PRÉ-VENDA no link
☞
http://kotter.com.br/.../poemas-coligidos1983-2020.../
"Storm the Reality Studio, and retake the universe" ("Assaltem o Estúdio Realidade, e retomem o universo") WILLIAM S. BURROUGHS
Depoimento ao podcast "Pedra de Toque: a Poesia Brasileira Contemporânea", do Itaú Cultural, já está no site e no Spotify (concedido em 30 de agosto de 2021). Apresentação, entrevista e edição: Ademir Assunção.
Link:
https://www.itaucultural.org.br/secoes/podcasts/rodrigo-garcia-lopes-pedra-de-toque
Paranaense de Londrina (PR), Rodrigo Garcia Lopes é poeta, romancista, tradutor, jornalista e compositor. As primeiras leituras de gibis, como Os Sobrinhos do Capitão, Tarzan e Mandrake, a descoberta da poesia de Vinícius de Moraes, Rimbaud, Emily Dickinson e dos poetas concretos, além das influências de Ezra Pound, Walt Whitman e dos poetas da Beat Generation são alguns dos temas deste depoimento ao Pedra de Toque. Rodrigo afirma também que seu estilo é não ter um estilo único, lamenta a superficialidade na discussão da poesia atualmente, lê poemas de William Carlos Williams, Elizabeth Bishop e Carlos Drummond de Andrade e termina lendo poemas próprios do livro, O enigma das ondas.
Pedra
de toque é publicado semanalmente, sempre às quartas-feiras. Ouça todos os
episódios clicando aqui ou em aplicativos especializados, como o Spotify, no
celular ou no computador – basta pesquisar o nome do programa.
Depoimento
gravado em 30 de agosto de 2021.
Я спускаюсь в какой-то древней русской деревне (Desço em algum antigo vilarejo russo)
“Estranhamento ou ostranenie (остранение) foi um termo utilizado pelo formalista russo Viktor Chklovski em seu trabalho “Iskusstvo kak priem” (“A Arte como processo”) ou (“A Arte com procedimento”), publicado pela primeira vez em “Poetika” (1917)” (Wikipedia).
Dois escritores paranaenses estão entre os semifinalistas do Prêmio Oceanos 2021. Cristovão Tezza e Rodrigo Garcia Lopes integram a lista divulgada na última quinta-feira (26) que traz os 54 classificados para a próxima etapa da premiação que contou com 1.835 inscritos. Participam da disputa autores de cinco países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Até o mês de novembro serão conhecidos os dez finalistas e, em dezembro, os três grandes vencedores que dividirão a soma de R$ 250 mil em prêmios. O livro vencedor receberá R$ 120 mil; o segundo colocado, R$ 80 mil; e o terceiro, R$ 50 mil.
Nascido em Lages, Santa Catarina e morando em Curitiba desde os 8 anos de idade, Cristovão Tezza concorre ao Prêmio Oceanos 2021 com o romance “A tensão superficial do tempo”, lançado em 2020 pela editora Todavia. Romancista, contista, cronista e ensaísta, Tezza é autor de mais de 20 livros publicados no Brasil e traduzidos em 18 países. Já o londrinense Rodrigo Garcia Lopes disputa a premiação com o livro de poesias “O enigma das ondas”, publicado em 2020 pela editora Iluminuras e que reúne alguns poemas escritos durante a pandemia. A obra será lançada em Portugal no começo de 2022 pela Officium Lectionis Edições, do Porto.
“Fico feliz em estar na lista dos 54 semifinalistas concorrendo com 1.835 obras de todos os continentes. Já fui finalista de vários prêmios, como o Jabuti, o Prêmio São Paulo de Literatura e o próprio Oceanos em outras edições. A gente sempre tem expectativa de avançar para as etapas seguintes. É uma premiação respeitada que ajuda muito na divulgação do próprio trabalho, principalmente no Brasil, onde as pessoas têm o hábito de prestar atenção em determinado autor apenas depois que ele recebeu um prêmio”, destaca Lopes.
