EXPERIÊNCIAS
EXTRAORDINÁRIAS
Amador Ribeiro Neto
Rodrigo
Garcia Lopes (Londrina, 1965) é poeta, romancista, jornalista, compositor e
tradutor de Whitman, Rimbaud, Laura Riding, entre outros. Autor dos livros de
poesia: Solarium (1994), Polivox (2001), Nômada (2004), Visibilia (2005),
Estúdio realidade (2013). Experiências extraordinárias (Londrina: Kan, 2014) é
seu mais recente livro.
No ano
passado tivemos a oportunidade de comentar aqui Estúdio realidade. Concluímos a
coluna assim: “Sobram: prosaísmos e clicherias. RGL está devendo-nos um livro
de poesia”.
Pois o
livro esperado chegou. Não vou dizer que tenha sido uma surpresa. Eu já
conhecia, e até me habituara à qualidade da poesia de Rodrigo Garcia Lopes. A
decepção foi o livro lançado anteriormente.
Agora o
poeta volta à conhecida forma e dá-nos uma poesia cravada no melhor trabalho de
linguagem. Ele está tão bem que até poema de cunho filosófico ele faz. Com
admirável desenvoltura. Poesia e filosofia, sabemos, dificilmente se entendem.
Poemas que se dão no campo prioritário das ideias, poucas vezes não sucumbem ao
didatismo, ao panfletarismo ou à persuasão.
RGL sabe
safar-se destas armadilhas. As partes um e quatro, que abrem e encerram seu
livro, são um exemplo deste acerto. Cito “Império dos segundos”: “Se eu fosse
parar pra saber / o sabor deste instante / não iria jamais perceber / do que é
feito o durante, // a carne de cada segundo, / minuto de cada poente / de que é
feito este mundo, / sangue, esperma, poeira, // não ia jamais me lembrar / de
trama da tarde, museu / onde moram as velhas horas, / nem o duro rosto deste
outro // outono, matéria, mistério / nem a memória, esse mármore / em fluxo,
rugido em estéreo / de uma incessante cachoeira”.
Nas
quadras octossilábicas o poema insere uma reflexão heráclito-pessoana através
de versos ritmicamente bem estruturados. Poesia, filosofia e música unidas.
A parte
dois é formada por haicais absolutamente encantadores. A mão certeira capta
flashes do cotidiano em mínimas pinceladas de palavras. Aqui, o poeta recupera
haicais de Satori Uso, poeta nipo-brasileiro (1925-1885). Atentemos para este
ramalhete de pequenas ações cotidianas: “haicais, bitucas, recados / o acaso em
cada bolso / do casaco”. Ou esta macro reflexão num tiquinho de imagens: “nem
dentro, nem fora / neste canto do jardim / sou uma sombra de mim”. A palavra
“canto” funciona com substantivo e verbo. Como verbo, reverbera-se musicalmente
em “SOMbra”. O par dentro-e-fora reflete a imagem que se espelha no som.
Música, imagem e palavra: fina poesia.
Na
terceira parte diálogos são travados com autores como Horácio, Poe, Graciliano
Ramos, entre outros. Cito “Poetílica eliterária” com a observação “depois de
Drummond”: “O poeta do momento / cutuca com vara curta / o poeta em tempo
integral. // Enquanto isso o poeta fofo / assassina mais um poema”. E agora
“Homo literatus” com a observação “depois de Oswald”: “No mundo literário / A
prova dos nove / Não é nenhuma alegria / E vem com um receituário: / Não fala
que promove”.
Nos dois
casos o poeta faz uso feliz da paródia. No primeiro, enquanto “canto paralelo”,
na mesma ótica do poema do Drummond. No segundo, enquanto zombaria, a partir do
repertório antropofágico-oswaldiano.
Salve
Rodrigo Garcia Lopes e a volta de sua extraordinária poesia. Experiências
extraordinárias é um grande livro.
Publicado
pelo jornal CONTRAPONTO, João Pessoa-PB. Caderno B, coluna Augusta Poesia, dia
29.05.2015, p. B-7.
Nenhum comentário:
Postar um comentário