sexta-feira, março 30, 2007

O PORTAL


Eulho.


Olhar com as palavras.


Eutro.


O Muro de Fogo.


A Engolidora de Espaços, ELA, olhando-nos como uma tela branca.


Nuvens negras de dólares tóxicos, numa violenta fuga de capital,

sobre Tokio, Berlim, Wall Street.


O$ limite$ do difícil.


Dr. Ambíguo rolava pela velha estrada de areia, âmbar do sentido que quer ser.


Beco sem saída? Siga-me.


Hoje falei pessoalmente com o Presidente”, disse o Presidente.


Deixe sua mensagem após o bip.


Eu disse idéias, decidir nos dados, eu disse decidido até domingo.


Pássaros não são humanos, mas às vezes entendemos.


Ele disse: o inconsciente tem a estrutura de um sanduíche.


“Páre de se mexer”/ “O intervalo desta palavra”/ “Não consigo descrever”.


O que dizer dos sorrisos kamikazes das ondas-sintetizadoras?


Hum.


Elas também devem imaginar o que não sabemos.


O nascimento de uma nuvem?


Marco Aurélio, nas “Meditações”: “A vida não passa de uma opinião


O vento é uma idéia em movimento.



(Rodrigo Garcia Lopes, Polivox, Azougue, 2000)

"ALBA," DE EZRA POUND


ALBA


Quando o rouxinol pra sua amada

Canta o dia todo e a madrugada

Com minha amiga deito de mãos dadas

Sob folhas,

Sobre flores,

Até que da torre o sentinela

Berra:

“De , malandro, Vai!

Que eu vejo a jovem

Luz

E a manhã

Vem”





ALBA


When the nightingale to his mate

Sings day long and night late

My love and I keep state

In bower,

In flower,

Till the watchman on the tower

Cry:

“Up! Thou rascal, Rise,

I see the white

Light

And the night

flies”


Tradução: Rodrigo Garcia Lopes, 1985

quarta-feira, março 28, 2007

Pensamento do dia



"A arte sobrevive na civilização moderna mais como pequenas ilhas selvagens que foram preservadas para nos mostrar de onde viemos"



Claude Lévi-Strauss

Filme sobre poeta japonês estréia


Para quem quiser saber mais, o diretor
disponibilizou o trailer no site YouTube.

É só acessar


http://www.youtube.com/watch?v=UFkkNV77h28


http://www.youtube.com/watch?v=UFkkNV77h28.


A obra de Satori Uso também
pode ser encontrada no livro Polivox,
lançado pela editora Azougue.


Meg Yamagute/Divulgação
Curta-metragem rodado na cidade aborda a vida de Satori Uso









Vida de autor japonês fictício vira curta-metragem


O curta ficcional do cineasta Rodrigo Grota estréia no dia 24; obra representa primeiro patrocínio do Promic a filme produzido em padrão para sala de cinema

Da Redação

O novo curta-metragem do londrinense Rodrigo Grota é um documentário sobre a passagem do poeta japonês, Satori Uso, por Londrina, na década de 1950. Aqui, ele sofreu uma desilusão amorosa com sua musa inspiradora, e viajou para Nova Iorque, onde conheceu o cineasta americano Jim Kleist, que rodou um filme em sua homenagem, em Londrina, no ano de 1967. O filme, chamado “Isolation”, ficou inacabado, e são trechos dele que aparecem no curta-metragem, dirigido pelo cineasta londrinense Rodrigo Grota.

Parece uma história real, mas o poeta japonês e o cineasta americano mencionados não existem. Satori Uso é criação do poeta londrinense Rodrigo Garcia Lopes, que Grota utilizou para produzir “Satori Uso”. O curta estréia no próximo dia 24, no Cine Com Tour, em sua primeira exibição ao público. A sessão começará às 20h30, e a entrada é franca.

