Em livro, Antonio Cicero
resgata debate sobre a relevância da poesia
RODRIGO
GARCIA LOPES
ESPECIAL
PARA A FOLHA
“A Poesia e a Crítica” reúne 13 ensaios do
poeta, letrista e filósofo Antonio Cicero. O primeiro aborda, em tom de
testemunho, sua relação problemática com a contracultura e a importância de
suas conversas com Caetano Veloso para sua formação intelectual. Sete são
dedicados à análise da obra de autores como Hölderlin, Thomas Mann, Fernando
Pessoa e os brasileiros Ferreira Gullar (2), Armando Freitas Filho e
Drummond.
Os
ensaios mais interessantes são aqueles que discutem a poesia em nossos dias, o
caso da letra de música e a relação da poesia com a filosofia. Há espaço para a
complexa questão do cânone poético, espécie de ranking dos melhores poetas de
todos os tempos.
Em “Poesia e Preguiça”, texto que parece
dialogar com a teoria do inutensílio, de Paulo Leminski, Cicero situa a poesia
em nosso mundo saturado de informações e distrações, onde “tempo livre” virou
artigo de luxo.
O poeta resgata o sentido positivo e
libertário que a palavra “ócio” tinha para os antigos (negócio vem de “nec otium”,
ou seja, não-ócio). A poesia nos abre a possibilidade de experimentar um
tempo não utilitário, de ir além do uso pragmático da linguagem — o que domina
nossas vidas. Paradoxalmente, a mesma “preguiça receptiva” fundamental para a
gestação e produção de um poema é fatal para o leitor hiperpassivo.
Para Cicero o verdadeiro poema, onde forma
e conteúdo estão em perfeita simbiose, mobiliza leitor e autor por inteiro:
inteligência, emoção, sensibilidade, memória, cultura, intuição etc. Como
argumenta no ensaio seguinte:
“Para fruir um poema é preciso nele
imergir. E como a imersão não combina com a temporalidade acelerada do
presente, muitos afirmam que a poesia simplesmente não tem mais lugar neste
mundo. Pois bem, é exatamente por não se ajustar à temporalidade acelerada do
presente que a poesia é necessária hoje”.
“Sobre as letras de canções” revisita a
velha polêmica sobre se letra de música é poesia, questão aparentemente
resolvida com a canonização de Bob Dylan, Prêmio Nobel de Literatura. Sem
deixar de explicar que o poema é uma estrutura autônoma, enquanto a letra é
sempre parte de um conjunto maior, Cicero afirma ser mais pertinente perguntar
se “a letra de música pode ser um bom poema”. Ele relembra que os poemas
líricos da Grécia Antiga e dos trovadores provençais, hoje exemplos canonizados
de poesia, eram letras de música. Atualizando e aproximando a discussão para
nós, menciona “Letra Só”, que reúne as letras de Caetano, como exemplo de “um
grande livro de poemas”.
O importante é que, com este livro,
Antonio Cicero segue uma tradição de poetas-críticos que refletem sobre seu
ofício e a relevância da poesia (seu caráter de arte, não de passatempo e
entretenimento). Coisa rara hoje em dia, quando o poema costuma aparecer
“disfarçado” na forma de prosa empilhada em linhas, numa cena literária onde
sobra pose e falta, muitas vezes, poesia.
RODRIGO
GARCIA LOPES é poeta e tradutor, autor de “Experiências Extraordinárias” e “O
Trovador” (romance policial), entre outros.
A POESIA
E A CRÍTICA
AUTOR
Antonio Cícero
EDITORA
Companhia das Letras
QUANTO R$
44,90 (236 págs.)
AVALIAÇÃO
bom ★★★
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