terça-feira, agosto 21, 2012

ENTREVISTA NA FOLHA: LONDRIX 2012 + COYOTE 10 ANOS

A versão na íntegra da entrevista feita com o excelente Rafaerl Ceribelli, da Folha de Londrina:


GUERRILHA LITERAL


A Revista Coyote completa 10 anos e a oitava edição do Festival Literário de Londrina começa nesta segunda. Mas o que mudou e o que ainda não passa de rascunho no cenário literário londrinense?

Rafael Ceribelli / Reportagem Local

Separadas por apenas alguns dias, duas datas marcantes para o cenário literário londrinense sublinharam esta semana de agosto. De um lado, a revista literária Coyote assoprou velhinhas em seu aniversário de dez anos, colocando a cereja do bolo em uma edição recheada com a seleção especial de contos e traduções inéditas, com destaque para um dossiê do jornalista e escritor João Antônio (1937-1996), ilustrado por fotos exclusivas de Elvira Alegre. De outro lado, estamos na véspera da oitava edição do Londrix (Festival Literário de Londrina), que é destaque dentro do circuito alternativo e que, este ano, conta com a participação de nomes reconhecidos nacionalmente como Arrigo Barnabé, Marcelino Freire, Paulo Lins e Domingos Pellegrini. 
"É uma luta. Uma batalha. As pessoas podem até achar que é fácil, mas é bastante complicado organizar tudo isto", desabafa Rodrigo Garcia Lopes, relembrando das dificuldades que envolvem a produção de eventos e produtos como estes, que fogem à regra de mercado. Reconhecido nacionalmente como escritor, jornalista, tradutor, e compositor, Garcia Lopes sempre esteve envolvido no cenário cultural da cidade; no meio das letras, é co-fundador e editor da Coyote junto com os jornalistas e escritores Marcos Losnak e Ademir Assunção. Também participou da fundação do Londrix, em companhia de Losnak, da editora Christine Viana e a jornalista Denise Gentil. 
Fazendo parte ativa na lapidação - parágrafo à parágrafo - de um novo capítulo para a literatura na cidade de Londrina, Rodrigo Garcia Lopes conta, em um bate-papo exclusivo com a Folha, sobre seus sentimentos acerca do cenário cultural na cidade, seu orgulho pelos dez anos de Coyote, sua expectativa pela edição deste ano do Londrix e sua decepção com a nova geração de 'leitores'. 


Folha de Londrina - Primeiro, qual o significado deste aniversário para você? Como é o sentimento de completar dez anos em frente à uma revista literária independente e de prestígio nacional?
Rodrigo Garcia Lopes - Acho que ninguém imaginava chegar a tanto. É complicado, porque todos os anos precisamos contar com o apoio do Promic e nossas vidas, dos editores, mudaram muito durante estes anos. Nós não sobrevivemos da revista. Longe disso. Muitas vezes eu, o Losnak e o Ademir estamos com outros projetos, então a filtragem dos textos é feita nas horas vagas, e exige bastante esforço para nos reunirmos pessoalmente e fechar uma edição da revista.

- Parece que, depois de dez anos, continua sendo um trabalho desafiante…
Apesar de ter 52 páginas, fechar ela dá um trabalhinho, viu? (risos) Além da parte da seleção e de filtragem, ainda procuramos decidir de forma unânime texto a texto, foto a foto. Às vezes é uma novela, especialmente porque seguimos um critério de seleção bem alto: existe uma discussão de valores, de estética. É uma delícia e uma tortura, tudo ao mesmo tempo. Várias vezes já pensamos em jogar a toalha, mesmo porque não temos estrutura suficiente para produzir uma revista deste nível, e mesmo assim conseguimos. É um trabalho de guerrilha cultural. A efemeridade sempre foi a marca de revistas literárias no Brasil, desde os anos 70. Eram revistas de curta duração, que não conseguiam uma perenidade. Manter um projeto marginal deste, publicado por tanto tempo, não é fácil.

