segunda-feira, setembro 28, 2020

Lançamento (poesia): "O enigma das ondas", de Rodrigo Garcia Lopes

O enigma das ondas

Rodrigo Garcia Lopes


 



 

O enigma das ondas é o sétimo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, um dos mais instigantes e inquietos poetas brasileiros que vem, desde os anos 80, construindo uma sólida carreira literária, com vários títulos publicados por esta casa editorial.

Rodrigo Garcia Lopes traduziu Epigramas, de Marcial, O navegante (anônimo anglo-saxão), Rimbaud, Whitman, Apollinaire, tendo apresentado as obras de Laura Riding e Sylvia Plath ao leitor brasileiro. Também lançou um livro de entrevistas com personalidades da arte e da cultura norte-americanas, um romance policial, dois álbuns de canções e coeditou por doze anos a revista Coyote, publicando poetas e prosadores brasileiros e do exterior.

O enigma das ondas revela um poeta em plena maturidade, que reacende a força e a relevância da poesia, mostrando que ela pode explorar em profundidade, e em registros múltiplos, a realidade contemporânea e a existência. Em 91 peças, o volume traz poemas líricos, políticos, críticos, satíricos e reflexivos.

Seus poemas enfrentam o mundo esteticamente e exibem uma urgência vital em nossos tempos turbulentos, como em “Selvageria”: “No fim o desembargador era o chefão de uma milícia assassina / E o incêndio na favela celebrado com fuzis e buzinas. / Mais cadáveres encontrados na lama da barragem / E o coronel torturador ganha mais uma homenagem [...]”. Ou momentos líricos como “Na praia, junho”: “[...] os olhos bordejando as ilhas distantes / antes mastigaram o nevoeiro / nossos corpos satisfeitos e ainda quentes / lendo as pistas que os detetives noturnos não seguiram / os pés imprimindo em sua passagem / a sensação de uma vida acontecendo / limpa como a areia após a onda”.

Poesia como investigação, aventura da palavra, forma de conhecimento do mundo.

Pela abrangência de questões, pelo esmero estético, O enigma das ondas é um momento alto da poesia brasileira recente.

 

Samuel Leon




152 páginas | 15,5x22,5

     ISBN: 978-6-555-19048-9

     R$: 53,00

      Já em pré-venda na loja virtual da Editora Iluminuras com 40% de desconto:

https://www.editorailuminuras.com.br/o-enigma-das-ondas

 


quarta-feira, setembro 23, 2020

"Pandora", poema de "O enigma das ondas", de Rodrigo Garcia Lopes (lançamento editora Iluminuras)

Pandora

 

 



Pânico, pandemia, pandemônio:                

é o inimigo invisível, é o novo demônio,

é a face coberta por um pedaço de pano,

é o humano reaprendendo a ser humano.

É uma carreata de caixões pelas ruas de Turim,

é o translúcido azul do céu de Pequim.

É o papa rezando na São Pedro deserta,

são as águas transparentes dos canais de Veneza.

Parece que faz tanto tempo que tudo aconteceu,

presos no labirinto com Minotauro e Teseu.

Legiões de desempregados em Teerã, São Paulo, Paris.

As calçadas de Guayaquil estão cheias de cadáveres.

Estão pregando tapumes nas fachadas.

Todas as fronteiras foram fechadas.

Os médicos e coveiros estão exaustos.

Os jornais nem noticiam mais o holocausto.

São pilhas de corpos-números cobertos por um véu,

São poemas que jamais sairão do papel.


Os confinados batem panelas, invocam os magos,

pumas invadem as avenidas de Santiago.

É uma vida pulsando entre a pedra e a espada,

é o prenúncio de uma economia global robotizada.

São velórios e shoppings vazios, praias desertas,

é o começo de um renascimento, é o fim de uma era.

É o silêncio ensurdecedor e o medo de morrer,

é o tempo pra ler toda a obra de Shakespeare,

é a chance de ser o maior experimento

de controle social de todos os tempos.

É um exército branco higienizando as cidades,

é um planeta em quarentena por toda a eternidade.


É um homem que saiu do isolamento e nunca mais foi visto,

são fanáticos gritando O Vírus é o Anticristo.

