Estou em Manaus tentando pegar o avião para os Estados Unidos. Já não tenho tempo hábil para chegar a tempo do primeiro dia de aulas. Descubro que tenho que pegar o voo em Guarulhos. Mas não tem ônibus nem voo para São Paulo, só para Curitiba. Desisto, não quero ir para Curitiba de jeito nenhum, depois percebo que seria uma ótima opção, mas já é tarde. Atravesso o Amazonas numa barca bastante precária mas em alta velocidade com líderes do PSDB, dirigido por um português que não fala a minha língua. Os líderes do PSDB não falam comigo, parecem não entender o que eu digo, na verdade o que eu quero é uma carona no avião fretado deles para voltar para São Paulo (eles devem ter algum avião fretado). Um intenso cheiro de fritura emana do outro lado do rio. Pouco a pouco os líderes do PSDB vão se suicidando nas águas barrentas do Amazonas, enquanto elogiam as melhorias que estão fazendo. Não entendo nada. Tenho medo do Serra, que não pára de olhar para mim. Ele parece querer meu sangue. Existem ondas gigantes, artificiais, criadas para estimular o turismo local. Seguem discursos. As ondas chegam com tal força na margem que fazem as ondas da pororoca parecer miniaturas. Música breganeja escapa dos alto-falantes. Não gosto nada do tamanho e do aspecto das ondas. Quando vou comentar isso com meu guia, ele desapareceu.
O calor é frio. Sinto calafrios. Waldir Aguiar surge novamente, como na noite passada, para dar uma força, gritando da margem do rio, mas não consigo ouvir, e a barca já avança o grande Rio. Quero saber quem é o responsável pela produção do sonho. Não há ninguém para perguntar. O barco chega sozinho, apenas comigo. Pára sozinho e o motor desliga ao tocar terra firme. Do outro lado do rio está sendo realizado um simpósio de poesia portuguesa onde ninguém fala nada com nada. Umas figuras esquisitíssimas. Estou do outro lado do rio, numa cidade ou vila que não sei onde é. Árvores imensas e sem nome rufam sobre minha cabeça. Parecem querer dizer alguma coisa. Tento tirar fotos. A máquina digital está estragada, entrou água. Pego um carro-barcaça que vai passando a toda velocidade por curvas cheias dágua do Amazonas, por vilas, casas, construções em ruínas. Botos selvagens ficam o tempo todo cutucando o casco do nosso carro-barco. Alguns deles aproveitam as ondas imensas do Amazonas e surfam com destreza. Vejo seus corpos se movendo sob as ondas imensas. Com o impulso, chegam até as praias do rio, deslizam e param em terra, com guinchos. Uma multidão se aglomera para ver o fenômeno. Acham os botos "bonitinhos", crianças e mulheres, mas em seguida começam a cravar estacas e a matá-los, furiosamente, com os dentes cerrados, soltando uivos de prazer. Percebo que a multidão está na verdade faminta ou possuída por uma doença que as torna violentas e egoístas. Ah, então é por isso, penso, que estão todos isolados aqui nesta vila, ou indo para cá. A população se junta para fatiar pedaços dos botos cor-de-rosa imensos, que soltam gritos lancinantes. Todos brigam entre si. Famílias inteiras se debatem. Em seguida, outros botos começam a chegar, botos gigantes, furiosos, da cor de sangue desta vez, usando as ondas que chegam às margens para ganhar potência e precisão: chegam usando seus bicos como armas e cravando-as na cabeça e membros das pessoas em terra, as assasinando. Sangue. Os golpes são certeiros. A cena toda é horrível.
