Crítica: Edição brasileira soube verter complexidade rítmica de Paul Auster
RODRIGO GARCIA LOPES
ESPECIAL PARA A FOLHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao abrir "Todos os Poemas",
o leitor se depara com textos concisos, densos, enigmáticos. Nada da
influência beat, por exemplo, nem dos confessionais, então em voga nos
EUA.
O "lirismo abstrato" de Paul Auster é informado pela poesia de Emily
Dickinson (1830-1886) e Paul Celan (1920-1970), entre outros.
O mérito da edição brasileira é a competente tradução, tendo Caetano
Galindo sabido dar conta de traduzir a complexidade rítmica, imagética e
sintática da poesia do americano. Não é tarefa fácil.
Thomas Samson/AFP | ||
O escritor americano Paul Auster, que tem suas poesias reunidas em livro, em Paris |
Auster escreve como um bom músico da linguagem, uma música sutil que
investiga os dados imediatos da percepção. São poemas que tentam captar a
tensão entre palavra e silêncio, mente e corpo, consciência e real.
À medida que seu estilo evolui e vai ficando mais solto, pintam surtos
de narratividade, como em "Obituário no Tempo Presente" e "Busca de uma
Definição". Muitos problematizam o próprio ato de fazer sentido do
mundo.
Aos poucos, seu projeto poético austero parece entrar em crise, sucumbir
à tentação da narrativa. A fé na linguagem poética como ferramenta
ideal para captar a percepção passa a diminuir nos últimos livros.
Sua renúncia à poesia tem muito a ver com o caso da modernista Laura
Riding (1901-1991), uma de suas influências. Ele mesmo explica: "Ela não
renunciou à poesia devido a alguma insuficiência objetiva na própria
poesia, mas porque a poesia como ela a concebia não era mais capaz de
exprimir o que ela queria dizer. Ela agora sente que 'atingiu o limite
da poesia'".
O texto-limite é "Espaços em Branco", ponte entre a poesia e a ficção.
Auster tinha uma visão da poesia como sendo essencialmente monológica,
ao contrário da narrativa, dialógica, habitada por múltiplas vozes e
fantasmas, como se vê em sua prosa.
Quem sabe ele tenha descoberto, como ressalta Galindo, que "talvez seja
apenas implodindo sua própria voz que um autor se transforme no
coligidor de vozes que é o romancista". Melhor para nós, que ficamos com
o Auster narrador sem perder o poeta.
RODRIGO GARCIA LOPES é poeta, tradutor e compositor; está lançando o álbum "Canções do Estúdio Realidade"
TODOS OS POEMAS
AUTOR Paul Auster
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Caetano W. Galindo
QUANTO R$ 49,50 (352 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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