- A revista conseguiu ser estruturada e sobrevive com o apoio do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). Sem este suporte, o projeto seria inviável? 
Inviável. Com certeza. A gente sempre gosta de ressaltar isso, porque somos bastante cobrados, especialmente por lidar com dinheiro público, sempre é preciso ter transparência. O Promic é o que faz a revista ser possível. Além disso, a revista só existe pela nossa persistência. Muitas vezes entramos em crise. Muito deste caminho ainda existe porque os três editores são teimosos como mulas. A nossa persistência é em atuar nesta área, que tem este caráter de inconformismo, que não privilegia o mercado livreiro e nem faz política literária. Ao lado do texto de um iniciante, está um texto de alguém famoso como Marcelino Freire, Gilberto Nobre. Nós não publicamos nomes. Nós publicamos textos. 

- Pelo reconhecimento que a publicação alcançou nesses anos, muitos consideram um privilégio ser publicado pela Coyote. Você sente essa gratidão por parte dos autores?
Super, eu fico até impressionado, porque é uma coisa que muitas vezes a gente acaba não se tocando. É muito legal perceber como esta publicação é importante para os escritores, e como que a Coyote acabou se transformando em uma referência de qualidade e valor literário. Nós tentamos ter muito rigor em tudo que é publicado. Além disso, nós já publicamos na Coyote cerca de 40 nomes de Londrina, com trabalhos de escritores, poetas, ensaistas acadêmicos, fotógrafos, cartunistas, dramaturgos. Temos clara a obrigação em ter, toda edição da revista, um ou dois autores locais, para a publicação adquirir uma identidade e manter uma relação direta com a produção na cidade. 

- Essa postura é, em parte, o que também confere um respeito maior pela revista? 
Sim, acho que as pessoas sabem disto. Pode até existir quem declare que a Coyote é uma panela. Mas vai olhar de perto para ver: todas as correntes estão representadas, todas as tendências estão representadas. Temos publicações de pessoas de todos os estados brasileiros. Não podemos ser acusados de sermos uma panela. Acho que um imenso caldeirão seria o mais apropriado. A questão sempre envolve a qualidade do texto, e é uma revista democrática, eclética, e isto é o que confere respeito à ela. Posso dizer o seguinte: se algum dia um extraterrestre chegar no planeta e conseguir encontrar a coleção completa destes dez anos de Coyote, ele vai ter um bom retrato do que aconteceu na literatura e na arte nacional e internacional durante os anos 2000. É um documento de tudo que estava sendo criado, pensado e discutido naquele momento. 

- Em que ponto é que a história da Coyote se entrelaça com a criação do Londrix?
Eu e o Losnak tínhamos a ideia de fazer um festival literário, que não necessariamente fosse uma extensão da revista, mas que se ligasse à revista de alguma forma. Com presença de pessoas debatendo, um evento deste tipo… E a Chris (Viana, editora do Festival) também tinha a ideia de fazer um projeto neste sentido. Nós resolvemos, depois de uma sugestão do Bernardo [Pellegrini, Secretário da Cultura na época] unir forças e iniciar um projeto conjunto. Lembro que a primeira edição foi bem na raça, mas o festival já tinha um perfil marcado. Eu me afastei da curadoria, mas este ano fui chamado para ajudar novamente.

-- É possível afirmar que, assim como a Coyote é uma revista de criação, o Londrix também busca um aspecto diferenciado de outros festivais literários?
Acho que o ponto em que as pessoas mostram seus processos criativos e suas obras lendo, cantando ou dançando. Muita gente acha que a literatura está só nos livros. Isto é um erro. A literatura acontece em várias ocasiões que estão fora do livro: em shows de poesia, leituras públicas, debates e conversas sobre a literatura. A literatura salta para fora das páginas, do suporte do livro. Este ano, o Festival dá um enfoque especial para essa diversidade. Por exemplo, nesta edição vamos organizar uma mesa só de "Performance", mostrando como a poesia pode ser interpretada em cena, no palco, na rua, ou transformada em filme. Eu estou super feliz com a programação do Festival este ano.

