mais experiência de vida, anos de vivência com a língua inglesa e leituras também.

Como se deu a participação da professora Maria Cristina Lenz de Macedo nesta edição restaurada?

Há dois anos a professora e tradutora gaúcha Cristina Lenz havia dito que traduzira Ariel, quando publicamos suas traduções de Plath na Coyote. Coincidentemente, na época a Verus Editora, de Campinas, me procurou, pois eu havia sido indicado para a tradução de Ariel. Sugeri que a editora comprasse os direitos não da edição mais conhecida, editada pelo Ted Hughes, e sim a "edição restaurada" — a idealizada por Plath — que havia acabado de sair na Inglaterra e Estados Unidos, e que restabelece o conjunto e a seqüência original, com os fac-símiles caprichosamente datilografados por ela e que estarão no livro. Também convenci a Cristina de que deveríamos atacar o Ariel original. A tradução é uma atividade criativa que favorece a parceria, pois um vê o que o outro não vê e vice-versa. Ela fez a primeira versão e eu fiz a revisão poética, para unificar e dar voz aos seus poemas em português. Isso significou muitas horas de trabalho, um minucioso trabalho de interpretação de metáforas, de transcriação mesmo, até achar o ponto de bala do original. Engana-se quem diz que Sylvia Plath é fácil de traduzir.

De que maneira Sylvia Plath exerce influência sobre a poesia contemporânea?

Uma enorme influência, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas também no Brasil, mais diretamente sobre Ana Cristina Cesar, para mencionar a mais famosa. Agora, para lhe dar uma resposta mais completa teria que fazer um estudo de sua influência.

Para você, quais são os pontos altos de Ariel? Algum deles estava entre os 13 poemas suprimidos por Ted Hughes?

Sem dúvida: tivemos gratas surpresas ao traduzir poemas como "Um Segredo", "O Candidato", o difícil "Medusa", "Lesbos", o poema longo "Praia de Berck", "Purdah", "Chegando Lá". Em 1962 ela teve um surto poético de altíssima qualidade e dicção inconfundível (25 apenas em outubro). A poesia de Plath estava cada vez mais tensa e cheia de imagens em seqüências alucinatórias, que exigem muito do leitor e tradutor. Isso sem dizer de outro poema, o clássico "Daddy" ("Papai"), um verdadeiro poema-exorcismo do pai (que morreu quando ela tinha 8 anos) e do marido, de quem estava separada. É um dos grandes poemas escritos no século vinte nos Estados Unidos, daqueles poemas que, como "Uivo", de Allen Ginsberg, marcam uma época.


“SATORI USO SOU EU”, DIZ GARCIA LOPES


Certa vez, Gustave Flaubert fez uma declaração enfática sobre sua personagem mais famosa: “Madame Bovary sou eu”. Pois o poeta e tradutor londrinense Rodrigo Garcia Lopes pode afirmar o mesmo sobre um certo poeta japonês fictício: “Satori Uso sou eu”. O personagem central do curta-metragem de Rodrigo Grota, premiado pela crítica no Festival de Gramado, é uma criação de Garcia Lopes, que também é co-autor do roteiro do filme. Criei o este poeta japonês (cujo nome significa ‘iluminação mentirosa’), sua biografia fake e parte de sua obra em 1985 na página “Leitura”, da Folha de Londrina, que era bastante lida. Causou na época um rebuliço na cidade e mesmo fora. Lembro que no dia seguinte, de manhã, o Paulo Leminski me ligou de Curitiba absolutamente fascinado pelo poeta: ‘Mas como é que você me escondeu isso! Eu preciso saber de tudo!’ Eu lhe disse: ‘Leminski, o Satori Uso não existe’. E ele respondeu, soltando uma risada: “Melhor ainda!”. Deve ter gente até hoje achando que ele existiu de verdade”.


Poeta fictício é heterônimo do criador


Mas Rodrigo Garcia Lopes esclarece que Satori Uso não é apenas uma idéia, mas um heterônimo, ao estilo dos poetas-personagens de Fernando Pessoa. “Tenho publicado poemas dele em meu blog Estúdio Realidade (www.estudiorealidade.blogspot.com) e pretendo publicar no ano que vem um livro, inclusive com os que foram recentemente encontrados nos Estados Unidos”.

Garcia Lopes conta que foi procurado pelo cineasta Rodrigo Grota, lhe sugerindo a idéia de fazer um filme sobre o heterônimo. “Eu o abasteci com material relevante, opiniei e sugeri mudanças quando vi a primeira edição do filme, escrevi o roteiro com ele, traduzi para o inglês os poemas do filme e indiquei o amigo e escritor Rogerio Ivano pro papel principal, que acabou sendo o escolhido.”

Para Garcia Lopes, o sucesso de “Satori Uso”, o filme, é uma satisfação especial. “Fico feliz com o fato de minha criação estar sendo importante para este momento do cinema e da cultura londrinense. Parabenizo o Grota e sua equipe e desejo longa vida a Satori Uso.”



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