Pandora
Pânico,
pandemia, pandemônio:
é o
inimigo invisível, é o novo demônio,
é a face coberta
por um pedaço de pano,
é o
humano reaprendendo a ser humano.
É uma
carreata de caixões pelas ruas de Turim,
é o
translúcido azul do céu de Pequim.
É o papa
rezando na São Pedro deserta,
são as
águas transparentes dos canais de Veneza.
Parece
que faz tanto tempo que tudo aconteceu,
presos no
labirinto com Minotauro e Teseu.
Legiões
de desempregados em Teerã, São Paulo, Paris.
As
calçadas de Guayaquil estão cheias de cadáveres.
Estão
pregando tapumes nas fachadas.
Todas as
fronteiras foram fechadas.
Os
médicos e coveiros estão exaustos.
Os
jornais nem noticiam mais o holocausto.
São
pilhas de corpos-números cobertos por um véu,
São
poemas que jamais sairão do papel.
Os confinados batem panelas, invocam os magos,
pumas
invadem as avenidas de Santiago.
É uma
vida pulsando entre a pedra e a espada,
é o
prenúncio de uma economia global robotizada.
São
velórios e shoppings vazios, praias desertas,
é o
começo de um renascimento, é o fim de uma era.
É o
silêncio ensurdecedor e o medo de morrer,
é o tempo
pra ler toda a obra de Shakespeare,
é a
chance de ser o maior experimento
de
controle social de todos os tempos.
É um
exército branco higienizando as cidades,
é um
planeta em quarentena por toda a eternidade.
É um homem que saiu do isolamento e nunca mais foi visto,
são
fanáticos gritando O Vírus é o Anticristo.
São anjos
em polvorosa sobre os céus de Berlim,
são
amantes aprendendo a amar enfim.
Já
ninguém ouve o que os agonizantes urram,
os metrôs
voltaram hoje a circular em Wuhan.
É solidão
compulsória, é um estado de sítio,
são
coiotes vagando livres por San Francisco,
É uma
flor desabrochando durante a tempestade
(pois
quando tudo acabar talvez seja tarde).
É a
solidão futurista da Times Square,
é o
suicida alcançando um revólver.
São
navios de cruzeiro proibidos de atracar,
são
hospitais abarrotados em Milão, Rio, Dakar.
Pássaros
continuam voando, geleiras caindo,
há um pôr
do sol distante, solitário e lindo.
É viver
entre as paredes dos parênteses
em
reticências que se alongam como meses.
É o mundo
inteiro em stand-by,
é o corpo
lutando por ar.
O enigma das ondas (152 págs., lançamento da Editora Iluminuras)
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