terça-feira, julho 15, 2014

Resenha de "O Trovador" na Folha de Londrina


Sangue na terra vermelha
Marcos Losnak
Especial para Folha2

"O Trovador", primeiro romance do poeta londrinense Rodrigo Garcia Lopes, mergulha na história do nascimento da cidade
Description: rquivo FOLHA
A trama desenvolvida por Rodrigo Garcia Lopes abrange desde conspirações internacionais de grandes proporções até pequenos ressentimentos masculinos provocados por mulheres fatais
Description: eprodução

Muito pó. Muita lama. Barulho de machados e árvores caindo. Imigrantes de 33 etnias e de várias partes do Brasil. Som de martelos por todos os lados. Uísque escocês rolando em todos os bares. Família e faroeste. Igreja e bordel. Uma cidade sendo erguida por homens onde o bem e o mal se confundem.

Esse é o cenário escolhido pelo poeta londrinense Rodrigo Garcia Lopes para seu primeiro romance, "O Trovador", que acaba de ser lançado pela editora Record. A cidade de Londrina no ano de 1936, a frente de colonização criada pelos ingleses no sertão do norte do Paraná.

"O Trovador" é um genuíno romance policial histórico. Numa época em que a grande maioria dos ficcionistas do gênero aposta em novas formas e leituras, Rodrigo Garcia Lopes realiza o caminho inverso, volta à clássica forma dos romances ingleses de detetives da primeira metade do século 20.

Em suas páginas estão presente todas as ferramentas clássica do gênero: crimes misteriosos, pistas falsas, reviravoltas investigativas, homens durões, mulheres sedutoras, descrições metódica, mentes diabólicas, enigmas, segredos, estratégias e ambições. Elementos que se ajustam à época em que a história se desenrola.

Tudo começa quando, na Inglaterra de 1936, o inspetor Hugh Sinclair e o político Winston Churchill intimam o nobre lord Lovat a realizar uma viagem ao Brasil para saber o que está acontecendo em Londrina na Parana Plantations Limited (mas conhecida como Companhia de Terras Norte do Paraná), empresa de colonização britânica comandada por Lovat.

O fato é que um funcionário da empresa foi assassinado em Londrina e outros dois estão desaparecidos. E o episódio está ligado a uma correspondência misteriosa recebida pela majestade do trono britânico Eduardo VIII (o principal acionista da Parana Plantations): um poema provençal.

Assim Lovat segue para Londrina na companhia do jovem tradutor-intérprete Adam Blake. Percorrendo as ruas da cidade, os dois trombam com crimes cada vez mais enigmáticos e, a cada pista elucidada, um novo assassinato acontece.

A trama desenvolvida por Rodrigo Garcia Lopes abrange desde conspirações internacionais de grandes proporções até pequenos ressentimentos masculinos provocados por mulheres fatais. O cotidiano da cidade também aparece ao lado da arte da poesia, que no romance funciona como enigma a ser decifrado, uma arte que guarda a síntese de sentidos e acontecimentos.

"O Trovador" deixa transparecer que foi fruto de uma pesquisa histórica detalhada associada a uma boa dose de criatividade ficcional. As doses de ficção e fatos históricos dialogam entre si não apenas para desenhar a Londrina de 1936, mas também para oferecer uma visão mais diversificada da lenda do pioneiro bonzinho, honesto e trabalhador.

Tudo indica que haverá uma posterior continuação do romance. Mesmo com Blake elucidando assassinatos, tramoias e trambiques de grandes proporções, várias pontas ficam sem amarras, ficam abertas para novos fatos e consequências. "O Trovador" é um romance policial que sai do ambiente da terra vermelha para percorrer temas históricos universais.


SERVIÇO
"O Trovador"
Autor – Rodrigo Garcia Lopes
Editora – Record
Páginas – 406
Quanto – R$ 45
- Companhia de terras? – perguntou.

Blake fez que sim.
- Da Inglaterra?
Blake balançou de novo a cabeça.
- Bem vindo ao fim do mundo... Vai ver em que bela porcaria de cidade o senhor veio parar.

Blake riu.

- Não pretendo ficar muito tempo. Só vim resolver algumas coisas.

- É o que todos dizem. O jeito é se divertir. – A moça arrumou a mecha negra sobre os olhos e concluiu: - Bom, todo mundo é meio estrangeiro. A cidade é nova demais. O senhor fala português muito bem. O que faz da vida?

- Sou tradutor.

A moça continuou a sustentar o olhar em direção de Blake. Parecia não ter entendido.

- Traduzo o que as pessoas falam ou escrevem – explicou Blake.

Ela deu uma tragada, soprando a fumaça para o teto.

- Ah, então é alguém que vive da palavra dos outros?
Blake fez um olhar surpreso para a moça e deu de ombros.
- Digamos que eu facilito a comunicação entre as pessoas que não falam a mesma língua.

A moça fez que entendia com um gesto de cabeça, bebericou o gim, passando a língua sob os lábios superiores. – Então veio pra cá para nada. Vai logo aprender que em Londrina só se fala uma língua.

- E qual seria?

A prostituta sorriu:
- Dinheiro.

 
(Fragmento de "O Trovador", de Rodrigo Garcia Lopes)

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