Antes da produção do curta-metragem, mais um susto com relação ao poeta japonês. Garcia Lopes publicou algumas poesias de Satori Uso, mais especificamente haikais, em uma coluna literária do jornal local onde trabalhava em 1986, ao lado de uma breve biografia do poeta ficcional. Tão bem-feita foi a criação, que até o escritor Paulo Leminski telefonou para Garcia Lopes, pedindo que Uso lhe fosse apresentado.

Após tomar conhecimento da ficção, pelo seu próprio criador, Rodrigo Grota resolveu produzir um filme sobre Satori Uso. Quando começou a trabalhar no curta-metragem, tudo o que ele tinha em mãos eram os haikais de Uso. “O material que Garcia Lopes me cedeu ainda não continha os conflitos do personagem. A partir dos haikais, que tratam, entre outros assuntos, de uma temática budista de respeito à natureza, criei os conflitos de Uso, o cineasta Jim Kleist, que faria o filme sobre sua vida, e sua musa, Satine”, explicou Grota. “O que fiz foi dar uma resposta visual aos poemas de Uso”, completou.

Com o curta, ainda é possível ter uma visão nostálgica da Londrina da década de 1950, com toda a sua riqueza proveniente da cultura cafeeira. Mas a essência da história, conforme Grota, é a luta contínua (de Uso) para desaparecer do mundo e em espírito, aos poucos, após a desilusão amorosa com Satine. “Por isso o curta apresenta planos mais longos, narrativas contemplativas, que correm bem suavemente”, disse. E um dos pontos fortes da produção é a fotografia, dirigida pelo paulista Carlos Ebert, que tem espalhados pela Europa e Estados Unidos trabalhos de seus 40 anos de experiência em cinema.

O projeto do curta-metragem teve patrocínio integral do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), da Secretaria de Cultura de Londrina, com um custo aproximado de R$100 mil, e foi produzido pela Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina). Foi o primeiro filme produzido em 35 mm (formato padrão para salas de cinema) pela Kinoarte e patrocinado pela Prefeitura de Londrina. E Satori Uso não termina por aí. Rodrigo grota promete mais dois curta-metragens, formando uma trilogia.

As três produções, por fim, acabam por fazer um panorama de Londrina da década de 1950 em “uma espécie de trilogia do esquecimento, destacando personagens que estavam ali na época, mas acabaram marginalizadas”. O segundo curta, previsto para começar a ser produzido em agosto, já tem patrocínio do Promic garantido e também será produzido pela Kinoarte. Dessa vez, a história será verídica: vai tratar da passagem do jazzman americano Booker Pittman pela cidade, no que vai se chamar “Mestre Buca”. Quanto ao terceiro curta, o cineasta londrinense preferiu manter mistério.
(Londrina, 14 de março de 2007)

