FRANK O'HARA (1926-1966) é um dos grandes poetas americanos do século 20. Um dos membros da chamada New York School of Poetry, (ao lado de nomes como John Ashbery e Kenneth Koch), recebeu influência da música contemporânea (estudou música e chegou a pensar em ser pianista profissional), das artes plásticas (foi crítico de arte, curador do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e amigo de William De Kooning, Jasper Johns, Andy Warhol, Larry Rivers e Jackson Pollock, entre outros).
Era comum Frank escrever poemas em bares, em festas, no metrô, em restaurantes, a caminho do trabalho, onde lhe desse na telha. Tinha uma enorme facilidade para escrever poesia. E escreveu muito. O título de seu livro mais famoso resume sua estética: Lunch Poems (algo como Poemas da Hora do Almoço).
A história deste poema que traduzimos aqui é peculiar.
Depois de sua morte, o amigo e poeta Kenneth Koch foi até a casa de O´Hara e encontrou, entre suas coisas, inédito, este que é um de seus poemas mais belos e famosos. É um de meus poemas preferidos também.
“Relato Verdadeiro de Uma Conversa com o Sol em Fire Island” dialoga com o famoso poema de um de seus poetas favoritos, Maiakovski (ver tradução dos irmãos Campos e Boris Schnaidermann em Poesia Russa Moderna (Perspectiva).
Ironicamente, o poema foi escrito oito anos antes de sua morte perto da praia onde, em 24 de julho de 1966, perto do nascer do sol, ele seria atropelado por um buggy. O nome da praia? Fire Island. Tinha 40 anos.
RELATO VERDADEIRO DE UMA CONVERSA COM O SOL EM FIRE ISLAND
O Sol me acordou esta manhã em alto
E bom som, "Ei! Há quinze minutos
estou tentando te acordar.
Não seja grosso, você é só o segundo poeta
Que escolhi pra falar tão pessoalmente
então
por que você não é mais atencioso? Se eu pudesse
te queimar pela janela eu te faria
levantar. Não posso ficar na área
O dia todo".
"Desculpa, sol, fiquei
acordado até tarde falando com Hal".
"Quando acordei o Maiakóvski ele foi
bem mais pontual", disse o Sol
com petulância. "A maioria das pessoas
já acordam querendo ver se vou
dar o ar da minha graça".
Tentei
me desculpar "Senti sua falta, ontem".
"Ah, está melhorando", o Sol falou. "Achei
que você não viria aqui fora" "Você deve
estar pensando porque cheguei juntinho assim"?
"É", eu disse, já começando a ficar todo quente
pensando se ele não estaria metendo fogo em mim
no fim das contas.
"Sendo franco, ô cara, queria dizer que
gosto da sua poesia. Vejo um monte
de coisas por aí e você até que não é mal. Pode não ser
a coisa mais importante sobre a terra, mas
você é diferente. Agora, já ouvi as pessoas dizerem
que você é maluco, eles sendo excessivamente
tranqüilos pro meu gosto, e outros poetas loucos te acham
um chato reaça. Eu não.
Continue mandando ver.
Faça como eu e não dê bola. Você vai perceber
que as pessoas sempre reclamam
do clima, sempre está quente ou frio
demais, escuro ou claro demais, dias
curtos ou longos demais.
Se você fica sem aparecer um dia
já acham que você é preguiçoso ou já morreu.
Continue nesse pique, eu curto.
E não se preocupe com sua linhagem
poética ou natural. O Sol brilha sobre
a selva, tá ligado?, sobre a tundra,
o mar, o gueto. Onde estivesse você
eu já sabia e via você se movendo. Estava te esperando
pra começar a trabalhar.
E agora que você
está tirando os dias pra si, digamos,
mesmo que ninguém te leia a não ser eu,
não precisa ficar deprimido. Nem todo mundo
é capaz de olhar pra cima, nem mesmo pra mim. Machuca
Os olhos deles".
"Ai ai, Sol, estou tão agradecido!"
"Não há de quê e lembre-se que estou de olho. Pra mim é
mais fácil conversar daqui de
fora. Não sou obrigado a deslizar entre os prédios
até seu ouvido.
Sei do seu amor por Manhattan, mas
você devia olhar pra mim mais vezes.
E
sempre abrace as coisas, pessoas a terra céu
estrelas, como eu, livremente e com
um conveniente senso de espaço. Essa é sua
inclinação, conhecida no céu
e que você seguiria até o inferno, se
preciso, o que eu duvido.
