HERMENÊUTICA
O que o sol, o self, o som e as estrelas não dizem
este poema vai ter que dizer.
Digo, tudo mesmo, o vento obsceno
e a serena ceia de vozes, uns segundos, este escuro.
Isso agora confirma a intuição de que o sentido,
esse colossus, não existe
E interrupções transformam-se em linguagem, em formas
De vida. Qual a verdade
daqueles instantes abissais entre um silêncio e outro
e entre outro e outro olhar
que registros e ruídos, esses, de onde vêm,
qual desses eus chegou mais fundo
ao mistério mais puro e mais profundo?
Não insista: aqui só nos resta ficar com o que flui
a brisa que reprisa velhos filmes
as performances de nuvens noturnas e de vagalumes
evoluções de sombras, um sopro morno
e outros lances
a dissonância entre o que sentimos e o que nos
rodeia
e nos reduz
A meros twists, ciscos no céu & blues, reluzindo num
canto obscuro da moldura. Aqui.
Noite narcótica. Férias no Inferno. Uma frase de Jarry.
Ruídos &: música dos sentidos.
É quase difícil manter você
afastado de sua intenção por muito tempo
nunca sabendo onde ela está, durante os intervalos,
apenas passando por ali.
Retendo os sons todos do qual somos
apenas parte. Improvisando.
Ou mesmo
como se
um abrir de portas, um aceno,
não pudesse supor várias alternativas
("É você, presumo")
atenções a eventos diferentes e pontos de vista
Simultâneos. Eles acreditam
na transparência da linguagem.
mas tudo é simultâneo, polivox, e rápido demais
pra sacar um significado definitivo ou ficar
debruçados em dicionários etimológicos
como paranoicos desconstrutivistas, seguindo trilhas
de formigas.
Quem sabe se esses latidos noturnos
não são um poema em busca de um autor?
"Quem tem sido uma das perguntas mais sensíveis
da epistemologia contemporânea para a qual nem
essas cigarras possuem o significado definitivo".
Ou; quem sabe? Enquanto a noite vai caindo e devorando
ouvimos vozes dos vizinhos
Mas algo muito estranho então ocorre
pássaros fogem e mergulham no vídeo
conteúdos sonham ruínas bizantinas
e tudo o que é sólido dissolve-se no ar:
a pele das águas se arrepiam, arejam
a luz que muda sobre o jardim
flores incolores emergem com sombras e sorrisos
em flashes e legendas que se dissolvem
em fragmentos de uma única narrativa. E você,
sentado em silêncio, aí dentro, esperando
quem sabe por um sol diferencial, ou mesmo o
Renascimento do maravilhoso.
Fume um cigarro. Leia estas estrelas.
O poema que agora começou.
Rodrigo Garcia Lopes (In Solarium, 1994, editora Iluminuras)