São anjos em polvorosa sobre os céus de Berlim,

são amantes aprendendo a amar enfim.

Já ninguém ouve o que os agonizantes urram,

os metrôs voltaram hoje a circular em Wuhan.

É solidão compulsória, é um estado de sítio,

são coiotes vagando livres por San Francisco,

É uma flor desabrochando durante a tempestade

(pois quando tudo acabar talvez seja tarde).

É a solidão futurista da Times Square,

é o suicida alcançando um revólver.

São navios de cruzeiro proibidos de atracar,

são hospitais abarrotados em Milão, Rio, Dakar.

Pássaros continuam voando, geleiras caindo,  

há um pôr do sol distante, solitário e lindo.

É viver entre as paredes dos parênteses

em reticências que se alongam como meses.

É o mundo inteiro em stand-by,

é o corpo lutando por ar.

 


Rodrigo Garcia Lopes



O enigma das ondas
(152 págs., lançamento da Editora Iluminuras)

https://www.editorailuminuras.com.br/o-enigma-das-ondas

 

 

 

 

 

 

 

 

"O enigma das ondas" na coluna de Marcelo Coelho (Folha)

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelocoelho/2020/09/obras-de-sergio-medeiros-e-rodrigo-garcia-lopes-ensinam-a-contemplacao.shtml 

Obras de Sérgio Medeiros e Rodrigo Garcia Lopes ensinam a contemplação

No confinamento, poesia levanta voo e todos ficamos mais contemplativos, distantes e curiosos na vida alheia

 

22.set.2020 às 23h15

Olhar o mundo pela janela sempre foi ocupação de poetas, mas a Covid intensifica a coisa.

Vamos todos ficando mais contemplativos, distantes e curiosos no que diz respeito à vida alheia.

Mais do que isso, há a estranheza diante dos novos hábitos, o surrealismo das ruas desertas, o espanto diante da morte coletiva. Assunto não falta.

Em “O Enigma das Ondas”, livro recém-lançado pela Iluminuras, o poeta Rodrigo Garcia Lopes vai fundo em seu mergulho pelo tempos atuais.

“É a face coberta por um pedaço de pano”, diz ele, “é o humano reaprendendo a ser humano.// É uma carreata de caixões pelas ruas de Turim,/ é o translúcido azul do céu de Pequim.// É o papa rezando na São Pedro deserta,/ são as águas transparentes dos canais de Veneza.// Parece que faz tanto tempo que tudo aconteceu,/ presos no labirinto com Minotauro e Teseu.”

A sucessão de dísticos rimados, que se estende longamente, produz o efeito de quem folheia as páginas de um mesmo jornal, num dia que não acaba. As notícias renovam suas surpresas, mas a situação não muda.

É também esse o espírito de um poema sobre o filme “O Feitiço do Tempo”, em que Bill Murray acordava sempre no mesmo dia do ano.

Com grande perícia, Rodrigo Garcia Lopes emprega a forma da sextina —em que a palavra final de cada verso tem de ser repetida ao longo de seis estrofes diferentes.

Desse modo, numa estrofe o personagem, Phil, percebe que “Às seis tocou o rádio-relógio que ele jogara fora:/ “Mas que inferno este eterno presente!”/ No quar

to, tudo no mesmo lugar de ontem,/ quando ao som de Sonny & Cher se levantou às seis/ e diante do espelho perguntou: ‘Será diferente hoje?’/ —Nasci de mim quando acordei. Tento outra vez?”.


Em outra estrofe, as últimas palavras se repetem: “‘A marmota viu a sombra antes de ontem,/ ontem, hoje também. Vou dizer mais uma vez,/ Sou imortal! Sou Deus!’ Foi quando seis/ caipiras jogaram o homem do tempo pra fora/ do café. Acreditava agora estar num mágico presente./ ‘Algo me diz que nada será como hoje’”.

A sensação de aprisionamento é vencida, por vezes, num gesto raivoso. Em “Últimas Notícias”, Garcia Lopes coleciona clichês jornalísticos no começo de cada verso, subvertendo-os num desbordamento
poético: “o mercado assimilou mal a notícia do vazamento da neblina nas montanhas, o
sonho dos homens, essa maldita vontade de durar”.