Talvez nos falemos
na África, que eu também gosto
especialmente. Agora volte e durma,
Frank, e que eu possa deixar de despedida
um poeminha nessa sua cabeça".
"Sol, não vai não!", eu acordei
enfim. "Não, preciso ir, eles estão
me chamando".
"Eles quem?"
O Sol se ergueu e disse "Um
dia desses você vai saber. Estão te chamando
também" . Sombrio, o sol se levantou, e adormeci.
Tradução: RODRIGO GARCIA LOPES
A True Account of Talking to the Sun at Fire Island
Frank O'HaraThe Sun woke me this morning loud
and clear, saying "Hey! I've been
trying to wake you up for fifteen
minutes. Don't be so rude, you are
only the second poet I've ever chosen
to speak to personally
so why
aren't you more attentive? If I could
burn you through the window I would
to wake you up. I can't hang around
here all day."
"Sorry, Sun, I stayed
up late last night talking to Hal."
"When I woke up Mayakovsky he was
a lot more prompt" the Sun said
petulantly. "Most people are up
already waiting to see if I'm going
to put in an appearance."
I tried
to apologize "I missed you yesterday."
"That's better" he said. "I didn't
know you'd come out." "You may be wondering why I've come so close?"
"Yes" I said beginning to feel hot
and wondering if maybe he wasn't burning me
anyway.
"Frankly I wanted to tell you
I like your poetry. I see a lot
on my rounds and you're okay. You may
not be the greatest thing on earth, but
you're different. Now, I've heard some
say you're crazy, they being excessively
calm themselves to my mind, and other
crazy poets think that you're a boring
reactionary. Not me.
Just keep on
like I do and pay no attention. You'll
find that some people always will
complain about the atmosphere,
either too hot
or too cold too bright or too dark, days
too short or too long.
If you don't appear
at all one day they think you're lazy
or dead. Just keep right on, I like it.
And don't worry about your lineage
poetic or natural. The Sun shines on
the jungle, you know, on the tundra
the sea, the ghetto. Wherever you were
I knew it and saw you moving. I was waiting
for you to get to work.
And now that you
are making your own days, so to speak,
even if no one reads you but me
you won't be depressed. Not
everyone can look up, even at me. It
hurts their eyes."
"Oh Sun, I'm so grateful to you!"
"Thanks and remember I'm watching. It's
easier for me to speak to you out
here. I don't have to slide down
between buildings to get your ear.
I know you love Manhattan, but
you ought to look up more often.
And
always embrace things, people earth
sky stars, as I do, freely and with
the appropriate sense of space. That
is your inclination, known in the heavens
and you should follow it to hell, if
necessary, which I doubt.
Maybe we'll
speak again in Africa, of which I too
am specially fond. Go back to sleep now
Frank, and I may leave a tiny poem
in that brain of yours as my farewell."
"Sun, don't go!" I was awake
at last. "No, go I must, they're calling
me."
"Who are they?"
Rising he said "Some
day you'll know. They're calling to you
too." Darkly he rose, and then I slept.
6 comentários:
OLá Rodrigo, bela tradução!
Será que existe a chance de um dia termos os livros de O'Hara, Ashberry e Larkin publicados aqui ?
Um abraço!
oi, Rodrigo. Muito bacana o teu blog!!! E que bom que achei vc!
Bjs!!!
Rodrigo, fiz uma livre-adaptação do poema do Frank, sobre sua tradução. Postei lá no meu blog com link para o seu.
Mudando de assunto, onde você anda?
Dê notícias.
Abraço
Thadeu
oi micheliny, valeu pela visita, um abraço
rodrigo
Rodrigo, alguém, que não me lembro quem, havia me falado do seu trabalho, que sua poesia tinha algo a ver com visibilidade, visualidade... temas que me interessam na minha pesquisa. Vou ver pra comprar, saiu algo pela 7Letras, não é isso?
Bom, entrei hoje no seu blog e li o poema do Frank O'Hara, uma dessas maravilhas, puxa vida! Quero tanto lê-lo no original.
Tenho um volume grande de Collected Poems dele, mas nada desse do Fire Island, ai, ai, será que você publicou o original deste poema no seu blog e eu não vi?
Grande abraço, Lucia Ricotta
Oi, Lucia, o poema original está postado ai.
O visibilia saiu pela Travessa dos Editores, em nova edição.
abraço
Rodrigo
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