quinta-feira, março 22, 2007

Robert Creeley: ou, a poética da respiração concisa


Um dos mais importantes poetas norte-americanos, Robert Creeley (1926-2005) privilegia em sua poesia a percepção refinada das coisas e dos ritmos da fala, que reinventam o cotidiano
Rodrigo Garcia Lopes
Não seria exagero dizer que Robert Creeley forma, ao lado de John Ashbery e Allen Ginsberg, o ataque da poderosa poesia norte-americana contemporânea, em toda a sua diversidade de experiências. Dos três, apenas Ashbery ainda está vivo. Nas últimas décadas, Creeley adquiriu o status de verdadeiro chef d'école, influenciando uma legião de jovens poetas e mudando hábitos de leituras e idéias sobre "o que é poesia". Um exemplo de como ainda é possível provocar deslocamentos dentro da tradição literária. É no mínimo surpreendente que sua obra, quase sempre residual, mínima (porém sem que isso se traduza necessariamente numa poética “rala”), e que questiona de forma tão incisiva a possibilidade mesma da poesia (crítica da linguagem), tenha se tornado tão popular nos Estados Unidos, ou pelo menos tão influente.
Nascido em 21 de maio de 1926, em Arlington, Massachusetts, professor na Universidade de Nova York em Buffalo, Creeley começou a ficar conhecido nos anos 50, como editor da "Black Mountain Review" -- revista da universidade alternativaperto de Ashville, na Carolina do Norte, liderada pelo poeta Charles Olson, e que reunia músicos como John Cage e filósofos como Buckminster Fuller. A primeira fase de sua obra, como em "For Love" (1962), revela a presença marcante de William Carlos Williams. Pode-se dizer que a poesia de Creeley é um aprofundamento do método e das preocupações presentes na obra de Williams e dos objetivistas. Porém, o “objetivismo” de Creeley é frequentemente interior. Isso é, ele tenta captar objetivamente – e compactar, muitas vezes “nas entrelinhas” -- estados mentais intensos subjetivos, bem como a complexidade de sua rememoração no instante em que é mediado pela linguagem poética. "I see as a write", escreveu Creeley ("Eu vejo enquanto escrevo". Como a poesia de Lorine Niedecker, a poesia de Creeley quer “pensar com as coisas tal qual existem”. Na observação precisa de eventos que, mesmo que banais, são sempre iluminados por sua percepção, feita de disjunções.
Apesar de praticante de gêneros de maior fôlego, os poemas de Creeley costumam ser breves e meditativos. Buscam a concisão possível, embora Creeley pareça reconhecer que concisão não é tanto uma questão de quantidade mas de qualidade (num poema, você pode ser "conciso" e não dizer coisa nenhuma). Em seus melhores momentos, Creeley obtém o máximo de expressividade com um mínimo de palavras. Esse laconismo, ao contrário do que possa parecer, não deriva de uma falta do que dizer, nem de uma incapacidade de ousar em outras “levadas” prosódicas. Antes, mais que marcada pelo lugar, é uma questão de temperamento. O próprio autor dá a dica: “Cresci numa fazenda. Tenho o senso de fala como um modo lacônico e comprimido de dizer algo a alguém. Dizer pouco sempre que possível”.
Eterno enquanto dure
O autor de "Pieces" (peças, pedaços) não aprecia muito a idéia difundida pelo senso-comum da vida (e da poesia) como algo contínuo. Seus poemas, vacilantes, parecem estar o tempo todo querendo incorporar o caráter fragmentário e residual da experiência poética. Por isso, parecem muitas vezes "incompletos". A intenção parece ser chamar a participação do leitor, dissolver a continuidade e o conjunto de imagens que normalmente "amarram" um poema. Não há fecho nem "eu" fixo. Creeley vale-se mais de fragmentos, de durações, feixes de sensações, do que emoções completas. Embora saiba que o ego muitas vezes representa uma barreira para a experiência, não parece ir tão longe a ponto de eliminar a subjetividade. Ao contrário: seus poemas demonstram a experiência de alguém que não vê separação entre linguagem e vida. Cada poema é o registro dessa articulação: “Muitos poemas meus vieram de um contexto difícil de se viver, por isso queria que a linha registrasse esse tipo de problema...uma linha truncada aqui, ou curta, parecendo quebrada, vindas de emoções algo quebradas”. Em outras palavras: nos melhores poemas de Creeley, a forma é sempre uma extensão do conteúdo (como ele mesmo escreveu), resultante do vacilo entre o som e sentido.
Marcante para sua formação poética foram os princípios estéticos do chamado "projetivismo" bem como a poesia beat, que adotavam formas poéticas mais abertas. A idéia adotada por Creeley é de que cada poema seja, via linguagem, uma espécie de mapa perceptivo, guiado pela "respiração" do pensamento.
A respiração interior -- o andamento musical e mental do poeta no momento da escrita e o impacto do que ele vê -- passa a ser a nova medida do verso. As pausas e cortes súbitos indicam suspensões da fala, e os deslocamentos sintáticos tentam expressar um mundo captado com a atenção “distraída”. Há a consciência de que cada poema é o registro de uma revelação e, como tal, irrepetível. "Creeley é o mestre da fala imediata e esse é o compasso de sua escrita" (Ed Dorn). Por ser corporal, esta medida está mais apta a captar as hesitações do pensamento, as relações com o outro e com o mundo, ao mesmo tempo em que reflete a busca obsessiva pela palavra precisa.
Mesmo que seja, às vezes, para dizer o que não pode ser dito: “e lá /estava, uma pequena/ delicada coisa, um/ tipo de pequeno/ nada”.
Nota.
1. Impossível deixar de apontar semelhanças entre o poema "Não", traduzido aqui, com um conhecido poema de Leminski: "Não fosse isso/ e era menos/ não fosse tanto/ e era quase”.