Outras vezes, a contemplação e o assombro vencem o sentimento de sufoco, e o tempo, que estava em círculo vicioso, parece conhecer uma ruptura: “Um clarão incrível! revela/ o vulto recortado da costa/ mais ao sul onde o escuro/ se rebela num flash/ de uma câmera gigantesca/ minutos antes do ataque/ da tempestade: montanhas”.

É como se só pudéssemos ver o que já acabou de existir.

Não sei se a quarentena inspirou diretamente os textos de outro poeta, Sérgio Medeiros. Mas, em “O Barraco das Letras e dos Hieróglifos” (disponível gratuitamente em medeirossergio.blogspot.com), o jogo entre prisão e liberdade, morte e sobrevivência, parece responder às sensações da pandemia.

Como nos outros livros de Medeiros, há aqui uma capacidade sobrenatural de anotar, como se visto de longe, ou mais precisamente de uma janela de apartamento, o evento minúsculo, impregnado de vida.

“De costas no chão o besouro parece meio adormecido…”, escreve Medeiros; “então as formigas se põem a embalá-lo…”. Nesses poemas, sempre de duas linhas, topamos com tudo quilo que poderia voar, mas não voa, e o que não pode, mas voa mesmo assim.

“Braços de motoristas pendem/ sobre a rua como asas inúteis”, diz um poema, enquanto em outro “as nuvenzinhas são como dois filhotes de cadela:/ se cheiram e se mordem e depois rolam abraçadas”. Enquanto isso, “A pista está vazia mas lá na cabeceira envolta numa baforada/ de calor uma cauda opaca gira trêmula”.

E é ainda de confinamento que se trata, quando “no quarto frio do menino o cata-vento verde/ gira sem parar no pote de lápis sobre a mesa”, ou “na única sacada acesa da ruazinha escura/ uma moça dá murros num saco de pancada”. Ou quando “escorrem fios brancos das/ orelhas dos adolescentes”.

Em outra visão do aeroporto, Sérgio Medeiros nota que “a sombra rápida passa pela pista silenciosamente/ sem o avião grande que só toca o solo depois”.

Há muita arte em deixar esse “depois” como última palavra do verso. Como no “Feitiço do Tempo”, não há quem não esteja esperando, hoje, esse “depois” que nunca chega.

Marcelo Coelho

Membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”. É mestre em sociologia pela USP.

 


quinta-feira, setembro 17, 2020

Primeira leitura de "O Enigma das Ondas (lançamento Editora Iluminuras), por Ronald polito e Jardel Dias Cavalcanti

