De alta voltagem lírica, Frank O'Hara tem poemas traduzidos
Rodrigo Garcia
Lopes
Especial para a Folha
“Meu Coração Está no Bolso” traz 25 poemas de Frank O´Hara (1926-1966), um
dos poetas americanos mais relevantes da segunda metade do século 20. No
Brasil, desde os anos 1990, ele vinha sendo traduzido esparsamente, mas esta é
a primeira reunião de poemas dele em livro. O’Hara costuma ser considerado
figura central da chamada Escola de Nova Iorque. O termo define não um
movimento mas um grupo de poetas-amigos com interesses em comum: o horror ao formalismo
estéril dominante na poesia do pós-guerra, a pintura expressionista abstrata e
uma atitude informal e anti-acadêmica. A poesia de O’Hara, coloquial e de alta
voltagem lírica, é tributária de Walt Whitman, do surrealismo mas, sobretudo,
do lirismo ambiente, do simultaneísmo, dos poemas-passeios e poemas-conversas
de Apollinaire. Quer captar o imediato, o aqui-e-agora do poema, numa espécie
de zen-nova-iorquino.
Uma de suas marcas registradas é começar o
poema precisando o dia, hora, o clima ou local de sua ocorrência, como em “O
Dia em que Lady Morreu”: “São 12:30 em Nova York uma sexta / três dias após o
Dia da Bastilha, sim / estamos em 1959 e estou no trem indo ao engraxate / pois
vou saltar do trem das 16:19 em Easthampton / às 9:15 eu vou direto jantar / e
nem conheço as pessoas que vão me dar de comer”. Ler poemas como este ou o
delicioso “A Um Passo Deles” é tentar acompanhar, em tempo real, a mente atenta
e fantasista do poeta enquanto flana pela metrópole e incorpora-a
fragmentariamente. Já “Versos para os Biscoitos da Sorte” é composto apenas de
frases paratáticas inspiradas nas mensagens “positivas” de biscoitos da sorte
de restaurantes chineses, satirizando seu tom de profecia. O livro traz também
outros poemas representativos como “Autobiografia Literária”, “O Amante”,
“Tomar Uma Coca com você” e “À Memória de Meus Sentimentos”.
As traduções de Beatriz Bastos e Paulo
Henriques Britto são de alto nível, recriando os poemas em português e as
características linguísticas, os vários registros da poesia de O’Hara, muitas
vezes com ganhos. Exemplo rápido: o penúltimo verso de “Avenida A”, “but for
now the moon is revealing itself like a pearl” é vertido como “mas por ora a
lua se desnuda como uma pérola”. Aqui, a própria linguagem simula, com sua
dança de letras, o strip-tease lunar. Os 25 poemas representam 4.9% de sua obra
(constam 510 na edição de seus poemas completos). Como dar conta, em poucas
peças, de uma poesia que, além de profusa e frenética, é marcada por várias
fases e estilos? O livro tem o mérito de ser bilíngue (crucial em matéria de
poesia) mas a colocação dos originais ao lado das traduções, e não no fim do
livro, seria uma decisão editorial mais acertada, facilitando o trabalho do leitor.
Apesar de terem ficado de fora poemas essenciais e representativos, é uma
iniciativa louvável em tempos de trevas: “estamos mesmo em apuros, esparramados
/ pés para cima apontando o sol, rostos / minguando na escuridão colossal”.
AUTOR Frank O'Hara
TRADUÇÃO Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto
EDITORA Luna Parque Edições.
QUANTO R$ 40 (88 págs.)
Rodrigo Garcia Lopes é autor de “O Trovador” (Record) e “Experiências Extraordinárias”
(Kan)
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