Poemas de Robert Creeley


SOME ECHOES

Some echoes,
little pieces,
falling, a dust,
sunlight, by
the window, in
the eyes. Your
hair as
you brush
it, the light
behind
the eyes,
what is left of it.

CERTOS ECOS
Certos ecos,
pequenas peças,
se depondo, pó,
brilho de sol, pela
janela, nos
olhos. Seus
cabelos enquanto
você os pen-
teia, luz
atrás dos
olhos,
o que ficou de tudo.


PHONE

What the words,
abstracted, tell:
specific agony,
pain of one so
close, so distant --
abstract here --
Call back, call
to her -- smiling voice,
Say, it's all right.


FONE

O que as palavras,
abstraídas, contam:
específica agonia,
dor de alguém tão
perto, tão distante --
abstrato aqui --
Ligue, outra vez
pra ela -- voz que sorri.
Diga, tá tudo bem.



LIKE THEY SAY

Underneath the tree on some
soft grass I sat, I
watched two happy
woodpeckers be dis-
turbed by my presence. And
why not, I thought to
myself, why
not.


COMO ELES DIZEM

À sombra da árvore sentado
sobre a relva macia, vi
dois alegres pica-paus as-
sustados
com minha presença ali. E
por que não, pensei
comigo, por que
não.




NIGHT IN NYC

Must be almost four,
light rain
in the city,
car slide past
as walking feet,
my own,
get me on it
years past now,
same place.


NOITE EM NOVA YORK

Deve ser quase quatro,
chuva leve
na cidade,
carros deslizam
como pés a esmo,
meus mesmo,
me levam junto,
anos depois,
mesmo lugar.



A STEP

Things
come and go.
Then
let them.


UM PASSO

As coisas
vêm e vão.
Deixe-as
então.



THE WARNING

For love -- I would
split open your head and put
a candle in
behind the eyes.
Love is dead in us
if we forget
the virtues of an amulet
and quick surprise



O AVISO

Por amor -- podia
partir sua testa e pôr
uma vela acesa
atrás dos olhos.
O amor é morto em nós
se se despreza
as virtudes do amuleto
e rápida surpresa.



PHOTO


They say a
woman passes at
the edge of the
house, turning

the corner, leaves
a very vivid sense,
after her,
of having been there.



FOTO



Dizem que uma
mulher ao passar
os limites da
casa, dobrando

a esquina, deixa
uma sensação vívida,
atrás de si,
de ter estado ali.



SOUND

Hearing a car pass --
that insistent distance
from here to there,
sitting here.
Sunlight
shines through the green leaves,
patterns of light and dark,
shimmering.
But so quiet
now the car's gone,
sounds of myself smoking,
my hand writing.


SOM

Ouço um carro que passa --
essa distância insistente
daqui ali,
sentado aqui.
Luz do sol
cintila entre folhas verdes,
desenhos de luz e sombra,
tremeluzindo.
Mas tudo quieto
agora que o carro passou,
sons da fumaça que solto,
mão que escreveu.


NO

No farther out
than in --
no nearer here
than there.


NÃO

Não menos longe
que dentro --
não menos perto
que além.



Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

(Do livro "The Complete Poems of Robert Creeley - 1945-1975", University of California Press, 1982)