NO DIGESTIVO CULTURAL: Partilha do Enigma: poesia de Rodrigo Garcia Lopes Jardel Dias Cavalcanti
COLUNAS Terça-feira, 29/9/2020 Partilha do Enigma: poesia de Rodrigo Garcia Lopes Jardel Dias Cavalcanti + de 100 Acessos Este texto, escrito a quatro mãos por Jardel D. Cavalcanti e Ronald Polito, que trata de O enigma das ondas, novo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, publicado pela Iluminuras, quer ser uma conversa, um diálogo, não uma resenha. Não busca ser sistemático, prefere ser seletivo, fragmentar. Poderia ser estendido, mas é sua intenção a incompletude, a lacuna, o segmento. É um modo de deixar a palavra em aberto, como nos poemas de Rodrigo Garcia Lopes. Ronald, creio que em boa parte do livro do Rodrigo há uma tensão entre uma prosa que se quer poética e uma prosa que é de fato poema. Essa tensão é comum na poesia moderna, inclusive, creio que a domina de canto a canto. Não é um problema, já que o que se quer nessa prosa poética é captar o pré-poético de uma situação e jogá-lo na onda do poético. Veja-se o caso do poema “Aéreo reverso”, onde a palavra “surfista” e o próprio ato de surfar apresentam uma relação comum. Fazer a palavra surfista surfar talvez seja o objetivo máximo do poema. Para tanto, o poeta precisa dos elementos prosaicos da aventura do surfista para desencadear as relações possíveis entre palavra e ação. O ritmo próprio da ação de surfar vai fazer o poema ganhar também um ritmo parecido com o da prancha sobre as ondas. E é como se a palavra surfista reaparecesse em movimento próprio como que surfando também, como podemos ver nos versos seguintes: “A palavra surfista ressurge do spray da casa de vidro/ rasga a muralha esmeralda/ em uma manobra/ clássica/ corta por dentro/ Uma vez mais/ atinge o lábio da onda/ e voa.” Uma tentação seria Rodrigo ter colocado os versos na página no formato de um “S perfeito”, movimento pelo qual a palavra surfista escala a onda do poema. O interesse por fazer o sentido residir no próprio processo da experiência da criação nesse poema faz com que os versos possam sustentar uma densidade ornamental na página em branco, não sendo acometidos por um adormecimento dos significados. Por isso, a transposição da força e do dinamismo da narração do ato de surfar avança em direção a uma “esvoaçante” elaboração de imagens. Daí o recurso a meios rítmicos e cadências não prosaicas. Aqui o tom, a velocidade e a entonação são exigências para se quebrar o prosaísmo do poema. Isso acontece porque a cadência do poema controla nossa leitura, nos retirando imediatamente da veleidade da prosa e nos jogando nos interstícios do poema. Jardel, outros poemas do livro buscam realizar o que você anotou, fazer com que a disposição das palavras (“fazer a palavra surfista surfar”) materialize a ideia, quando forma é conteúdo, o que é o cerne da arte. “Sextina: o Dia da Marmota”, por exemplo, é uma bela solução formal para materializar a paralisação do tempo. Creio que não é o caso de prosseguir essa enumeração, temos mais questões a abordar. Outro aspecto que me parece particularmente bem realizado é o jogo entre a dicção e a forma “cultas”, por um lado, e, digamos, a oralidade, as palavras comuns da fala cotidiana, o aparentemente não poético, por outro, como na “Sextina” já citada, reunindo, a um só tempo, o traço que você salientou e o que estou abordando agora. Isso abre uma série de considerações. Podemos pensar no quanto a poesia beat impregna a obra de Rodrigo ao longo de sua trajetória. Podemos ainda anotar como ele é um dos melhores leitores de Leminski entre nós, sem ser epígono. E talvez principalmente como ele soube digerir o pop, a poesia marginal etc. sem se reduzir a esse figurino estrito em que tantos incorrem no Brasil. Isso porque, em contrapartida, Rodrigo é um poeta de formação erudita e ele não abre mão disso. Ainda bem. O trato com as formas fixas, metros, rimas, presente desde seu primeiro livro e exacerbado neste que está lançando, a prática da tradução de textos de tradições variadas, tudo isso cria exigências próprias, obriga o poeta a não fazer concessões, poesia fácil, palatável e adolescente, fricotes de classes médias. E exige que o leitor vá além da diversão rumo aos problemas que uma poética deve encerrar. Entre tantos exemplos, o “Short Cuts: epigramas”, retomando a grande tradição latina, Catulo, Marcial, utiliza uma forma canônica para disparar dardos no alvo contra a poesia fácil e engraçadinha, a política mesquinha, a realidade aterradora desse país, o mundo literário e suas questiúnculas, a culminar em um “Epitáfio” autocrítico. Ronald, bem corretas suas observações. É um livro grande, com interesses diversos na criação dos poemas. Voltarei a insistir na tensão dentro do livro entre os elementos de natureza poética e os de natureza prosaica. Veja-se, por exemplo, poemas como “Selvageria” e “Últimas notícias”. São uma espécie de poema-noticiário-denúncia, que envolve a realidade, elencando problemas de natureza política bastante referenciais ao contexto atual. Os poemas não avançam para uma dicção menos objetiva, encadeando-se como trechos do noticiário que ouvimos todos os dias pelas mídias contemporâneas. A poesia não sofre o atropelo da realidade, ela apenas mapeia suas complicações, padecendo de uma insuficiência formal e sendo, por isso, pura comunicação. O poder de duplicar a realidade torna dócil o poema. Se a apresentação abrupta dos problemas sociais nos perturba, o papel da poesia difere da comunicação do choque no sentido de que precisa ter mais do que eficácia. Para quem gosta de poesia, a falsidade eloquente vale mais do que a supérflua realidade