Trama policial revisita a Londrina dos anos 30
Moacir Amâncio - Especial para O
Estado de S. Paulo
07
Novembro 2014 | 19h 30
Primeira
incursão no romance de Rodrigo Garcia Lopes, 'O Trovador' cria uma intriga
labiríntica que se passa na colonização do norte do Paraná
À intriga labiríntica de O Trovador,
romance policial escrito pelo poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, associa-se
um episódio real pouco lembrado: a colonização do norte do Paraná, a partir de
Londrina, nome inspirado em Londres. Aí está a deixa fundamental para que o
autor criasse uma trama complexa, interessante e original na clave do
multiculturalismo. Estão envolvidos no imbróglio desde o rei da Inglaterra e
outros nobres, até nazistas atuantes no sul do Brasil, tramoias bancárias,
assassinatos, adultérios, o japonês, o italiano, um russo, espionagem,
refugiados judeus, prostituição, assuntos literários, paixões, tolices, etc.
Mesmo abundantes e díspares os ingredientes se integram à narrativa,
enriquecendo-a de nuances destinadas a surpreender e a manter o suspense no ar.
O escritor tinha a clara consciência de que estava diante de um jogo de regras
conhecidas e perigosas, basta qualquer deslize e a estrutura interna se desfaz.
Enfim, um romance policial precisa ser montado como uma máquina irretocável, um
jogo de arte literária pura, em seus modelos ideais. E há outros aspectos a
serem considerados.
Ninguém poderá acusar o autor de
negligente. Observa-se o cuidado que dedicou a O Trovador, apoiado em
pesquisa atenta e apurando a técnica ficcional presente nos mestres do gênero.
O início, porém, que tem por cenário a Londres dos nobres, é um tanto pesado,
com excesso de palavras, e pode afastar leitores que não estejam dispostos a
apostar pelo menos até a página 80, quando a ação dispara.
O excesso de palavras anuncia uma
opção contrária à moda de seguir Rubem Fonseca, um mestre da linguagem, e a
novela policial norte-americana, algo saudável, no entanto a pergunta é
inevitável: será que a escolha foi acertada na medida? Porque o descrito pede
mais rapidez, menos detalhamento, daí a tensão durante a leitura, afetada pelo
descompasso entre o ritmo da “história” reduzida aos fatos e a calibragem com a
narrativa, que não deve prendê-la e sim acompanhá-la em sua dinâmica
potencialmente eletrizante. O desajuste do tom tende a se diluir rumo ao final
do livro, mas já pode ser tarde demais.
Nesse jogo, desta vez, o fabulador
parece vencer o escritor. Entre equívocos e acertos, destaque-se a criação de
uma personagem dominadora pela ausência e a abertura do final. Engana-se quem
pensar que uma solução sirva para desfazer todo o mistério. Há dicas de que
algumas histórias podem ter prosseguimento, enquanto outras ficarão nas
sombras. Adam Blake, o “detetive” improvisado, na verdade um tradutor meio
trapalhão que às vezes exagera no uísque, no vinho ou na cachaça, e sofre com
as culpas, mostra-se, no entanto, bastante romântico e simpático para se
apaixonar por uma prostituta inconformada e não desistir do futuro, sem
esquecer os pequenos desastres e as hecatombes sempre à espera nestes tempos
azarões.
MOACIR
AMÂNCIO É PROFESSOR DE LITERATURA HEBRAICA NA USP, AUTOR DE ATA
(REUNIÃO DE POEMAS, RECORD) E YONA E O ANDRÓGINO – NOTAS SOBRE POESIA E
CABALA (NANKIN/EDUSP)
O
TROVADOR
Autor:
Rodrigo Garcia Lopes
Editora:
Record (406 págs., R$ 45; R$ 31 o e-book)
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