Autor de 18 livros e dois álbuns musicais, o escritor que atualmente reside em Santa Catarina ressalta ainda que estar entre os semifinalistas do Prêmio Oceanos dá um ânimo a mais para dar continuidade ao trabalho de escritor iniciado em 1984. “É uma esperança de que ainda há vida inteligente no Brasil, onde nos últimos dois anos a gente tem visto a cultura e o meio ambiente sendo devastados”, enfatiza ao informar que aguarda com boas expectativas a divulgação dos autores selecionados no Prêmio Jabuti e no Prêmio da Biblioteca Nacional cujo resultados, segundo ele, devem sair nos próximos dias.
Além das obras dos autores paranaenses, o Brasil está representado no Prêmio Oceanos 2021 por 16 romances, sete livros de poesia e sete de contos, totalizando 30 obras. Portugal classificou 20 livros, sendo oito romances, sete livros de poesia, três de crônicas, um de contos e uma dramaturgia. Dos países de língua portuguesa do continente africano – Angola, Cabo Verde e Moçambique – foram eleitos três romances, um de cada país. O asiático Timor-Leste contou com um romance na lista.
Entre os semifinalistas de todos os países de língua portuguesa, estão nomes já consagrados, como o angolano José Eduardo Agualusa, o cabo-verdiano Germano Almeida e o moçambicano Mia Couto. Na edição de 2021, os 54 semifinalistas do Prêmio Oceanos foram selecionados entre os meses de maio e agosto por um júri formado por 95 professores de literatura, críticos literários, escritores, poetas e jornalistas dos cinco países de língua portuguesa.
O Júri Inicial elegeu, por votação interna, os 14 jurados que irão compor os dois júris subsequentes. Entre agosto e novembro, o Júri Intermediário, composto por sete desses profissionais, analisará as obras semifinalistas para eleger dez finalistas. Outros sete jurados que integram o Júri final elegerão entre novembro e o início de dezembro, os três vencedores.
Para dar a conhecer os 54 livros semifinalistas do prêmio, o Oceanos acaba de lançar o seu canal no Spotify, onde, nos próximos meses, os autores das obras selecionadas serão convidados a apresentar brevemente os seus livros. O link para acessar o podcast fica disponível no site do Itaú Cultural www.itaucultural.org.br. O Oceanos tem patrocínio do Banco Itaú, do Instituto Cultural Vale e da DGLAB – Direção-Geral dos Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas, da República de Portugal; o apoio do Itaú Cultural – responsável pela governança do prêmio – e do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, e o apoio institucional da CPLP.
Ouça o Programa Completo:
Poemas escolhidos de “O Enigma das Ondas”, de Rodrigo Garcia Lopes (Editora Iluminuras, 2020), é o ponto de partida para esta audição sem paradas, realizada em mais uma semana de isolamento. Numa grande colagem, o texto evoca paisagens sonoras e fragmentos de Orfeo, de Monteverdi, do Quarteto n. 8, de Shostakovitch, da Marcha Fúnebre da Sinfonia n. 1, de Gustav Mahler, do Prelúdio a Colón, do compositor colombiano Julián Carrillo e do Lied para clarineta, de Luciano Berio.
Programa apresentado originalmente em 17 de abril de 2021.
O programa Supertônica, com apresentação do Arrigo Barnabé, vai ao ar todo Sábado, às 23h pela Rádio Cultura FM de São Paulo, 103,3 e no aplicativo Cultura Digital.
As
ondas magnéticas
O
novo livro do autor e tradutor Rodrigo Garcia Lopes reflete sobre a condição do
poeta num mundo convulsionado
Por Jotabê
Medeiros (Blog
Farofafá, Carta Capital)
Entre os poetas de espíritos mais contestadores da atualidade, destaca-se o nome do paranaense Rodrigo Garcia Lopes, reconhecido artesão do rigor formal. Inimigo do eufemismo e dos salamaleques literários, sua obra tem se caracterizado por um movimento em direção à superação do invólucro que geralmente interpõem entre o cotidiano instantâneo e a literatura. Não por acaso, o autor também faz música popular, inserindo-se num lugar de fronteira difusa entre gêneros artísticos.