dos fatos. Diferente de poemas como “Solstício”, cuja matéria-prima poética pode nos lembrar Rimbaud (amplamente traduzido por Rodrigo), pela formalidade do impulso de fazer poesia através de um aglutinar de imagens. Ou o poema “Uma rápida visita”, muito próximo da dicção de Sylvia Plath (também traduzida por Rodrigo), onde, “o inesperado faz-nos esquecer o lugar-comum”. Ainda podemos citar o poema “Dreamscape”, onde a realidade é obscura, não mapeada, mas temos o seu efeito presente, como podemos ver nos primeiros versos: “Ir além de mim/ Num tapa// A tal realidade alterada/ Não está em nenhum mapa// Tão nublado agora/ Que poderia ser noite”. O que se segue no poema é uma espécie de pesadelo onde o real se apresenta como surreal. Outro poema – aliás, um dos grandes poemas do livro -, onde a realidade da guerra se apresenta totalmente, sem precisar estar descritivamente ali, é “Polônia, 1945”. Além desses poemas, há evidentemente outros muito bem realizados que poderíamos citar. Polônia, 1945 Apanhando lenha na linha do horizonte vejo ponto negro. Homem atravessando campo nevado e sem som. Por um minuto pensei ser meu pai voltando para mim. Jardel, concordo com você. Os trabalhos de Rodrigo que são uma espécie de “poema-noticiário-denúncia” ecoam inumeráveis tentativas de outros poetas no Brasil contemporâneo. A lista seria enorme. E nenhum desses poetas consegue realizar formalmente uma transfiguração do que nos cerca. Os noticiários de todo dia conseguem ir muito além de qualquer frase chocante que alguém possa elaborar. A realidade atropela a linguagem. É impossível épater, impressionar, chocar, espantar tentando duplicar o horror, os meios teriam de ser outros e eu não sei quais são, tenho apenas vagas ideias sobre isso. Observo, ainda, que Rodrigo já havia trabalhado essa perspectiva em livros anteriores, como Nômada e Experiências extraordinárias, sem alcançar melhores resultados. Onde ele inova e realiza muito bons poemas é quando se dedica a temas que tocam na relação entre o homem e a natureza. Como no caso das ondas que intitulam seu novo livro. Aqui também ela está dando desenvolvimento a algo que cruza boa parte de seus livros. Leiam-se os excelentes poemas sobre o mar, a praia e as ondas em Visibilia, que ocupam ali um lugar bem central. Nos outros livros, ainda que talvez mais discretamente, a presença do mar e das ondas também se efetua. Mas no livro novo ela adquire uma significação maior, mais decisiva, com diversos poemas, chegando até à écfrase bem realizada de um quadro de Edwad Hopper, Ground swell. O último poema do livro, não por acaso, é a culminância dessa investigação, é o “fecho de ouro” do trabalho. E nele podemos rever o aspecto que você inicialmente abordou. “O enigma das ondas” é abordado pela formalização de cada estrofe pensada como uma onda, quando a forma materializa a ideia. A sucessão dessas ondas desemboca, ao final, na constatação maior, a última frase da última estrofe: “A língua que falam é a nossa”. Resolvido o enigma? Claro que não, pelo contrário, a língua alcança a consciência de sua ignorância de si e do mundo, repondo o mistério que somos nós e a realidade. Isto é muito bom e ilumina, retroativamente, todas as dúvidas de que o livro está repleto. E sem oferecer respostas, o que seria um “erro”, uma pretensão inadmissível. Há ainda, Ronald, uma coisa que me chama a atenção na poesia de Rodrigo, ou mais especificamente nesse livro, que é a presença de um “espírito haikai ou epigramático”, não só nos pequenos poemas, mas também em alguns dos maiores. Por vezes, dentro de um longo poema alguns dos versos se individualizam para além da totalidade do poema e se anunciam como se estivessem livres do entorno, realizando aquela “percepção momentânea autossuficiente” exigida no haikai. Para essa operação não é necessário que se trabalhe no formato clássico do haikai, mas dentro do seu espírito. Veja-se, por exemplo, o caso de “Manhã em Olímpia”. Poderíamos enumerar vários outros casos, mas por falta de espaço aqui deixemos que o leitor abra as suas “portas da percepção” para esse fato. Jardel, queria ainda salientar um pequeno aglomerado de poemas, entre os mais interessantes, que enfoca as co-ocorrências da história, da arte e da natureza, de uma parte, e as possibilidades do eu, de outra. “Breve história da solidão”, abordando milênios de nossas tentativas de fixar a memória da experiência humana das mais diversas formas, conflui para a consciência de que existimos precisamente pela assunção dessas frágeis tentativas de registrarmos quem somos. O terror da temporalidade, assim, torna-se uma potência em aberto, a depender do que faremos dela, com ela. Termino comentando um poema que me agradou particularmente: “Paisagem”. Ele amarra diversos aspectos aqui abordados: a natureza, a arte, o eu. Seu minimalismo oriental repõe com plasticidade a “teoria das pinceladas incompletas”, quando realidade, sua transfiguração pela arte e as tentativas de registro das experiências do eu poético, tudo parece se desvanecer. As poucas palavras e o silêncios entre as estrofes realizam inconicamente a típica sugestão de um nanquim chinês. Não exatamente o “tudo névoa nada”, de Haroldo de Campos. Estamos um pouco antes disto, há ainda uma imagem, mesmo que esbranquiçada. Ronald, essa “imagem esbranquiçada” sobre a qual você se referiu talvez seja fruto da crença do poeta de que a realidade só pode ser apresentada com perfis infinitos, que só apareçam acidentalmente e que estão em mudança constante. Tais perfis estão sempre devorados pela luz, a luz das destruições que hoje brilham mais que o sol sobre as ondas.

