quarta-feira, maio 20, 2015

TEMPOS DE CELEBRIDADE (poema de Experiências Extraordinárias, Kan, 2015)

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TEMPOS DE CELEBRIDADE



Carlos, na próxima encadernação
Nascerei filho de alguém famoso.
E então, como um cão raivoso,
Não largarei meu precioso osso.

Quem disse que é preciso ler,
Ter talento? Não seja ridículo.
Esforço é coisa de otário.
Meu sobrenome será meu currículo.

Vou escrever uns poemas fofos
Umas cançõezinhas ordinárias
Com uma certeza: o Brasil nunca saiu
Das capitanias hereditárias.



 *
rodrigo garcia lopes

sábado, maio 09, 2015

RESENHA DE " O TROVADOR" NO DIÁRIO CATARINENSE




Obra é o romance de estreia do escritor que tem experiência em traduções e poesia 

Thiago Momm



       Há alguns meses eu me devia a leitura de O Trovador (Ed. Record, 406 páginas, R$ 49), romance policial do paranaense Rodrigo Garcia Lopes lançado no segundo semestre do ano passado.

      A trama se desenvolve na Londrina dos anos 30. A cidade vivia uma época de “eldorado, babel e faroeste” com a colonização inicial orientada pelos ingleses (daí Londrina como “originária de Londres”). Tudo começou com uma empresa de terras criada por um tal Simon Fraser, o lorde Lovat. Aqui, realidade e romance coincidem. Estamos falando de figura e fatos históricos que foram parar nas páginas do livro, alterados por algumas tintas ficcionais.
 
       A ficção se torna o componente principal em outros aspectos. Lovat divide o protagonismo da história com o tradutor e poliglota escocês Adam Blake. Os dois vão até Londrina para desvendar um crime misterioso, conectado a um poema em provençal enviado ao rei Eduardo 8º. Outros crimes surgem, e a angústia para explicá-los com a dedução dos sentidos do poema se intensifica. Nesse aspecto, o romance evoca um pouco O Nome da Rosa, de Umberto Eco.

      A pesquisa histórica é um dos pontos mais fortes de O Trovador. O livro leva o leitor com naturalidade e profundidade para a Londrina e o contexto geral da época. O aspecto policialesco também se destaca: a trama é extremamente bem controlada, com muitos detalhes bem distribuídos, parecendo antes de um veterano que de um estreante no gênero (trata-se do primeiro romance de Lopes, embora ele seja um escritor de 49 anos experiente em traduções e poesia).

     As descrições me deixaram um pouco dividido. O talento poético de Lopes funciona de sobra para os cenários, mas a apresentação dos personagens paga tributos demais ao pastiche do gênero (quase todo personagem novo em cena ganha uma rápida caricatura física). Nada que destoe muito e que impeça o romance de ser um “page-turner”, um livro para ser lido sem pausas.

sexta-feira, abril 03, 2015

Resenha de O TROVADOR em O Globo


O Globo.
Caderno Prosa, 28.3.2015

Veracidade histórica em trama sedutora
Episódio real e pouco conhecido sustenta primeiro romance de Rodrigo Garcia Lopes
ELIAS FAJARDO

