Diferente de todos os seus antecessores, Al Nija trazia o terror entranhado em cada traço de sua persona: sua capacidade de sumir, assim, como quem nem. E reaparecer.
Ponderado em suas decisões, tomava de assalto o deserto de Sefira, queimava os portos de Kólophon. Tudo era signo. A tomada era lida como uma necessidade prevista no Livro, o incêndio uma ação preventiva, a decisão ela mesma uma miragem. Não importava que as provas fossem forjadas. Com o rosto de nuvens pisadas de sangue, aquilino olhar de mar morto, Al Nija se concentrava no único incidente daquela tarde digno de notícia: restos de fuselagem diabólica passando em câmera lenta sobre a muralha cruzando a moldura dos olhos. Trepanados anjos de metal trucidavam sua mente com o ódio a seus antecessores, aos séculos, e as memórias de Ishtar, o atentado em Ogirdor, a vitória em Kabal, a percepção na tomada de Basra, se misturavam como se fossem um único acontecimento. Al Nija sofria. Eram.
Reaparecido num canto de uma biblioteca pública no Cairo, transmutado num luxuoso volume de mapas chineses, Al Nija não parecia mais um homem. Longe disso. Quem o folheasse veria no que ele havia se transformado: um cenário. Pedras e vales, onde alguém veria um nariz. Céu de silk-screen, onde outrora seus gestos. Cavernas, oásis, no lugar de falo e olho. As traças telepáticas fizeram o resto, porque era preciso acionar a rede antes de sumir novamente, era preciso checar os dados de Hassan, o grande mestre. Este, mestre, tinha, assim como Al Nija, notável traço: quase não se percebia nada, distinguia um vazio de uma camuflagem, cartilagem muito bem urdida, camuflagem essa que fosse o próprio real. Invisível. O ataque era sempre certeiro. As gravações eram feitas sempre antes dos eventos, o que poupava um tempo. Nisso eram especialistas, os dois, sim, porque em tempos não se distinguia mais Hassan de Nija, Nija de Hassan. Assim, recém, eram espelhos que se matavam com seus reflexos infinitos.
Reaparecido numa traça telepática em Kólophon, sobre a cartilagem da muralha das memórias de Basra, com o rosto biblioteca de nuvens silk-screen e feição de caverna chinesa, Nissan se concentrava num volume trucidado de ação preventiva, fuselagens de sangue e o terror de sua capacidade de cenário, voltar a ser o próprio branco em seu deserto, a camuflagem de seu signo e sangue, diferente de todos os seus reflexos infinitos.
Rodrigo Garcia Lopes (de Nômada, 2004)
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