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Um trovador perdido no tempo
O Trovador (Record, 406 páginas)
é o primeiro romance policial do escritor, músico e poeta Rodrigo
Garcia Lopes, paranaense com vários livros de poesia no currículo, além
de traduções de nomes de peso, como Arthur Rimbaud e Sylvia Plath.
Lançado no segundo semestre de 2014, a história é ambientada na cidade
natal do autor, Londrina, mas inserida no contexto de 1936, mesmo ano do
primeiro vôo do dirigível Hindenburg, na Alemanha, do nascimento de
Buddy Holly, de “Os Tempos Modernos” de Chaplin, e de “Os Crimes ABC” de
Agatha Christie.
A estrela
do livro não é um detetive ou policial, mas sim um tradutor. Adam Blake
é um escocês de cabeleira ruiva, com insistentes problemas de bebida
(vide Matthew Scudder, Philip Marlowe, Sam Spade, John Rebus), um tanto
atrevido e outro tanto hábil para arranjar confusão. A trama gira ao
redor de um poema provençal antigo, enviado anonimamente do Brasil para o
rei da Inglaterra, Eduardo VIII (que historicamente nunca foi coroado),
cujo teor preocupa não só o monarca como também o estadista britânico
Winston Churchill.
Como
funcionário da Paraná Plantations, empresa de capital britânico que
promove a venda de lotes e colonização da região, Blake aporta no Brasil
para investigar a autoria da mensagem que pode comprometer os
interesses do rei e de sua futura esposa, a norte-americana Wallis
Simpson. Ele ainda precisa descobrir o paradeiro de três funcionários
importantes da companhia de terras, que sumiram deixando para trás
rastros de sangue e pistas circunstanciais. Blake percebe que o enigma
associa a solução do caso aos versos da canção medieval, executada por
um perigoso trovador que está assassinando pessoas em Londrina. Resta
saber quem é o misterioso assassino.
Recheada
de frases obscuras e aparentes conspirações, a história conduz o leitor
por uma encantadora viagem pelo tempo. Envoltos na atmosfera do clima
quente, terra seca e poeira fina da “pequena Londres”, os personagens
descrevem os primeiros passos da cidade que, em 1936, já abrigava
filiais das lojas de varejo Casas Fuganti e Pernambucanas e servia uma
Antarctica gelada para os clientes do bar central. A cidade – que hoje é
a segunda mais populosa do Paraná – crescia desordenadamente dois anos
após sua fundação, cativando a atenção de toda espécie de aventureiro
que esperava encontrar naquele canto o Eldorado brasileiro.
Além de
abrir as portas para imigrantes europeus, a Paraná Plantations também
participava ativamente da estruturação urbana da região em rápida
expansão demográfica, apoiando principalmente interesses particulares do
negócio. Em plena era de mudanças políticas e sociais – o primeiro
aeroporto civil havia sido inaugurado naquele ano, e em 1937 Getúlio
Vargas instauraria o Estado Novo – as turbulências geradas pela política
pesada do nazismo de Hitler na Europa se faziam sentir também em solo
brasileiro.
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Terra vermelha e poesia
A
elaboração da pesquisa histórica feita por Lopes é um dos pontos fortes
do livro. No que se refere às descrições da Mata Atlântica ainda pouco
alterada, o leitor ganha uma aula de botânica praticamente a cada
capítulo, assimilando nomes da flora local como ipomeias, mangueiras,
araucárias, alamandas, cedros e perobas. A natureza poética das
descrições reafirma a qualidade estilística da obra, que pode soar
redundante no empenho de ratificar a vermelhidão da terra londrinense,
mas também cumpre a função metafórica de associar o clima ao vermelho do
sangue, das mortes e dos assassinatos brutais que ali acontecem.
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“O sol empilhava nuvens de ouro maciço sobre o horizonte vermelho”
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O personagem Adam Blake é marcado como “alguém que vive da palavra dos outros”, não tem uma filosofia de vida propriamente definida nem se vale de bordões ou frases de efeito – um dos poucos hábitos é limpar o suor da testa com as costas da mão. Em conflito pelo passado mal resolvido, doma demônios internos descontando na bebida, ao mesmo tempo em que tenta se reencontrar na vida. Ele cumpre o papel de detetive/herói alternando momentos de reflexão, ação e um tanto lúdicos, proporcionados pelo interesse em literatura e artes (com especial atenção para o belo poema A Pantera, de Rainer Maria Rilke).
O personagem Adam Blake é marcado como “alguém que vive da palavra dos outros”, não tem uma filosofia de vida propriamente definida nem se vale de bordões ou frases de efeito – um dos poucos hábitos é limpar o suor da testa com as costas da mão. Em conflito pelo passado mal resolvido, doma demônios internos descontando na bebida, ao mesmo tempo em que tenta se reencontrar na vida. Ele cumpre o papel de detetive/herói alternando momentos de reflexão, ação e um tanto lúdicos, proporcionados pelo interesse em literatura e artes (com especial atenção para o belo poema A Pantera, de Rainer Maria Rilke).
A
sensação de desconfiança cresce quando o protagonista vê-se suspeito de
um dos crimes, e obrigado a caçar o verdadeiro culpado para salvar a
própria pele. Todos tornam-se suspeitos em potencial, desde o sacerdote
da cidade, o inocente padre Braun (uma homenagem ao Padre Brown de GK
Chesterton?), ao topógrafo russo Razgulaeff ou o delegado Ubirajara
“Olhos de Águia”, policial com barriga em forma de barril que vive às
voltas com um chapéu-panamá rolando a cabeça.
O Trovador
anuncia uma trama bem costurada do começo ao fim e um trabalho de
pesquisa requintado e meticuloso. O final não deixa pontas soltas, e a
descrição da trama parece um roteiro cinematográfico, articulada para
situar o leitor no coração do enigma. É um dos melhores romances
policiais da safra nacional de 2014, e recomendado para quem procura
doses generosas de aventura e História.
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Título: O Trovadorx
Autor: Rodrigo Garcia Lopes
Editora: Record
Páginas: 406
Ano: 2014 SINOPSE
Romance policial escrito nos moldes de grandes narradores como Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, ‘O Trovador’ nos leva à Londrina dos anos 1930, cidade criada à imagem da capital inglesa. É lá que o tradutor Adam Blake e lorde Lovat, presidente da companhia de terras britânica Parana Plantations, buscarão a chave dos mistérios que se escondem nas entrelinhas de uma canção medieval. Rodrigo Garcia Lopes dá vida a aventureiros, estrangeiros de passado obscuro, trabalhadores sujos de serragem, fazendeiros engravatados e empresárias da noite, personagens que nos ajudam a desvendar uma série de assassinatos tem como pista a poesia. Um dos poetas mais consistentes de sua geração, Garcia Lopes prova, em sua estreia na ficção, ser um narrador completo. (Imagens: Site oficial Rodrigo Garcia Lopes, Creative Commons)
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