quarta-feira, setembro 16, 2020

Matéria "O Enigma das Ondas" (Iluminuras, Folha de Londrina)

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quarta-feira, setembro 09, 2020

"O ENIGMA DAS ONDAS", de Rodrigo Garcia Lopes, lançamento Editora Iluminuras

 

O enigma das ondas

Rodrigo Garcia Lopes

 









152 páginas | 15,5x22,5

ISBN: 978-6-555-19048-9

R$: 53,00

Já em pré-venda na loja virtual da Editora Iluminuras com 40% de desconto:

https://www.editorailuminuras.com.br/o-enigma-das-ondas

 

O enigma das ondas é o sétimo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, um dos mais instigantes e inquietos poetas brasileiros que vem, desde os anos 80, construindo uma sólida carreira literária, com vários títulos publicados por esta casa editorial.

Rodrigo Garcia Lopes traduziu Epigramas, de Marcial, O navegante (anônimo anglo-saxão), Rimbaud, Whitman, Apollinaire, tendo apresentado as obras de Laura Riding e Sylvia Plath ao leitor brasileiro. Também lançou um livro de entrevistas com personalidades da arte e da cultura norte-americanas, um romance policial, dois álbuns de canções e coeditou por doze anos a revista Coyote, publicando poetas e prosadores brasileiros e do exterior.

O enigma das ondas revela um poeta em plena maturidade, que reacende a força e a relevância da poesia, mostrando que ela pode explorar em profundidade, e em registros múltiplos, a realidade contemporânea e a existência. Em 91 peças, o volume traz poemas líricos, políticos, críticos, satíricos e reflexivos.

Seus poemas enfrentam o mundo esteticamente e exibem uma urgência vital em nossos tempos turbulentos, como em “Selvageria”: “No fim o desembargador era o chefão de uma milícia assassina / E o incêndio na favela celebrado com fuzis e buzinas. / Mais cadáveres encontrados na lama da barragem / E o coronel torturador ganha mais uma homenagem [...]”. Ou momentos líricos como “Na praia, junho”: [...] os olhos bordejando as ilhas distantes / antes mastigaram o nevoeiro / nossos corpos satisfeitos e ainda quentes / lendo as pistas que os detetives noturnos não seguiram / os pés imprimindo em sua passagem / a sensação de uma vida acontecendo / limpa como a areia após a onda”.

Poesia como investigação, aventura da palavra, forma de conhecimento do mundo.

Pela abrangência de questões, pelo esmero estético, O enigma das ondas é um momento alto da poesia brasileira recente.

 

Samuel Leon