EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA SALIENTA A
POÉTICA DE WALLACE STEVENS
O IMPERADOR DO SORVETE E OUTROS POEMAS
ÓTIMO
AUTOR Wallace Stevens
SELEÇÃO,
TRADUÇÃO E NOTAS
Paulo Henriques Britto
EDITORA
Companhia das Letras
QUANTO R$ 49,90 (336 págs.)
RODRIGO
GARCIA LOPES
Especial
para a Folha
O presidente da companhia de seguros
comentou, quando seu vice estava no hospital, ao saber de seu bom humor com as
enfermeiras: “A menos que me dissessem que ele tinha sofrido um problema
cardíaco, eu jamais saberia que ele tinha coração”. Poucos colegas sabiam que,
nas horas livres, aquele executivo workaholic, reservado, meio antipático, se
transformava num mago das palavras, um exuberante artífice do verso. Era Wallace
Stevens (1875-1955), um poeta capaz de causar, em muitas peças, aquela emoção e
assombro que só sentimos diante das grandes obras de arte.
Sua poesia volta a circular entre nós com
O Imperador do Sorvete e Outros Poemas, em
competente tradução de Paulo Henriques Britto. Trata-se de uma edição revista e
ampliada de Poemas (1987). Há décadas
indisponível, o livro foi pioneiro ao introduzir no Brasil a obra de um dos
grandes nomes da poesia modernista americana. Britto acrescentou 16 novos
poemas aos 20 da primeira edição. Sua seleção ficou mais robusta e
representativa das várias fases de sua escrita. Dos poemas imagistas e
exuberantes de sua obra-prima “Harmonium” (que marca sua estreia tardia em
livro, aos 44 anos) temos a inclusão de joias como “Peter Quince ao Cravo”,
“Tatuagem” e, sobretudo, “O Homem de Neve”. Seus poemas longos e meditativos
estão representados em peças como “A Ideia de Ordem em Key West”, “As Auroras
Boreais do Outono” e “Apontamentos para Uma Ficção Suprema”. Além de trazer
notas, a seleção contempla alguns poemas secos e crípticos do último período
(como “Meramente Ser” ou “Ao Sair da Sala”) e três não reunidos em livro pelo
autor. Em muitos casos as revisões foram pontuais, fazendo os poemas ganharem
em beleza e precisão (“Caso do Jarro”). Já o misterioso poema-título recebeu
uma revisão geral: dos 16 versos, 10 foram retraduzidos. Britto, como brilhante
poeta e tradutor que é, se sai muito bem da tarefa de transpoetizar para o
português o virtuosismo verbal, imagístico e rítmico deste mestre da logopeia,
“a dança da inteligência entre as palavras”.
Uma chave para o leitor entrar no
universo de Stevens é ter em mente que um de seus temas favoritos é a relação
entre a realidade e a imaginação. Ambas se expandem e se fundem quando
articuladas pela “suprema ficção” da poesia e sua força ordenadora. É o que
ocorre em muitos poemas, como “Tatuagem”: “A luz lembra uma aranha. / Caminha
sobre a água. / Caminha pelas margens da neve. / Penetra sob as tuas pálpebras
/ E espalha ali suas teias – / Duas teias. // As teias de teus olhos / Estão
atadas / À carne e aos ossos teus / Como a um caibro ou capim. // Há filamentos
de teus olhos / Na superfície da água / E nas margens da neve”.
Embora seja considerada hermética e
solipsista (não haveria nada além do mundo que o “eu” fabrica), a obra de
Stevens é um convite à aventura e às descobertas que a investigação poética do
mundo pode proporcionar. Como ele nos provoca, no magistral “O Homem do Violão
Azul”: “Jogue fora as luzes, as definições. / Diga o que você vê na escuridão”.
Rodrigo Garcia Lopes é poeta,
romancista e tradutor, autor de O
Trovador (Record, 2014), Experiências
Extraordinárias (Kan, 2015) e Epigramas,
de Marcial (Ateliê, 2017).
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