sexta-feira, julho 16, 2010

DE HARO SOBRE POESIA


"Nada é tão difícil quanto uma flor", você escreveu num poema. Nestes tempos superficiais e apressados, não parece que a poesia parece perder visibilidade e status enquanto forma de conhecimento e arte?

Hoje eu diria que, pelo contrário, nada é mais fácil e mais espontâneo quanto uma flor. Nem mais fácil. Percebi há alguns dias que a forpa da janela do meu quarto, pesada forpa de velho cedro ressecado pelo tempo, acabara de brotar. Primeiro foram duas folhas magras, minúsculas, saindo de uma greta. Logo subiu um talo, em poucos dias encorpou, deitou folhas e finalmente lançou dois brotos sem cerimônia, no tempo devido, eclodiram em duas minúsculas flores de arnica amarela. Acontece que a poesia é irredutível às formas do pensamento descartável, ao joguinho perpétuo do aturdimento pop televisivo pós-ervilha mental. Poesia -- sendo uma disciplina mágica, de concentração e fé no tempo da palavra -- não pode nem deve abdicar de sua respiração própria a fim de alcançar as gratificações e as benesses das paradas de sucesso. Graças ao bom Baco que é assim! É preferível ficar o poeta protegido disso tudo. Nem Fernando Pessoa nem Kavafis se preocuparam com estas formas externas mas perversas da fama, sempre alheia a qualquer identidade. Status, visibilidades? Aprendi, e creio sinceramente, que qualquer palavra (muito mais um verso!) uma vez escrita ou solta no ar circula, circula, e ao fim de seu périplo irá alojar-se no coração predestinado de alguém. O destino da verdadeira poesia é o destino de cumprir seu destino. Importa a penumbra. 



Trecho da entrevista do poeta e artista plástico RODRIGO DE HARO, no dossiê publicado na revista COYOTE

Um comentário:

Unknown disse...

"...alojar-se no coração predestinado de alguém". É isso que tentamos sempre, porém, des-esperados...

Evohé ! vida longa ao seu blog-manancial...
http://cartassideradas.blogspot.com/