Esses dias estive relendo, por conta de um texto que tive que escrever, o catautônico Catatau, de Paulo Leminski. Sem dúvida um dos livros mais doidos e vertiginosos da literatura brasileira, tour de force que demorou nove anos para ser escrito. Como
Esta é a capa da primeira edição, às próprias custas, de 1975:
ÔPS! ESTA é a verdadeira capa:
E estas duas são da Sulina (esgotada) e a mais recente, da Travessa dos Editores:
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Dentro de poucos instantes não vai acontecer nada, tomem cuidado.
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O problema com o mundo dito exterior, vulgo realidade objetiva, é que não faz distinção entre tanto e tanto faz.
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Toda
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Nunca fui aí. Joça posso com juçara, mas aposto que quem jaguara jagunço com bagunça de taquara eu jurara que não fosse tanajura na chula taba de Guardalajarra!
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O poliglota analfabeto, de tanto virar o mundo, ver as coisas e falar os papos, parou para pensar ao pé de uma montanha. Assaltaram-no dois pensamentos. Um na língua materna, outro em língua estrangeira. O primeiro fez a pergunta, o outro respondeu. Resultado: sou pai de minhas perguntas e filho de minhas respostas”.
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Nada como um ano dentro de um dia, nada como a eternidade num lugar.
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A pressa é a mãe do precipício.
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Se o Brasil fosse holandês, ninguém entenderia batavina.
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O pensar emite espetáculos.
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Falta pouco, e até este pouco está fazendo falta.
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Para dó, qualquer sol bemol é quinta diminuta.
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A bom entendedor, em meados de palavra, estamos entendidos.
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Bizarros tempos estes em que uma fábrica pouco maior que uma caixinha de música faz todo o ofício do entendimento humano!
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Dia virá em que se ponham altares a um deus-máquina, —
Deus, a máquina de uma só peça.
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Como era mesmo o nome daquele rio de quem diziam horrores da amnésia que dava na hora da senha, bebiba sua água? Não brinca...Mesmo? Que bom, mamãe, olha, estou órfão! Quem vai embora, não embolora.
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Tudo
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Tão mal falado que quando a fama chegava já estava difamado.
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Não interpresto meus monstros por nenhum ouro deste mundo.
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Não é possível dizer essa frase com essas mesmas palavras.
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Quando se come é que se vê como a natureza foi sábia em colocar o boi no prato e o homem na cadeira.
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Ocaso do sol do meu pensar.
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Dou teu caminho, um pedaço de mal tamanho.
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Quem reza fala palavras que desconhece para um parceiro que nunca viu a fim de resolver um problema mal equacionado.
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Depois de um caminho que não era para se demorar, o peso do deserto do mar.
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Criarem o mundo abriu inaudito precedente de incalculáveis conseqüências efetivas.
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Livro, já estiveste dentro de um sonho e te fiz para despertar porque o sol é melhor que o sonho! Desconfio da dúvida, incorro numa certeza: zombo de esquecimento.
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Alma, entra dentro de ti mesma, o alvo não passa de um espelho.
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O gorila olha o espelho e vê Descartes, Cartesius recua o gorila, e pensa, desgoralizando-se rapidamente.
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Quem fala? Muitas vozes falam dentro da minha cabeça mas a voz, só minha.
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Outra vida, que esta não está dando para o gasto.
PAULO LEMINSKI em CATATAU