O Enigma das Ondas, o sétimo livro do poeta, é
principalmente uma blitz satírica em torno do ofício de escrever, da
contingência de ter que dizer coisas em forma de poema. O prefácio é de um dos
maiores escritores brasileiros da atualidade, Silviano Santiago, autor de
Machado. Tradutor de Walt Whitman, Sylvia Plath, Rimbaud e outros autores,
Rodrigo Garcia reflete sobre a própria incumbência de manuseador da palavra,
zombando da pose, da premeditação, do cálculo, da idealização do leitor. A
morte do Autor, ainda vivo, é a forma mais eficaz e moderna de queima de
arquivo, escreve.
Numa interpretação literal, o título de O Enigma das Ondas pode remeter ao mar.
Mas há também uma correspondência com o sentido das ondas na física, as ondas
elementares que oferecem múltiplas interpretações e ampla variedade de
contradições (como a possibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo). A
menor distância entre dois pontos / não é você, Ego, seu tonto. // Céus, que
luta mais inútil / se pode travar num papel?
O trabalho de traduzir do latim os
epigramas do romano Marcial, incumbência que o escritor concluiu no ano
passado, trouxe um eco à poesia de Lopes. Ele despeja sarcasmo em cima de
poetas que falam mais do que escrevem e encharca de atualidade os seus epigramas
contemporâneos (Isso é namorar uma reaça:
/ quando Léia me beija nunca sei / se é carinho ou ameaça).
O Enigma das Ondas é um livro fundamental da poesia que
persiste e resiste no ano melancólico de 2020. Além de abordar, é claro, a
pandemia, exorta um sentimento de rígida moralidade sobre a postura distanciada
do artista num mundo em convulsão. Garcia Lopes propõe alguma dedicação moral
para compreender o lugar no mundo: Substitua
a arrogante arte da recusa / pela simples e grata aceitação das coisas.
Apesar desse extrato zen, o livro é também
uma declaração de combate ao verso empolado (“quando vejo um poeta usar a
palavra enleio/ no ato já sei o que fazer/ nem leio”) e aos artifícios da
linguagem – ele chega a comparar estilos com metáfora de atletismo,
emparelhando o poeta fundista, que corre longas distâncias, ao poeta do sprint,
capaz de arrancadas impressionantes. Nem todos os poetas são iguais. Alguns
abusam.
Com um senso de urgência análogo ao da
poesia beat, O Enigma das Ondas
reverencia os mestres, mas desta vez para refutar a profunda alienação do
artista. Como na citação de Ezra Pound que abre um dos poemas: A linguagem nebulosa dos trapaceiros serve
apenas a objetivos temporários. Nascido em Londrina, em 1965, Rodrigo
Garcia Lopes foi professor de literatura nos Estados Unidos e é autor, entre
outros, de O Trovador (2014) e Experiências Extraordinárias (2015),
além de ter sido premiado pela Fundação Biblioteca Nacional em 2019 por ensaio
literário sobre Paulo Leminski.
*****
O Enigma das Ondas.
De Rodrigo Garcia Lopes. Iluminuras, 152 págs., 53 reais.
*****
O
Enigma das Ondas.
De Rodrigo Garcia Lopes. Iluminuras, 152 págs., 53 reais. Link:
“Parece não haver
tema capaz de intimidar o poeta londrinense: de delações premiadas até a
pandemia do coronavírus, ele mostra como é possível fazer uma poesia que é tão rigorosa
na forma quanto urgente no conteúdo”.
Irinêo Baptista Neto, jornal Plural
“Um livro maravilhoso. Uma coleção de poemas primorosa: alta
voltagem estética, temas múltiplos (as questões políticas entram com elegância,
sem estridência), densidade conceitual e referências instigantes”.
Maria Esther Maciel
“A força deste mundo pandêmico controla indiscriminadamente
O enigma das ondas, seu fatal desafiador”.
Silviano Santiago
“Li e reli, com toda a atenção, os poemas de Rodrigo e, para
minha grande surpresa, descobri em seu conjunto, uma trama que os configura e
— para mim — os sustenta. Não é que eles se formam, se
desenvolvem, se armam, explodem e se aplacam como uma grande vaga?”.
Aurora Bernardini
“Em O enigma das ondas Rodrigo Garcia Lopes vai fundo em seu
mergulho pelos tempos atuais. As notícias renovam suas surpresas, mas a
situação não muda. É também esse o espírito de um poema sobre o filme “O
Feitiço do Tempo”, em que Bill Murray acordava sempre no mesmo dia do ano. Com
grande perícia, Rodrigo Garcia Lopes emprega a forma da sextina.
