terça-feira, outubro 28, 2014

Resenha de O TROVADOR na Revista PESSOA



O TROVADOR NA LINHAGEM POLICIAL
PAULINO JÚNIOR


      Não se pode declarar que um romance policial foi executado e sair impune. Gêneros narrativos bem demarcados, tal como a ficção científica e o terror, exigem mais do que a prestação de homenagem para ser levados a cabo. Não basta polvilhar uma história com trivialidades do gênero para dar conta das aparências. E isso sob o risco do pretensioso escritor cometer uma obra, em vez de concebê-la.
      Rodrigo Garcia Lopes assume esse compromisso em O trovador, romance de 406 páginas recém-lançado pela Editora Record. Há as mulheres voluptuosas, os tipos durões, uma galeria de personagens de caráter duvidoso, os crimes, o mistério e o detetive. No entanto, há o algo a mais que legitima a condecoração de “romance policial”.
       Londrina é a cidade que encerra os pecados capitais dos personagens, com participação especial da vizinha Rolândia, e coadjuvantes estrangeiras como a nebulosa Little Tew e a solene Londres. Amplitude geográfica que se estabelece pela ligação entre a cidade no norte do Paraná e a empresa responsável por sua construção, a britânica Parana Plantations Limited. Ficção policial que não tenha mazelas, trapaças e crimes hediondos ligados a grandes interesses econômicos e políticos, não se dá ao respeito. Portanto, O trovador traz um mote convincente para deslindar temas como colonialismo, exploração agrária e negócios escusos com peso na política internacional.
        O ano é 1936 e o núcleo central dos personagens é calcado em pessoas reais com destaque na fase embrionária da cidade de Londrina. Praticamente a cada página o romance revela o quanto o autor precisou se debruçar sobre livros, documentos e registros históricos para elaborar mais que um pano de fundo e trazer a atmosfera de uma cidade sendo erguida. Em algumas passagens isso aparece até com certo didatismo que não se integra muito bem à trama – típico dos “romances históricos”, que, na preocupação de construir a paisagem de época, terminam exibindo apenas quadros decorativos.
        Em contrapartida, justamente no tocante às descrições no desenvolvimento da trama que o autor acerta a mão. Um componente indispensável na argamassa narrativa do romance policial é a apresentação de cenários e descrições dos personagens, físicas e gestuais, que faz com que o narrador guie o leitor ao ponto de transformá-lo em testemunha ocular. Eis o caminho tênue e tenso para o escritor que requer sua inscrição no gênero policial. O controle entre a precipitação e a morosidade no deslocar das peças no tabuleiro, fazendo com que o leitor/espectador se sinta cúmplice e parceiro do detetive, é o atestado da bem sucedida narrativa de suspense.
         O título da obra – O trovador – também é digno de nota. Simples e emblemático, disfarça o criminoso e coloca a poesia para orbitar o centro da trama. Não menos sugestivo é o personagem que faz a vez de detetive, um tradutor. Adam Blake precisa decifrar a mais complexa pista que um assassino meticuloso poderia reservar: um poema creditado ao poeta provençal Arnaud Daniel. Vale lembrar que Rodrigo Garcia Lopes é poeta reconhecido e tradutor de poesia, portanto, não é por acaso que alude ao ofício que precisa aliar intelecto e intuição para desvendar o sentido por detrás das palavras que se conluiem em versos.
          Também entrevejo no recurso à composição medieval outra referência que o autor se mostra caudatário. Trata-se de uma obra seminal no gênero policial moderno, O falcão maltês, de Dashiell Hammett, em que o artifício usado para agitar os personagens também é uma peça de arte, a estatueta do falcão, que vem a ser uma relíquia medieval. Inferências à parte, o recurso funciona muito bem para dar movimento e densidade à trama.
         Ainda que a princípio os personagens soem um tanto caricaturescos e exija certa disposição do leitor para aceitar a proposta do romance, com o decorrer da leitura, e já envolvido na trama, nota-se a acuidade do escritor em se abster de montar diálogos com a precisão mecânica de respostinhas afiadas na ponta da língua. Sim, há as tiradas espirituosas comuns ao gênero. No entanto, os personagens titubeiam, pensam, respiram, enquanto dialogam, em vez de regurgitarem frases prontas a soar como que saídas de um compêndio de citações. E isso mesmo quando a discussão é de teor erudito.
           Talvez eu devesse ter falado mais sobre o enredo, ter discorrido a respeito das vítimas, que têm passado obscuro e portam segredos que merecem… Enfim, tenho um cacoete que não me deixa esquecer que contar uma história é, sobretudo, um trabalho escrupuloso com a linguagem a partir da escolha das lentes. E, sob esse aspecto, O trovador está acima de qualquer suspeita.