        Uma das principais características do romance policial, desenvolvido principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos a partir de 1930, é que o autor vai, ao longo do texto, distribuindo pistas falsas com o objetivo de criar suspense e iludir o leitor sobre a verdadeira identidade do criminoso. Rodrigo Garcia Lopes, poeta, compositor e tradutor, emprega com rigor esta regra em “O trovador”, seu primeiro romance, e a ela acrescenta uma rigorosa pesquisa histórica sobre a colonização do norte do Paraná, um episódio intenso e interessante da nossa história recente. Tema tratado também, aliás, pelo paranaense Domingos Pellegrini Jr. em “Terra Vermelha” (Editora Leya).
       A obra de Pellegrini Jr. é um romance histórico que mostra com intensa dramaticidade como a mata virgem foi avassaladoramente devastada para dar lugar ao plantio do café, e como os personagens foram se transformando neste processo violento. “O trovador” tem o mesmo cenário: a terra vermelha e farta onde as pessoas afundam no barro até os joelhos, a paisagem agreste onde os crepúsculos são longos e melancólicos, e também onde a ambição e a sedução do poder invadem a alma de ricos e pobres. A peça chave do enigma proposto por Rodrigo Garcia Lopes é um poema do autor provençal Arnaut Daniel, escrito num papel encontrado na boca de uma das vítimas de uma série de assassinatos misteriosos.
     A partir dos bastidores reais da década de 30 no Brasil e na Europa, “O trovador” desenvolve uma situação de ficção envolvendo empresas, autoridades e até membros da corte inglesa, entre eles o então rei Edward VIII da Inglaterra, simpatizante do nazismo e sócio de uma empresa britânica colonizadora no norte do Paraná. Neste cenário e numa época em que as comunicações não eram desenvolvidas como o são hoje, os personagens de ficção Lord Lovat, presidente da companhia de terras, e o tradutor e intérprete Adam Blake são enviados a Londrina para esclarecer a origem das mortes e a situação financeira da empresa. O que eles encontram é uma verdadeira Babel sertaneja, onde convivem e entram em choque etnias que vão dos europeus aos asiáticos, e onde não param de chegar advogados, militares, médicos, burocratas, artistas, fazendeiros, cientistas, agricultores e prostitutas vindos das regiões mais longínquas, seduzidos pelo sonho do enriquecimento fácil no novo Eldorado tropical.    
        Utilizando uma linguagem poética que lhe permite, entre outras imagens, comparar o halo em torno da Lua com o centro de uma pupila branca gigantesca, Rodrigo Garcia Lopes consegue sustentar por mais de 400 páginas uma trama rocambolesca, e ao mesmo tempo nos informar, com veracidade histórica, sobre um episódio ainda pouco conhecido no país.


Elias Fajardo é autor dos romances “Ser tão menino”, “Aventuras de Rapaz” e “Belo como um abismo”.

segunda-feira, março 23, 2015

"Experiências Extraordinárias " na Ilustríssima


ILUSTRÍSSIMA SEMANA
O MELHOR DA CULTURA EM 6 INDICAÇÕES


POESIA | RODRIGO GARCIA LOPES
Em "Experiências Extraordinárias", o poeta e compositor londrinense busca dialogar com poetas consagrados e lidar com questões da atualidade, como a violência na mídia. "linchada por um boato/ numa tarde de sábado/ mundo-barbárie// fabiane// ainda ergue a cabeça/ para um último olhar/ à multidão de agressores// filmando com celulares/ e smartphones", escreve ele no poema "Guarujá Salem".
Kan Editora | R$ 25 (104 págs.)


    sexta-feira, março 20, 2015

    IMPÉRIO DOS SEGUNDOS (de "Experiências Extraordinárias", de Rodrigo Garcia Lopes









    IMPÉRIO DOS SEGUNDOS




    Se eu fosse parar pra saber
    o sabor deste instante
    não iria jamais perceber
    do que é feito o durante,

    a carne de cada segundo,
    minuto de cada poente
    de que é feito este mundo,
    sangue, esperma, poeira,

    não ia jamais me lembrar
    da trama da tarde, museu
    onde moram as velhas horas,
    nem o duro rosto deste outro

    outono, matéria, mistério,
    nem a memória, esse mármore
    em fluxo, rugido em estéreo
    de uma incessante cachoeira.






    Rodrigo Garcia Lopes

    De Experiências Extraordinárias (Kan Editora)




    terça-feira, março 17, 2015

    "O Trovador" (The Troubadour) na Machado de Assis Magazine #6

    O conselho editorial da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução divulga a lista dos autores brasileiros selecionados para a nova edição da publicação, que será lançada no 35º Salão do Livro de Paris na próxima sexta, 20 de março.
    A nova edição terá excertos de livros de 22 autores, traduzidos para o inglês, espanhol e, excepcionalmente neste número, também para o francês. A publicação é uma iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional e do Itaú Cultural com o objetivo de difundir e estimular a publicação da literatura e da produção intelectual brasileira no exterior. Promove o acesso a textos traduzidos de escritores locais pelo mercado editorial internacional, ampliando assim, a visibilidade das obras brasileiras e potencializando as oportunidades de venda de seus direitos autorais no exterior.
    Após o lançamento, a revista ficará disponível para leitura e download no site www.machadodeassismagazine.bn.br, assim como estão seus números anteriores. Desde a primeira edição, em 2012, até janeiro de 2015, foram registrados 722.557 visitantes únicos e a realização de 44.611 downloads por meio do site. 
    A mesa de lançamento da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução nº 6 acontece no Stand do Brasil no Salão do Livro de Paris, com a presença do presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Renato Lessa; o diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do Ministério da Cultura, Jefferson Assumpção, e o escritor Fernando Morais, com mediação do editor da revista, Felipe Lindoso.