Marcelo Coelho, Folha de S. Paulo
“O enigma das ondas exige que o leitor vá além da diversão
rumo aos problemas que uma poética deve encerrar”.
Jardel Dias Cavalcanti e Ronald Polito, em Digestivo
Cultural
“O autor olha para os conturbados episódios dos dias atuais
como acontecimentos do passado. Faz do distanciamento uma lente de lucidez que
abraça todas as possibilidades do pensar e do sentir”.
Marcos Losnak, Folha de Londrina
“O poeta envereda por uma certa linha de ação, não se
impedindo idas à história da literatura, nem à atualidade, inclusive pandêmica,
nem à vida interior. Há versos maravilhosos, num outro poema, sobre as relações
da vida com as palavras...”
Leda Tenório da Motta
“Poesia honesta e da melhor qualidade, com textos que ao
mesmo tempo confrontam, afligem e atraem – como as efêmeras e concretas e
enigmáticas ondas do mar”.
Luciano Trigo, Gazeta do Povo
“Especialmente em tempos de pandemonium e pandemia, seu
enigma em forma de onda nos leva a realizar o melhor aéreo reverso da
sensibilidade. [...] Uma onda é um monumento momentâneo. Mas O enigma das ondas
durará”.
Vitor Ramil
“Um convite corajoso, o da existência e persistência da
poesia em tempos tão sombrios”.
Diana Junkes, Revista CULT
“Um dos grandes livros da década, e não apenas de poesia”.
Adalberto Muller
“Um momento alto da poesia brasileira recente".
Samuel Leon
“Li o novo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes. Pela
pegada, pelo que falam os poemas desse nosso momento de caos (mostrando que a
poesia pode falar de tudo), por seu lirismo transcendente, é já (na minha
opinião) um dos melhores livros de poesia do ano, se não for o melhor (acho que
sim). Faço minhas as palavras do grande compositor Vitor Ramil sobre "O
Enigma das Ondas". Leiam e supreendam-se!
Maurício Arruda Mendonça
“Por ironia, a obra consolidada em tempos de isolamento
severo é seu trabalho com mais vasos comunicantes. [...] Importa saber que O
enigma das ondas é filho admirável de uma Idade de Trevas”.
José Carlos Fernandes, Revista Pinó
https://revistacult.uol.com.br/home/rodrigo-garcia-lopes-uma-leitura/
Revista CULT:
Poesia, doa a quem doer: uma leitura de ‘O enigma das ondas’, de Rodrigo Garcia Lopes
1.
Diana
Junkes
O enigma das ondas,
de Rodrigo Garcia Lopes, recém-publicado pela Iluminuras, traz ao
leitor um convite corajoso, o da existência e persistência da poesia em tempos
tão sombrios. Mais que isso, sem deixar de doer, sangrar e denunciar as mazelas
que nos assolam no tempo presente e mesmo as históricas, há uma profunda
reflexão sobre o tempo, sobre o amor e o silêncio, perpassando a obra, ocultos
nas ondas, em seus ouvidos invisíveis que nos ouvem há milênios, e nos devolvem
em seu murmurejo constante, a nós mesmos, mas que um sentido, os sentidos, a
visão, o olfato, o paladar, o tato e, claro, a audição, a voz. É o que sugere o
poema que encerra o livro e dá título a ele, “Enigma das ondas”:
[…]
Sei que as ondas nos escutam (falando,
sozinhos nas praias, cegos a seus acenos)
há milhares e milhares de anos
com uma paciência que não temos.
Sei que sob a lua, exaustas, confessam,
quando recuam, mudas, em poças,
e cumprem sua líquida promessa:
A língua que falam é a nossa.
Essa língua falada e ao mesmo tempo inaudível aos
ouvidos insensíveis não é outra senão a própria lalangue,
que como ensina Haroldo de Campos em O afreudisíaco Lacan na galáxia de lalíngua, é a língua do inconsciente tensionada em função
poética, materialidade pura feita de palavras que performam a si mesmas, ainda
quando o poeta as renega para encontrar sabiamente o amparo solidário do
silêncio. Solidão e silêncio são companheiros inseparáveis em muitos dos versos
de Garcia Lopes. Mas engana-se quem espera dessa conjunção entreguismo ou
tristeza. Solidão e silêncio são parte da subjetividade poética, constituem-na
e por ela são constituídos, engendram versos, orquestram enjambements. Talvez
arriscasse dizer que entre tantos, aí está um leitmotiv caro ao livro todo.
