sábado, janeiro 20, 2007

Hoje no Diário Catarinense

O poeta e escritor Marco Vasques, de Florianópolis vem fazendo várias entrevistas com escritores brasileiros nos últimos anos. E em julho passado, acompanhado do poeta Vinícius Alves, ele fez uma comigo. Foi no antológico Bar do Arante, num belo fim de tarde de vento sul na Ilha (a musa inspiradora de Visibilia, 1996). Saiu hoje, no Diário Catarinense. Foi-me enviado pelo meu amigo Fernando Alexandre:
Investigação

Rodrigo Garcia Lopes fala, na entrevista a seguir, sobre seu processo de criação poética e de seu trabalho como tradutor de Whitman e Rimbaud, entre outros

POR MARCO VASQUES *

Pergunta - O campo semântico de seu livro Visibilia remete constantemente ao mundo líquido, quase sempre contrastando com o solar. Por que essa escolha?
Rodrigo Garcia Lopes - Esse livro tem muito da poética do olhar. O que proponho, em Visibilia, é um arquivo vivo do olhar. O livro tem muito da minha experiência em Florianópolis, pois foi aqui, no Pântano do Sul, que terminei o livro. O contato com a natureza me colocou uma questão. O que pode a poesia diante do silêncio dos dias, do silêncio do mundo natural? Traduzir? Complementar? Então, o desafio era esse: investigar e indagar como se dá o processo de transferência do mundo real ao mundo poético. E o poema seria exatamente a tradução simultânea desta percepção em palavra, em poesia. O poema surge como o resultado desse atrito entre consciência e mundo, fruto dessa tensão. Eu estava fazendo doutorado sobre a Laura Riding, que investiga um pouco disso em sua obra. Mas também é algo que diz respeito a William Carlos Williams e os objetivistas, como George Oppen. A poesia de Laura questiona o real, e Visibilia pode ser enquadrado nesse tipo de poética.
Pergunta - Como você encara a discussão entre forma e conteúdo? Há poetas que dizem que a poesia não deve ter respostas.
Rodrigo - A poesia é sempre uma resposta sobre as experiências humanas. A poesia que eu faço tenta ser uma resposta, sim. Ao contrário de muitos poetas, que acham que a poesia nada diz. Eu não separo forma e conteúdo. Sempre fui um poeta muito preocupado em dizer. Penso que uma coisa que a poesia deve é dizer. Mas ela tem que dizer algo a mais do que a gente encontra na linguagem do cotidiano, ela deve revelar. Num mundo em que a linguagem é usada para mentir, fazer guerra, ferir, o poeta tem o papel de provocar com sua linguagem um silêncio novo, um silêncio que provoque o encontro da pessoa consigo mesma. Claro que sempre com cuidado para não cair num hermetismo absoluto. No livro Nômada tem três séries de poemas chamadas Instantâneos Contemporâneos, Liberdade de Pó: Um Diário e Viagens à Hiperrealidade que dialogam mais abertamente com os conflitos do nosso tempo. Um dos poemas longos do livro fiz sob o impacto da Guerra no Iraque. O desafio está em fazer isso sem ser piegas, panfletário.
Pergunta - De Solarium, seu primeiro livro, ao Nômada, o último, você transita por várias linguagens...
Rodrigo - Nunca procurei a unidade estilística. A poesia é a arte da linguagem em liberdade. A verdade é que sempre tive curiosidade em experimentar com as formas mais diversas. Eu tenho poemas que dialogam com o barroco, com o imagismo, com o clássico, com o dolce stil nuovo, com o concretismo, com a geração beat, mas, claro, nunca é uma reprodução de meros conceitos, é que às vezes o poema pede, grita sua forma, mesmo conduzida pelo poeta.
Pergunta - João Cabral de Melo Neto falava do clic do poema, quando o poema faz clic para você? Rodrigo - O momento em que o poema se fecha é o momento em que ele se abre para o leitor. O fim é apenas o começo. Quando você consegue se desvincular da autoria do que você escreveu e consegue se colocar na condição de um leitor privilegiado. Quando há um distanciamento da obra e se percebe que o texto seduz não egoicamente como autor, mas como escritura, palavra viva. Meu processo de criação não é regular, nunca insisto para que um texto saia. Só vou para o texto quando já trabalhei e convivi com ele o suficiente na mente para poder escrevê-lo. E muitas, muitas vezes, o poema nasce enquanto o procuro. Tenho escrito muitos poemas sobre isso, embora evitando a mera metalinguagem. Um poema, não importa que forma, para mim ele tem que chegar batendo, colocar o leitor em estado de poesia. O tempo do poema é o nocaute. Meu processo criativo é aparentemente caótico, tanto quanto meu processo de leitura. Quando estou lendo, sempre leio mais de cinco livros ao mesmo tempo. Um outro método, que retomei recentemente, é o de ter sempre uma caderneta à mão e ir anotando imagens, frases, enfim, porque idéias e palavras são fugidias. Engraçado, que só quando fui traduzir o Walt Whitman é que descobri que ele usava o mesmo método. Há uns anos redescobriram algumas dessas cadernetas raras e é fascinante perceber a "obra em progresso" ali.