    segunda-feira, março 16, 2015

    BRÁULIO TAVARES RESENHA "O TROVADOR" (RECORD)

    Mundo Fantasmo: 3763) "O Trovador" (17.3.2015)


    Uma das histórias mais mal contadas do século 20 é a renúncia do Rei Edward VIII da Grã-Bretanha porque queria casar com Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada e (diziam os lordes ingleses) promíscua demais para ser rainha da Inglaterra. O Rei abdicou do trono, foi viver com ela e (diz a galera que não perdoa) foram infelizes para sempre.

    Uma das palavras mais misteriosas da literatura é “noigandres”, que aparece num poema do século 12 escrito pelo trovador provençal Arnaut Daniel, e cujo significado ninguém sabia. Depois de intermináveis discussões, há hoje um certo consenso de que a palavra na verdade são duas, “enoi gandres”, significando “antídoto contra o tédio” (já escrevi a respeito, aqui: http://tinyurl.com/kqqlzy6).

    Pegando estas duas pontas tão distantes (e mais algumas), Rodrigo Garcia Lopes escreveu um romance policial ambientado em Londrina nos anos 1930, quando a cidade do norte do Paraná estava vivendo um “boom” econômico, produzindo café, atraindo migrantes, devastando florestas de madeira de lei, fazendo fortunas. Lord Lovat, um dos sócios ingleses da operação, vem da Inglaterra para investigar acontecimentos estranhos na sua Companhia, e traz consigo Adam Blake, poliglota e tradutor, para ajudá-lo a lidar com japoneses, judeus, alemães, russos, etc.  Começa então uma intriga que envolve mortes misteriosas cometidas por um assassino que se intitula O Trovador, numa trama com ramificações que vão até a Inglaterra do Rei Edward e a Alemanha nazista.

    Rodrigo Garcia Lopes é tradutor (Rimbaud, Whitman, Apollinaire), compositor, co-editor da revista literária “Coyote”, poeta com um trabalho de vívida imaginação verbal e controle linguístico, que tem interfaces com a poesia “beat” de Wiliam Burroughs e Allen Ginsberg. O Trovador (Ed. Record, 2014) é um romance policial de narrativa clássica, retrato de época da colonização do Paraná, cheio de referências literárias que fazem parte essencial da história (em vez de serem apenas piscadelas para os eruditos). A chegada do detetive Blake a Londrina me lembrou, por mais de um motivo, a chegada do Blake interpretado por Johnny Depp àquela cidadezinha de faroeste no início de Dead Man de Jim Jarmusch.

    A reconstituição de época é verossímil, sem sobrecarregar a narrativa com longos nacos de pesquisa. Personagens fictícios e reais (Lord Lovat, Churchill, Elias Levy) se misturam numa narrativa com mistério detetivesco, ação e retrato histórico na medida certa. Não são frequentes os casos de autor igualmente seguro na poesia e no romance. R. G. Lopes, mais ousado no verso, demonstra na prosa segurança narrativa e domínio da estrutura do gênero.


    sexta-feira, março 13, 2015

    "Estúdio Realidade" (7Letras), de Rodrigo Garcia Lopes, lido por Paulo Venturelli