O enigma das ondas,
diz Vitor Ramil, na quarta capa, “nos leva a realizar o melhor aéreo reverso da
sensibilidade”. E é disso que se trata também quando se fala da coragem. Em um
mundo mesquinho e pautado pelas mentiras, mais ainda do que pelo que talvez se
chama “pós-verdade”, a que um poema do livro se refere, a sensibilidade deve
nos manter vivos, atentos, destemidos. Não sentir não é uma opção. Isso nos
ensina O enigma das ondas,
mais que um aprendizado da experiência, é um aprendizado da escuta, da partilha
e da interrogação da experiência, seja pela via mais lírica, seja pela via do
humor ou da ironia, expedientes que o poeta maneja com maestria. Diz Silviano Santiago na apresentação que “A
página em branco é uma onda vivaz e espumosa, a caminho do túnel”; e o túnel
somos nós, leitores, por onde a palavra penetra sutilmente, abruptamente, sob o
murmúrio das ondas ou dos vagalhões. É também a poesia, seu acesso, seu exílio
em si ao mesmo tempo que arraigada na história, na memória e nas utopias, na
“Vontade de crer”:
[…]
Acabou a caneta, o vinho tinto.
O esplendor será secreto.
O espelho nunca esteve tão sozinho.
Mas tudo vai dar certo.
Aqui, a vontade de crer se afirma em “tudo vai dar
certo”, à primeira vista, mesmo considerando certo acento irônico; as rimas
toantes e, claro, o equilíbrio que engendram rimas nas últimas palavras dos
versos, ainda sonham com um mundo apolíneo, não pela ordem e pela perfeição, as
rimas toantes são imperfeitas, mas um mundo em que o diálogo prevaleça – as
rimas toantes são a figurativização do diálogo no poema, pois em sua diferença,
harmonizam. E já nos ensinou Walter Benjamin, em A crítica da violência que onde há entendimento, não há crueldade. As
rimas toantes, neste poema, mostram que a diferença é também o laço, o lastro
que reitera que tudo vai dar certo, são por assim dizer, o próprio
entendimento.
Nas quatro seções do livro, a saber, língua, pandemonium, mentis, loci a sensibilidade provoca fraturas e suturas,
um mergulho sob as ondas imensas do insondável, da crueza e da vileza, mas
também do amor, e esse me parece um aspecto que merece ser elucidados, já que a
crítica – bastante volumosa, para um livro que acaba de nascer – vem
apontando outras praias para a leitura. Vou, portanto, neste exíguo espaço da
coluna, ater-me a um poema em que esse tema salta aos olhos.
Rimas pobres
Dar
o que ninguém quer
Querer
o que não se pode dar
Amar
doa a quem doer
A pobreza das rimas reverbera no jogo de
contradições entre as estrofes, não por acaso, dísticos. É assim que o
sujeito lírico articula o grande desencontro do amor, pelo encontro dos versos,
pela valsa dos versos. Uma equação, a do amor, para a qual não há solução a não
ser amar, a despeito de tudo, “doa a quem doer”. De algum modo, e extrapolando
os sentidos para além do poema, ou seja, refletindo a partir do que ele convida
a fazer, a poesia talvez coubesse nessas “rimas pobres”, de certo modo ela é o
que ninguém quer, como acesso ao sentido e não como sentido em si, não oferece
pausas ou refrescos, é um ponto de impossível ao mesmo tempo que abre tantas
possibilidades. Em um mundo cinza, agreste, de tanta incompreensão, o enigma é
a poesia em si, sua força, seu poder de revolver entranhas, mudar o curso das
marés, doa a quem doer.
DIANA JUNKES é
poeta, crítica literária e professora da UFSCar. Escreve mensalmente a coluna
“Musa militante”.