--- Você acredita que falta, no público, a percepção da literatura como algo mais abrangente?
Toda vez que se fala de literatura, se fala de livros. É um erro. Claro que existe a procupação em cultivar mais leitura, mas este fio sempre bate ali, no mercado livreiro e nos interesses dessa indústria. Dentro de um Festival, existem muitos outros temas para serem discutidos; da qualidade do jornalismo cultural à questão da mídia como vendedora de produtos. O que interessa em um evento desses é a experiência de criação, de formação literária e artística. O Londrix busca proporcionar um contato diferenciado com a literatura. O contato de um Brasil que não é o mesmo das Olimpíadas, e que nem faz parte do "Sonho Brasileiro" ou do "Brazilian American Way of Life", onde todos se enganam achando que aqui é primeiro mundo. 

-- Quais são, em sua opinião, os principais desafios e objetivos do Londrix este ano?
O desafio principal é atrair público, porque está difícil. O público universitário, antigamente, era o ideal para este tipo de evento. Eles eram as cabeças pensantes da sociedade, os rebeldes, os inconformistas, quem saía na rua, o padrão de crítica e critério da sociedade. Infelizmente, hoje sentimos um desinteresse muito grande dos estudantes em geral para este tipo de evento. Dai você começa a pensar que Londrina tem 240 duplas de sertanejo 'universitário', e pensa também que a palavra 'universitário' já caiu em um outro sentido. Ou seja, o cara prefere ir em uma balada sertaneja do que ir em um festival literário. Em minha opinião, isto tudo passa por uma questão maior, uma questão de mercado. Nisto é que estão transformando a nossa música, no que estão transformando a literatura: em coisas que não são propriamente arte. São produtos voltados para o mercado, para o sucesso imediato e efêmero. Este aspecto também será discutido dentro do Londrix.

--Você acredita que o conformismo intelectual aumentou nos últimos anos?
Acho que aumentou sim, bastante. Isto é, além da 'caretização' geral: ficamos mais caretas, mais repressores, mais autoritários, mais policialescos. Está tudo muito politicamente correto, e os debates já não abrem tanto espaço para a reflexão. É tudo oito ou oitenta. Isto ocorre em todos os setores, e não só na cultura. Nosso objetivo é tirar as pessoas da inércia à que elas estão acostumadas, para se alimentarem de outras informações. Instigar principalmente os jovens leitores. Acho que se conseguirmos isso com o Londrix, ainda existe esperança.

--Onde você imagina que a Coyote e o Londrix estejam, daqui a dez anos?
Putz. Já foi difícil imaginar que chegaríamos até aqui, sabe? Que o Londrix estaria na oitava edição e a Coyote no décimo ano. Não tenho a menor ideia (pensativo). Sei que a Coyote, com certeza, já vai ter um site até lá (risos). E acho que a tendência do Londrix é não crescer muito, não virar algo megalomaníaco, mas ter mais investimentos, mais apoio popular para poder fazer dele um evento que aconteça, de uma certa forma, durante o ano todo. Isto pode ser feito através de ações simples, que vão desde a divulgação de autores ou maior participação das mídias, com oficinas literárias e eventos pontuais, voltados para a comunidade. Observamos nestes últimos anos uma explosão de festivais: agora tem o Flip, o Flop, o Flup (risos) e os mais antigos, como o de Porto Alegre e o de Passo Fundo. O lance é o seguinte, precisamos fazer um Festival com a nossa cara, com a nossa identidade, com nossa história e de nosso próprio modo. Afirmar a identidade do Londrix está sendo o maior desafio ao longo de todos estes anos.

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