sexta-feira, dezembro 22, 2006

LADY LAZARUS, poema de SYLVIA PLATH




Tentei outra vez.
A cada dez anos
Eu tramo tudo

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha como um abajur nazista,
Meu pé direito

Um peso de papel
Face sem feições, fino
Linho judeu.

Livre-me dos panos
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo?

O nariz, as covas dos olhos, os dentes postiços?
O hálito azedo
Some num só dia.

Logo logo a carne,
Que a caverna carcomeu, vai voltar
Pra casa, em mim.

Sou uma mulher que sorri.
Não passei dos trinta.
E como um gato tenho nove vidas.

Esta é a Terceira.
Que besteira
Se aniquilar a cada década.

Milhões de filamentos!
A platéia comendo amendoins
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e meus pés
O grande strip-tease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos,
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

Mas sou a mesma, idêntica mulher.
Na primeira vez tinha dez anos.
Foi acidente.

Na segunda tentei
Acabar com tudo e nunca mais voltar.
E rolei, fechada

Como uma concha do mar.
Tiveram de chamar e chamar
E arrancar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.

Faço isso parecer infernal.
Faço isso parecer real.
Digamos que eu tenha vocação.

É fácil demais fazer isso na prisão.
É fácil demais fazer isso e ficar num canto.
É teatral

Voltar em pleno dia
Ao mesmo local, à mesma cara, ao mesmo grito
Brutal e aflito:

"Milagre!".
Que me deixa mal
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração
Ele bate forte.

E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou um toque
Ou uma gota de sangue

Ou um trapo ou uma mecha de cabelo.
E então, Herr Doktor.
E então, Herr Inimigo.

Sou sua opus
Seu tesouro,
Seu bebê de ouro puro

Que se derrete num grito.
Ardo e me viro.
Não pense que subestimei sua imensa consideração.

Cinzas, cinzas
Você remexe e atiça.
Carne, ossos, não há nada ali

Barra de sabão,
Anel de noivado,
Prótese de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer,
Cuidado
Cuidado.

Renascida das cinzas
Subo com meus cabelos ruivos
E como homens como ar.





Sylvia Plath
(23-29 de outubro de 1962)

Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça


8 comentários:

Anônimo disse...

Bom encontrar com ela traduzida por vc aqui. Sylvia Plath, Lady Lazarus...Vim te desejar um feliz natal e um fabuloso destino em 2007. Um grande beijo.

Anônimo disse...

ela e demais, como ana cristina cesar musa da propria poesia.
muito bacana.
abraco e bom natal.

Anônimo disse...

yo no creio en brujas, pero que las hay , las hay! e tienen verrugonas en el nariz! hahahahahahaha. poema matador esse rodrigo. parabens pra você e mauricio

Anônimo disse...

poesia do concreto e perfeito,dos muitos e dos fins e da ação

ana rüsche disse...

esse poema é fodíssimo! obrigada por postar, já anima minha tarde.

e ela brinca com meu poema predileto, o "todesfuge" do paul celan - "fuga da morte" na ótima tradução do modesto carone.

beijos

Anônimo disse...

A Sylvia é maravilhosa para sempre. Caro Rodrigo, se tiver um tempo dê uma olhada nuns desenhos e pinturas em meu blog. Visito seus textos quase que diariamnete. Seu blog é sempre colorido com ilustrações muito belas. Grande abraço.

Ana Ramiro disse...

Rodrigo, gosto muito das tuas traduções para Sylvia (já postei uma há algum tempo no Girapemba). E depois de me surpreender com Nômada, estou adorando Visibilia. Abçs, Ana

Anônimo disse...

sensacional.
é tão conturbado e simples amá-la.