Resenha de "O enigma das ondas", publicada hoje em Gazeta do Povo:
***
DA POLÍTICA À COVID-19, POEMAS ANCORADOS EM UMA ESTRANHA REALIDADE
Luciano Trigo
O escritor, compositor, tradutor e jornalista londrinense Rodrigo Garcia Lopes está lançando pela editora Iluminuras seu sétimo livro de poesia. Laboriosamente escrito desde 2015, “O enigma das ondas” reúne 91 poemas e se divide em quatro partes.
A primeira, “lingua”, reúne poemas metalinguísticos, que refletem sobre o ato criativo e o fazer poético, mas também sobre aspectos mais concretos da atividade literária, como a dinâmica social do meio e os caprichos do mercado, sempre pronto a exaltar mediocridades convenientes (“Em lugar de poesia eu trago a pose/ (o que você achou que fosse?)/ Não importa ter algo a dizer// Eu quero a poesia gourmet”).
São poemas que, de certa forma, registram o duplo embate do escritor com as palavras e com a realidade – poemas que nascem do atrito entre as duas (“O mundo passa/ pela janela da palavra/ para tocar a realidade”; “Saiam da frente, palavras” etc) e estabelecem pontes sempre efêmeras entre as duas. Brincam, também, com questões teóricas como a “morte do autor” (“Agora temos um problema:/ quem vai assinar este poema?”)
O poema de abertura, “Aéreo reverso” faz um uso inventivo (ainda que não exatamente original) do espaço da página para estabelecer um paralelo entre as atividades de surfar e escrever: a linguagem como mar, que exige habilidade, sorte e coragem. Já a série de epigramas reunidos em “Short cuts” demonstra o talento do autor para a sátira afiada em instantâneos repletos de ironia.
Na segunda parte, “pandemonium”, Rodrigo Garcia Lopes usa a poesia como comentário e crítica política sobre a realidade brasileira (“Para toda maioria silenciosa/ há uma minoria tagarela”), incorporando alguns poemas escritos após a eclosão (e na reclusão) da pandemia de Convid-19. São poemas que têm um sabor de crônica e um sentimento de urgência, ao mesmo tempo serenos e angustiados, como “Vontade de crer” (“Patifes e assassinos por toda parte/ Hipócritas ditam o que é correto./ Só nos resta o agora, esta arte:/ Tudo vai dar certo”) – ou o longo “Pandora”, inspirado pela pandemia e transcrito no final desta resenha.
A terceira e a quarta partes, “mentis” e “loci”, reúnem poemas mais introspectivos, reflexivos e oníricos, que dialogam com um vasto repertório de estilos e tradições poéticas e demonstram a habilidade técnica do autor. A propósito de sua aparente ausência de lealdade a um estilo, o autor declarou em entrevista recente: “Cada poema é uma aventura, a forma aparece no momento da escrita: a forma encontra o seu poema e o seu instante”.
A ilustração da capa evoca a gravura famosa do artista japonês do século 19 Kanagawa, que mostra uma onda monstruosa prestes a engolir alguns barcos. Essa expectativa de algo trágico congelada no tempo, no registro de um instantâneo da realidade, é um sentimento recorrente na leitura do livro. Embora apresente aqui e ali poemas mais fracos (porque mais fáceis), como “Mobydick” e “Tango”, que não fariam falta se excluídos do volume, “O enigma das ondas” traz poesia honesta e da melhor qualidade, com textos que ao mesmo tempo confrontam, afligem e atraem – como as efêmeras e concretas e enigmáticas ondas do mar.
Leia abaixo o poema “Pandora”, de Rodrigo Garcia Lopes:
Pandora
Pânico, pandemia, pandemônio:
é o inimigo invisível, é o novo demônio,
é a face coberta por um pedaço de pano,
é o humano reaprendendo a ser humano.
É uma carreata de caixões pelas ruas de Turim,
é o translúcido azul do céu de Pequim.
É o papa rezando na São Pedro deserta,
são as águas transparentes dos canais de Veneza.
Parece que faz tanto tempo que tudo aconteceu,
presos no labirinto com Minotauro e Teseu.
Legiões de desempregados em Teerã, São Paulo, Paris.
As calçadas de Guayaquil estão cheias de cadáveres.
Estão pregando tapumes nas fachadas.
Todas as fronteiras foram fechadas.
Os médicos e coveiros estão exaustos.