Paulino Júnior é autor de Todo maldito santo dia (Florianópolis: Nave Editora, 2014).

quarta-feira, outubro 22, 2014

Sinopse de O TROVADOR, de Rodrigo Garcia Lopes (editora Record, 2014)


Londres, 1936. No escritório da Paraná Plantations, seu presidente, Lord Lovat, chefe de um dos mais famosos clãs da Escócia, recebe uma inusitada missão: viajar para Londrina, Brasil, a fim de descobrir o remetente de uma carta misteriosa contendo uma canção em provençal. Ao mesmo tempo, deve investigar um crime envolvendo dois funcionários da filial da empresa loteadora britânica, dona de 13 mil quilômetros quadrados das terras mais férteis do mundo. Uma série de crimes começa a acontecer no momento em que ele e seu ajudante, o tradutor-intérprete Adam Blake, pisam a terra vermelha. Em O Trovador, uma canção trovadoresca se torna a pista principal para um esquema que pode por em risco a segurança do Império Britânico. Romance policial cheio de ação, suspense e reviravoltas, além de apresentar recriação histórica e reconstituição de época, O Trovador tem como pano de fundo o imperialismo britânico e a saga do empreendimento que reuniu gente de várias partes do Brasil e do mundo em busca de um objetivo: começar vida nova e conquistar o "Eldorado".

O TROVADOR Rodrigo Garcia Lopes
Editora Grupo Editorial Record
406 p.
R$ 45

Sobre romances policiais - Jo Nesbo

"Os romances policiais tem algo de especial. Eles são como uma conversa íntima com o leitor porque, quando o leitor abre um romance policial, ele cria certas expectativas. Isso significa que, quando abre a primeira página, ele espera que você seja mais ou menos um ilusionista, então ele deve prestar atenção; e funciona quase como uma leitura interativa, em que você providencia o leitor com certas dicas. Eu gosto desse jogo – saber de verdade o que é esperado de você –; ter que, por um lado, atender às expecativas e, por outro, surpreendê-los. Penso que é muito desafiador – e gosto disso.

JOE NESBO


sexta-feira, outubro 17, 2014

"SOMOS PESSOAS" (Rodrigo Garcia Lopes, poema de Solarium, 1994)








somos

pessoas
estranhas

nem sabemos
que sonhos
que somos

esses
olhos
poucos

essas
folhas
secas?

esqueçam
fiquem
calados

somos
estranhos
no entanto

esta noite
dormiremos
lado a lado





***

rodrigo garcia lopes
poema de solarium (editora iluminuras, 1994)

sexta-feira, outubro 03, 2014

"O TROVADOR" NO SÃO PAULO NEWS

‘Pequena Londres’ é palco do primeiro romance de Garcia Lopes

The Burney
Por Redação *

Poeta e tradutor experiente de autores como Sylvia Plath e Walt Whitman, Rodrigo Garcia Lopes estreia no romance com O Trovador, narrativa de gênero polícia que remonta, ficcionalmente, ao período de colonização do Norte do Paraná, mais especificamente, na “fase inglesa” de Londrina.

A “Pequena Londres”, uma Babel erguida a partir dos anos 1930 em função da atividade e dos interesses econômicos da empresa britânica Parana Plantations Limited, é palco de um mistério que envolve figuras históricas e se desdobra em crimes aparentemente sem solução.

Uma canção trovadoresca paira sobre a trama como a poeira vermelha se levanta na região. Como sempre há algo de detetive no ofício de um poeta e de um tradutor, caberá a Adam Blake, tradutor e intérprete escocês, a solução dos enigmas.

Leia, abaixo, trecho do romance:


 — Companhia de terras? – perguntou.
Blake fez que sim.
— Da Inglaterra?
Blake balançou de novo a cabeça.
— Bem-vindo ao fim do mundo… Vai ver em que bela porcaria de cidade o senhor veio parar.
Blake riu.
— Não pretendo ficar muito tempo. Só vim resolver algumas coisas.
— É o que todos dizem. O jeito é se divertir. — A moça arrumou a mecha negra sobre os olhos e concluiu: — Bom, todo mundo é meio estrangeiro. A cidade é nova demais. O senhor fala português muito bem. O que faz da vida?
— Sou tradutor.
A moça continuou sustentando o olhar em direção a Blake. Parecia não ter entendido.
— Eu traduzo o que as pessoas falam ou escrevem — explicou Blake.
Ela deu uma tragada, soprando a fumaça para o teto.
— Ah, então é alguém que vive da palavra dos outros?
Blake fez um olhar surpreso para a moça e deu de ombros.
— Digamos que eu facilito a comunicação entre as pessoas que não falam a mesma língua.
A moça fez que entendia com um gesto de cabeça, bebericou o gim, passando a língua sob os lábios superiores. — Então veio pra cá para nada. Vai logo aprender que em Londrina só se fala uma língua.
— E qual seria?
A prostituta sorriu:
— Dinheiro.”



Trecho de "O Trovador", de Rodrigo Garcia Lopes (Record, 406 págs.)