Pergunta - Você traduziu Rimbaud, Laura Riding, Silvia Plath, O Navegante, texto anônimo do anglo-saxão...
Rodrigo - O Pound dizia que ao traduzir você consegue reencarnar o poeta, sua linguagem específica, além do tempo desse poeta, repoetizar o original em sua língua. O tradutor é um traficante, ele trafica significados de uma língua para outra, só que nesse processo ele pode se sair bem como um Ronald Biggs ou pode se sair mal e ser preso! A poesia é um trem pagador. A transcriação, a qual os irmãos Campos aderiram, vem de Pound e de Walter Benjamin e seu conceito da tradução messiânica. Fazer muitas vezes a tradução parecer mais original que o próprio original, mas, sobretudo, recapturar o momento da criação. Acredito que o tradutor é transportador e, retomando Pound, o melhor tradutor de poesia é um bom poeta. Traduzir, para mim, também é uma oficina poética, onde eu exercito outras linguagens, outras vidas, outras subjetividades. Só para você ter uma idéia, o Whitman me absorveu tanto que até agora estou esgotado. Há todo um trabalho de pesquisa da vida, da obra e do momento histórico de quem está sendo traduzido.
Pergunta - Sua relação com a música é evidente, pois seu livro Polivox ganhou um CD com o mesmo título. Como você encara a polêmica alimentada em torno da distinção entre letra de música e poesia?
Rodrigo - O Leminski, nos anos 1980, saiu com essa: poetas, leitores e críticos, fiquem ligados, os melhores poemas hoje não estão nos livros, estão nos discos. Para mim não há polêmica. Se Chico e Caetano não são poetas eu não sei mais o que é poesia. A própria palavra "lírica" era sinônimo de poesia. É bom lembrar que a poesia nasce com a música. Retomando Pound, ele sempre dizia que a poesia não pode se afastar muito da música e vice-versa. Acho que o bom poeta é aquele que consegue fazer música com a linguagem.
Pergunta - Você é editor da revista Coyote, que privilegia a publicação de textos inéditos, ao lado de Ademir Assunção e Marcos Losnak. Qual o papel de uma revista desse gênero?
Rodrigo - A Coyote é uma referência nacional. Já publicamos, em quatro anos, cerca de 300 autores, de diversas partes do Brasil e do mundo. Ela é uma revista de criação, e uma das balizas dela é abrir espaços para textos inéditos. Praticamente tudo que se publica na Coyote é inédito. Várias pessoas que publicaram textos inéditos na revista e que não tinham livros publicados tiveram, posteriormente, livros publicados, pois há vários editores que ficam de olho na revista e resolvem apostar em um e outro autor que nós publicamos. Uma das funções da revista é revelar autores novos e bons. A Coyote procura farejar onde está a boa caça, onde está o bom texto.
Pergunta - Qual o maior problema da literatura hoje?
Rodrigo - Sinceramente, a falta de um sistema literário, de políticas públicas para a literatura, de incentivo à leitura, mas não centradas apenas no mercado e sim na formação do leitor. Também sinto que muitos escritores jovens se ocupam mais em fazer política literária, conchavos, de fazer promoção e marketing de sua literatura do que fazer literatura propriamente. Acham que poesia pode trazer "fama". Melhor experimentar o show business, então. Não sei onde arrumam tempo para criar. Não são poucos os poetas que fazem isso, nossa geração não sabe fazer isso. O fazer literário é outra coisa. Como diria Leminski, a poesia é princípio do prazer na linguagem. Para mim, é um modo de estar no mundo.
* Marco Vasques, poeta, coordenador de Artes da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes. Autor de Elegias Urbanas (Bem-te-vi, 2005), Diálogos com a Literatura Brasileira (EdUFSC, Movimento, 2004) e Cão no Claustro (Letradágua, 2002)

Um comentário:

Anônimo disse...

é isso aí. o pessoal anda muito afoito em tomar um lugar ao sol. o que deve ser? aquecimento global? muito bacana a entrevista e parabéns pela tradução do whitman.

daniel pagão