    ESTÚDIO REALIDADE
    Rodrigo Garcia Lopes
    7Letras      129 pgs.
    O início de Estúdio realidade é constituído por poemas enumerativo com pitadas surreais para mostrar a incomunicabilidade do mundo ou aquele fechamento que Bakhtin vê em todo poeta, quando este submete todas às vozes às suas necessidades enunciativas.
    Com um olhar para o cotidiano trivial como matéria de poesia, quando esta parece contaminada pelo tom  prosaico, Rodrigo Garcia Lopes tece uma poema cerebral, contido, sem nenhum derramamento por um lirismo úmido, discursivo, palavroso.
    Os versos às vezes são truncados para demonstrar o não-lugar da poesia no mundo e, neste sentido, o poeta lança mão de referências do universo barroco para evidenciar que o hodierno também se faz barroco em suas parafernálias tecnológicas:
    Sementes de sereno e fogo./ Licores fortes/que não preciso beber./ Isqueiro crepúsculo/ acende a sala de estar./ Centelhas secretam sua sede – / fermentam a espuma da primeira/ neve. Sol cereja olho vermelho,/ seu nome cravo no poente,/ devolvendo sombras.
    (…)
    lábios abrindo abismos seus carinhos/ entre silêncios/ celulares.
    Neste livro há construções míticas do homem, ao se mostrar que a grandeza só pode ser antiga, porque “hoje, nem mágoa: não se parece com nada.”
    O capitalismo é entendido como empreendimento seco, num poema em que o título contrasta com o corpo do mesmo. Ali, encontramos referência à Solombra, que nos lembra de Cecília Meireles e sua perseguição pela música pura, exercício que também MOVE o autor na sua busca intensa e materializada em versos despojados, a busca do enxugamento radical em versos cuja secura é umareprodução deste mundo árido em que todos estamos enfurnados. E é neste mundo que a poesia só pode edificar-se como texto cerebrino, sem a expressão do emocional:
    A eficiência empresarial e o gerenciamento de produtos têm sido/ umas das marcas de nosso empreendimento./ Você deve estar brincando./ Reflexos de carros se espreguiçam como gritos./ Mesmo?/ Pelo menos uma chance de que nuvens nos distraiam e deem as/ caras com uma contraproposta plausível para a ampla variedade de profecias.
    Na racionalidade que compõe os poemas, há espaço para considerações sobre o amor, a solidão, a ausência da primeira pessoa, substituída por você:
    você viveu tanto/ pra nada daquilo acontecer/ você apenas esperou/ o tempo da sua desgraça/ que era este/ rente a seus pés/ você amou tanto/ mas foi incapaz de deixar/ na pele da sua amada/ uma linha sequer
    Em “Words, swords” aparecem questões etimológicas sobre a palavra guerra. O homem confuso é o guerreiro. O título do poema se nivela a um voo rasante sobre problemas bélicos e a bestialidade que isto representa para o mundo:
    War vem de Werre,/ A forma do dialeto do norte/ Do francês antigo guerre./ Do latim medieval guerra./ Do germânico werra, luta,/ ‘discórdia, revolta, peleja’;/ usado também na base wers/ (origens da palavra inglesa worse, pior/ e da alemã wirren, confuso).
    Logo na página seguinte, vem uma reflexão metalinguística que se prolonga por vários poemas do livro. Com senso de economia e restrição ao que importa escrever, o autor nos entrega:
    Rimar é acordar os sons das sílabas,/ como da primeira vez, surpreendê-las/ em seu antro secreto: onde não estão./ Libertas dos sentidos, não sibilas/ nem escravas, instantes portáteis,/ Apaixonar esses frutos da fala,/ entrelaçados em seus ecos, em voo inverso (…)
    Também há filosofemas por meio dos quais se pensa a finitude, não só como destino, mas como condição primeira de nossos atos e nossos discursos, porque a cada palavra dita ou escrita morremos, deixamos de ser nós mesmos e passamos ao desafio de nos tornar outro:
    Apenas a sede de Não/ A derrota do Sim/ Será de nada/ Página virada
    O experimento do imagético, da espacialidade no branco da página aparece em “Litoral”, evidenciando um poeta inquieto com a própria forma de seus poemas. Quer ir além, quer pesquisar, quer encontrar outra modalidade para a sua escrita.
    Com ironia, reescreve o Eclesiastes em:
    Você bate na mesma tecla, repete/ aquele surrado clichê: não há nada/ de novo sob o sol. Mas quem garante/ que isto é real, não um conto de fada?//Nem tudo tem sido, como se tem ouvido,/ a mesma coisa desde o começo/ dos tempos. Não estou convencido./ Se há algo que não muda, desconheço.