Vou novamente ao porto (não sei como cheguei ate lá) e digo que quero voltar para Manaus. Manaus estava ótimo comparado com isto. Nem penso mais em voltar para os Estados Unidos. A esta altura, meus alunos americanos já me denunciaram à direção da universidade. Penso que São Paulo já está de bom tamanho, isto é, se eu conseguir chegar lá. A única pessoa que trabalha no porto é um senhor que me diz, com sarcasmo, mostrando os dentes podres, que só consegue um barco se eu tocar três músicas. Menos "Rita", do Chico Buarque, ele diz. Ele se parece com o cara de alguma ordem dos músicos. Não é o Caronte. É o único funcionário por ali. Não há passageiros para embarcar. Abro a caixa do violão, que surgiu misteriosamente em minha mão direita, e as cordas se arrebentam de uma vez, menos o mizão. Xingo a mim mesmo, fujo dali e volto para o simpósio de poesia portuguesa, que se realiza numa espécie de hospital em decadência. De repente, penso, consigo uma carona por lá. Um cara esquelético com cara de Saramago me pede crachá do evento. Me livro do velhote com cara de múmia com um safanão e entro num quintal onde pessoas jogam futebol com frutas tropicais já meio despedaçadas. Penso que posso me disfarçar por ali, ninguém vai perceber minha presença. Ledo e Ivo engano. Descolo um grande cobertor amarelo e tento usá-lo como para-quedas, parapente ou o que quer que seja. A ventania é forte o bastante para me levar dali, pelo ar. Ganho alguns metros acima do solo. Desisto da ideia rapidinho, pois a altura pode me matar e eu posso cair em plena floresta amazônica. Alguns portugueses percebem que estou tentando fugir e me pegam pelo pé. Desisto do plano e volto a jogar o futebol caótico. Só então percebo que algumas frutas na verdade são cabeças. Humanas. E de botos cor-de-rosa. Alguém avisa que uma parte da delegação de Guiné-Bissau e dos Açores acaba de chegar. Eles entram no hospital precário que é usado para o evento enrolado em sacos plásticos de lixo, panos sujos, cobertores, e em cadeiras de rodas. Não vejo sequer seus olhos. Está um calor infernal, mas mesmo assim eles não tiram os cobertores. Passam por mim em cadeiras de rodas que se movimentam sozinhas. Parecem monges de alguma seita demoníaca. Resmungam em uma língua que não se parece com nada com o português, feita apenas com consoantes. Penso no motivo dos portugueses maltratarem tanto as vogais. Não obtenho resposta. Parecem andrajos de uma pintura de Bruegel. Só que estão em cadeiras de rodas que se movimentam sozinhas. Uma Juliane Moore velhíssima tenta falar comigo. A ignoro solenemente. Volto para a sala onde está sendo discutido algum aspecto semiótico da poesia ribeirinha de Maria João Carapinha e fico quieto. Tentando ganhar tempo. Pensar em outra saída. Uma mulher me descobre ali e me chama com o dedo que se transforma num gancho assustador. Dentro de uma sala, que parece ser de tortura, ela anuncia que estou sendo procurado pelo meu orientador de doutorado. Explico que já terminei o doutorado há anos, mas ela parece não me ouvir. Aliás, ninguém parece me ouvir. Todos no simpósio me olham, furiosos. Descubro o motivo: no último encontro, embalado pelo álcool, eu tirei sarro de uma marca de iogurte que financia o evento e então decidiram suspender minha bolsa. E eles tem as imagens que me denunciam. Dizem que vou pagar caro com isso. Eu ameaço denunciá-los por maus tratos aos botos. Os banheiros. estão fechados. Nenhum telefone público funciona. Parece que estou na vida real. A direção do evento começa a me perseguir. Tento achar a saída de volta. Mas não encontro. Faz muito calor aqui no Amazonas. Prometo a mim mesmo que nunca mais lerei Saramago. Aliás, nunca li. E isto me reconforta. Olho para o céu, o sol começa a cair, da mesma cor dos botos cor de sangue. Não sei o que vai acontecer nos próximos minutos. E nem sequer tenho fotos para mostrar que estive ali.
Escrito e sonhado na mente em 12/11/2009
4 comentários:
pois é, mas os sonhostem o péssimo mau hábito de virar realidade, como diria wiliam burroughs....
bródi, o q q vc anda tomando? pirou na batatinha??? (rsrs)
q sonho mais doido! parece até a realidade político-existencial do oriente médio, com gente fingindo que se ocupa em resolver, e gente fingindo que se preocupa com uma solução.
affi!
no fim das contas, vc ainda vai voltar aos states pra dar aulas?
seria essa a causa desse delírio onírico?
abrç
como vai RODRIX...
PARABENS pelas andanças e viagens..
parabens pelo novo livro..MISTÉRIO..romancepolicialsemdetetive...
grande abaço e saudade do velho
PEDRINHORENZI
em TROCA/TRILHOS...2010 NOVo de Poesia da editoraRENZI...A MELHOR DO brazilemaracoara!
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