domingo, setembro 17, 2006

AUTO-RETRATO ÀS DUAS HORAS DA MANHÃ, dia 29 de agosto, 1959

Sentado em frente à máquina de escrever. Folheando
uma história de detetive. Perto do final
Descobri o que você já sabia;
A secretária de face macia e de barbas imensas
É a assassina do senador
E o amor do jovem sargento membro da comissão de homicídio
Pela filha do almirante será recíproco.
Mas você não vai omitir nem uma página.
Às vezes enquanto vira a folha você lança um rápido olhar
Sobre a página em branco na máquina de escrever.
Quer dizer que evitaremos isso. Pelo menos isso.
No jornal: em algum lugar uma cidade foi
Arrasada por bombas e reduzida a ruínas.
Que mal, mas o que posso fazer por vocês.
O sargento está prestes a evitar um segundo assassinato
Embora a filha do almirante ofereça (pela primeira vez!)
Seus lábios pra ele, negócio é negócio.
Você fica sem saber quantos morreram, o jornal sumiu.
No quarto ao lado sua esposa sonha com seu primeiro amor.
Ontem ela tentou se enforcar. Amanhã
Vai cortar os pulsos ou sei lá o quê.
Pelo menos ela tem um objetivo em mente
E ela vai chegar lá, de um jeito ou de outro.
E o coração é um cemitério espaçoso.
A história de Fátima no Notícias da Alemanha
Estava tão mal escrita que eu cai no riso.
É mais fácil entender a tortura que a descrição da tortura.
A assassina caiu na armadilha
E o sargento abraça sua recompensa,
Sabendo que agora você já pode dormir. Amanhã é um outro dia.



HEINER MÜLLER
(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes, com a colaboração de Simone Homem de Mello)

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