    O tom bíblico se repete num poema globalizado: o mundo se despedaçando e o poeta a pensar no amor como um lugar. E isto é tudo como acordar, como consciência política. Se é muito cedo para ser manhã, um toque de lirismo, a  morte também surge como um quase tarde para ser agora. A vida segue e “descascamos a pele da paisagem” como um modo de atividade e resistência.
    À página 50, em itálico e sem título, surge outro momento metalinguístico, agora dirigido para a definição de poesia, como aparecem definições de língua e página mais adiante. Para o poeta:
    a poesia é uma/ estratégia de super-/vivência://na paisagem sépia/ pela mente debelada/ em tinta invisível/ é revelada// e pela voz revoa/ em lunissombras/ neste bosque voraz
    Deste modo, “não existem rimas pobres” porque tudo combina com alguma coisa. E o romântico contido pela construção cerebral vem nos dizer algo sobre a “rede que tuas pálpebras teciam”, em que fica declarado na voz feminina que “toda geração é tardia”, sendo os “morros azuis” derramados “na distância lápis-lazúli”. É o embate do poético com um discurso mais pormenorizado em que se cutuca o ciclo de gerações a fim de mostrar que todos equivalem a todos e que ninguém tem primazia sobre ninguém. A vida, enfim, é uma platitude de que nos salvam aqueles morros azuis pois além deles pode haver uma paisagem diferente desta aqui, além pode haver um magnetismo vital que já foi perdido aqui, na igualdade de todos por gerações e gerações.
    O mar é uma presença constante. Não como mera referência. É um princípio dinâmico, motor de poemas que deflagram uma contemplação outra ou motivação de “romance de aventura”. Simples. É este o trilho a nos oferecer o poeta para trafegar por suas páginas.
    No recenseamento de utopias e paraísos terrestres, a conclusão borgeana de que o único é aquele que foi perdido, o poeta mostra-se cético, largando para trás seus sonhos de juventude, enquanto na maturidade conserva a única utopia possível: fazer poemas com régua de cálculo para evitar o derramamento e o lacrimal, tão presentes em nossa tradição lírica.
    Se as utopias acabaram para o poeta, há espanto diante da vida e ele é o próprio biógrafo e tradutor da vida a quem só tem “como pagar” com sua “cota diária de espanto (…)”.
    Nas circunstâncias do mundo moderno há lugar para o mito: Afrodite, e na velocidade que nada contém, “tudo acaba em twitter”, o que encena o drama de todo poeta, já que a poesia exige vagar, exige bom espaço de tempo para ser degustada como um código secreto que só é desvendado pela inteligência partícipe, co-autora do leitor.
    À página 104 damos de frente com “Romance policial”, com morto e detetive, quase um conto de mistério,noir. É a voz imperiosa de  alguém que se repete em outros textos, mostrando o desafio de interagir com outros gêneros banais e cinematográficos, produtos do mercado que se garantem em popularidade que a poesia, por sua própria natureza entranhada em si mesma, nunca alcança:
    A lanterna da lua banhava o morto./ No rosto do detetive, nenhum sopro/ A não ser o ar pesado do mangue, o corpo/ Caído, espesso sangue, e o pouco/ Dito pelo policial com cara de mau/ Que agora segurava um castiçal/ Interrogando a loira de olhos negros/ Que trabalhava para um restaurante grego/ Da grana e dos bilhetes estranhos no porta-luvas (…).
    Mesmo que nossa visada seja rápida e parcial, podemos constatar que Rodrigo Garcia Lopes faz uma poesia com quase ausência de um eu lírico contundente. Seus poemas ganham em textualidade, numa ação em que a escrita se circunscreve à reflexão, com aforismos surpreendentes a tirar o eixo confortável do leitor. Escreve sobre temas que vão da cultura americana (a grande solidão) até o pensamento cortante sobre poema, linguagem, prosa etc. A performance do autor se dá na justa medida da contenção. Os poemas, em sua maioria, são arenosos, no sentido de obrigar o leitor a não criar empatia e sim manter um distanciamento crítico para refletir, porque o poeta não quer sentimento. Em lugar deste, pensamento, nesta época de marionetes dos meios de comunicação e argumento de consenso em que é muito raro alguém elevar a voz em meio à passividade geral, todos de cabeça baixa dizendo sim. O poeta ergue seu discurso, acorda o anestesiado e o convoca para “24 aforismos sobre poesia”.  Ali o didático não tem vez. Ergue-se a provocação a sacudir o solo comum de qualquer leitor.