domingo, março 03, 2013

TODOS OS POEMAS, Paul Auster, resenha de Rodrigo Garcia Lopes

ILUSTRADA, FOLHA DE S.PAULO. 02/03/2013 - 04h42

Crítica: Edição brasileira soube verter complexidade rítmica de Paul Auster


RODRIGO GARCIA LOPES
ESPECIAL PARA A FOLHA


 
Ao abrir "Todos os Poemas", o leitor se depara com textos concisos, densos, enigmáticos. Nada da influência beat, por exemplo, nem dos confessionais, então em voga nos EUA.
O "lirismo abstrato" de Paul Auster é informado pela poesia de Emily Dickinson (1830-1886) e Paul Celan (1920-1970), entre outros.
O mérito da edição brasileira é a competente tradução, tendo Caetano Galindo sabido dar conta de traduzir a complexidade rítmica, imagética e sintática da poesia do americano. Não é tarefa fácil.

Thomas Samson/AFP
O escritor americano Paul Auster, que tem suas poesias reunidas em livro, em Paris
O escritor americano Paul Auster, que tem suas poesias reunidas em livro, em Paris
Auster escreve como um bom músico da linguagem, uma música sutil que investiga os dados imediatos da percepção. São poemas que tentam captar a tensão entre palavra e silêncio, mente e corpo, consciência e real.
À medida que seu estilo evolui e vai ficando mais solto, pintam surtos de narratividade, como em "Obituário no Tempo Presente" e "Busca de uma Definição". Muitos problematizam o próprio ato de fazer sentido do mundo.
Aos poucos, seu projeto poético austero parece entrar em crise, sucumbir à tentação da narrativa. A fé na linguagem poética como ferramenta ideal para captar a percepção passa a diminuir nos últimos livros.
Sua renúncia à poesia tem muito a ver com o caso da modernista Laura Riding (1901-1991), uma de suas influências. Ele mesmo explica: "Ela não renunciou à poesia devido a alguma insuficiência objetiva na própria poesia, mas porque a poesia como ela a concebia não era mais capaz de exprimir o que ela queria dizer. Ela agora sente que 'atingiu o limite da poesia'".
O texto-limite é "Espaços em Branco", ponte entre a poesia e a ficção. Auster tinha uma visão da poesia como sendo essencialmente monológica, ao contrário da narrativa, dialógica, habitada por múltiplas vozes e fantasmas, como se vê em sua prosa.
Quem sabe ele tenha descoberto, como ressalta Galindo, que "talvez seja apenas implodindo sua própria voz que um autor se transforme no coligidor de vozes que é o romancista". Melhor para nós, que ficamos com o Auster narrador sem perder o poeta. 


RODRIGO GARCIA LOPES é poeta, tradutor e compositor; está lançando o álbum "Canções do Estúdio Realidade"
 
TODOS OS POEMAS AUTOR Paul Auster EDITORA Companhia das Letras TRADUÇÃO Caetano W. Galindo QUANTO R$ 49,50 (352 págs.) AVALIAÇÃO ótimo

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