Os jornais nem noticiam mais o holocausto.
São pilhas de corpos-números cobertos por um véu,
São poemas que jamais sairão do papel.
Os confinados batem panelas, invocam os magos,
pumas invadem as avenidas de Santiago.
É uma vida pulsando entre a pedra e a espada,
é o prenúncio de uma economia global robotizada.
São velórios e shoppings vazios, praias desertas,
é o começo de um renascimento, é o fim de uma era.
É o silêncio ensurdecedor e o medo de morrer,
é o tempo pra ler toda a obra de Shakespeare,
é a chance de ser o maior experimento
de controle social de todos os tempos.
É um exército branco higienizando as cidades,
é um planeta em quarentena por toda a eternidade.
É um homem que saiu do isolamento e nunca mais foi visto,
são fanáticos gritando O Vírus é o Anticristo.
São anjos em polvorosa sobre os céus de Berlim,
são amantes aprendendo a amar enfim.
Já ninguém ouve o que os agonizantes urram,
os metrôs voltaram hoje a circular em Wuhan.
É solidão compulsória, é um estado de sítio,
são coiotes vagando livres por San Francisco,
É uma flor desabrochando durante a tempestade
(pois quando tudo acabar talvez seja tarde).
É a solidão futurista da Times Square,
é o suicida alcançando um revólver.
São navios de cruzeiro proibidos de atracar,
são hospitais abarrotados em Milão, Rio, Dakar.
Pássaros continuam voando, geleiras caindo,
há um pôr do sol distante, solitário e lindo.
É viver entre as paredes dos parênteses
em reticências que se alongam como meses.
É o mundo inteiro em stand-by,
é o corpo lutando por ar.
***
Luciano Trigo é escritor, jornalista, tradutor e editor de livros. Autor de 'O viajante imóvel', sobre Machado de Assis, 'Engenho e memória', sobre José Lins do Rego, e meia dúzia de outros livros, entre eles infantis.**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
Rodrigo Garcia Lopes
O enigma das ondas é
o sétimo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, um dos mais instigantes e
inquietos poetas brasileiros que vem, desde os anos 80, construindo uma
sólida carreira literária, com vários títulos publicados por esta casa
editorial.
Rodrigo
Garcia Lopes traduziu Epigramas, de Marcial, O navegante (anônimo
anglo-saxão), Rimbaud, Whitman, Apollinaire, tendo apresentado as obras de
Laura Riding e Sylvia Plath ao leitor brasileiro. Também lançou um livro de
entrevistas com personalidades da arte e da cultura norte-americanas, um
romance policial, dois álbuns de canções e coeditou por doze anos a revista Coyote,
publicando poetas e prosadores brasileiros e do exterior.
O enigma das ondas
revela um poeta em plena maturidade, que reacende a força e a relevância da
poesia, mostrando que ela pode explorar em profundidade, e em registros
múltiplos, a realidade contemporânea e a existência. Em 91 peças, o volume traz
poemas líricos, políticos, críticos, satíricos e reflexivos.
Seus poemas enfrentam o mundo
esteticamente e exibem uma urgência vital em nossos tempos turbulentos, como em
“Selvageria”: “No fim o desembargador era o chefão de uma milícia assassina / E
o incêndio na favela celebrado com fuzis e buzinas. / Mais cadáveres encontrados na lama da barragem / E o coronel torturador ganha
mais uma homenagem [...]”. Ou momentos líricos como “Na praia,
junho”: “[...] os olhos bordejando as ilhas distantes / antes mastigaram o
nevoeiro / nossos corpos satisfeitos e ainda quentes / lendo as pistas que os
detetives noturnos não seguiram / os pés imprimindo em sua passagem /
a sensação de uma vida acontecendo / limpa como a areia após a onda”.
Poesia como
investigação, aventura da palavra, forma de conhecimento do mundo.
Pela abrangência de
questões, pelo esmero estético, O enigma das ondas é um momento
alto da poesia brasileira recente.
Samuel Leon
152 páginas | 15,5x22,5
ISBN: 978-6-555-19048-9
R$: 53,00
Já em pré-venda na loja virtual da Editora Iluminuras com 40% de desconto:
https://www.editorailuminuras.com.br/o-enigma-das-ondas