A Gazeta do Povo abriu suas páginas para a poesia paranaense no último sábado.
Eu contribuo com o poema "Indo para Casa (Numa Estrada Rumo a Lhasa)", de Estúdio Realidade (7 Letras, 2013). Link aqui:
"Storm the Reality Studio, and retake the universe" ("Assaltem o Estúdio Realidade, e retomem o universo") WILLIAM S. BURROUGHS
Luciana Whitaker/Folhapress | ||||||
Ana Cristina Cesar em foto de maio de 1975 do acervo do Instituto Moreira Salles do Rio |
Escrito por Rodrigo Garcia Lopes |
Estúdio realidade(7 Letras, 2013) é meu primeiro livro autoral desde Nômada (2004). Nunca havia ficado tanto tempo sem publicar um livro de poemas. Nesse meio tempo, de 2005 a 2009, fui dar aula na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Depois de Nômada (que são, para mim, três livros em um) senti que havia esgotado o que tinha para dizer em forma de poesia, pelo menos naquele momento. Concentrei minhas energias na música, compondo e preparando o disco Canções do Estúdio Realidade( que saiu este ano, acessável em www.rgarcialopes.wix.com/site) e no romance de detetive O Trovador (a ser publicado no em 2014 pela Record). Também queria dar um tempo de traduções. Senti necessidade de encarar o desafio da narrativa longa e acabei escolhendo o gênero policial. Nunca fui fanático pelo gênero mas, depois de ler e estudá-lo mais a fundo, hoje sou. Ele se passa em 1936, o que complicou ainda mais as coisas. Para mim, escrever O trovador foi como aprender a escrever de novo. Os primeiros esboços de poemas de Estúdio Realidade foram saindo aos poucos, no meio desse processo. Poesia é um trabalho de linguagem que demanda tempo. Com o passar dos anos fui ficando mais e mais rigoroso, com a poesia dos outros e principalmente com a minha. Em 2009 ganhei uma bolsa Funarte de criação literária que foi fundamental para o desenvolvimento do livro, pois me possibilitou concentrar nele. O termo “estúdio realidade” foi retirado da obra de William Burroughs (o qual entrevistei para o livro Vozes & visões e cuja obra foi tema de meu mestrado). Refere-se a um lugar onde imagens, informações e representações do mundo “ao vivo” estão a todo instante sendo editadas e manipuladas, de modo a passar ao espectador uma ilusão de realidade e de “agoridade absoluta”. Para mim, é uma metáfora do mundo complexo em que vivemos. Este foi o mote. A palavra realidade já é problemática em si. Do ponto de vista da poesia, a linguagem é a nossa realidade enquanto seres humanos. A operação poética reconstrói a realidade através da palavra. Por outro lado, a realidade num poema nunca é dada, de graça, ela só pode ser conquistada. Pelo autor, e pelo leitor.
Eu queria discutir, em poemas que explorassem várias linhas discursivas
e abordagens poéticas, os limites entre o chamado “real” e sua
representação, entre o sujeito observador e a “floresta de signos” que
configuram nosso mundo atual. Desde o primeiro livro, Solarium
(1994), sempre organizei meus livros em seções. Acho que é um roteiro
aberto, uma forma de organizar o caos, definir linhas temáticas e
estilísticas. O resultado é um volume de quase 90 poemas e um apêndice: 24 aforismos sobre poesia.
A primeira seção, Estúdio realidade reúne poemas que tratam da
sensação de compressão espaço-temporal causada pela velocidade de
informações, num contexto Idade Mídia, em que estamos (mesmo em meio à
natureza) cada vez mais mediados pela tecnologia, num mundo
“pós-utópico”, digamos. A segunda, Vórtex, traz no plano formal
uma exploração de várias formas poéticas. O poema sendo abordado como
um amplo campo de possibilidades discursivas. As abordagens poéticas
desembocam, por operações textuais distintas, na grande questão: o
espaço habitado pela poesia enquanto matéria mental, entre palavra e
mundo. Pensagens, a parte 3, traz poemas numa linha mais
filosófica ou logopaica (“a dança do intelecto entre as palavras”, na
definição de Pound) e que exploram a experiência poética e a “sensação
do que acontece” (o termo do neurologista Antonio Damásio para “a
consciência da consciência”). Memória, percepção, linguagem e a
experiência do estrangeiro, do lugar, são alguns dos “tópicos”
abordados nesta parte, se é que podemos dizer assim. O poema como o
resultado do atrito entre consciência e mundo, fruto dessa tensão. A
ideia de poesia menos no sentido de escrita sobre experiências, e sim escrita como experiências. Finalmente, Quarto escuro
traz poemas mais narrativos e que têm como objetivo dialogar com o
imaginário, a estrutura e as convenções do gênero da novela de detetive e
do romance policial para a poesia. E o livro fecha com 24 aforismas sobre poesia, em que eu reflito sobre a prática poética.
Busquei, em Estúdio Realidade, uma poesia que seja relevante
para nossos tempos, que tenha a capacidade de dialogar com o agora, de
estar sintonizada com o mundo globalizado que nos rodeia, sendo capaz de
re-significar o mundo à nossa volta. Uma poesia que seja relevante para
os dias de hoje, que resgate a percepção, a faculdade de imaginação e
de maravilhamento. Que faça do ordinário, extraordinário, e vice-versa.
Sem perder o lirismo, o humor. Se consegui alcançá-la, é com você,
leitor.
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