Entrevista de Rodrigo Garcia Lopes para Folha de Londrina
sobre
Experiências Extraordinárias (Kan Editora, 2015)
Título: Experiências Extraordinárias
Autor: Rodrigo Garcia Lopes
Editora: KAN
ISBN: 978-85-62586-48-4
Páginas: 104
Tamanho:150 x 210mm
Preço: R$ 25
Livro contemplado com uma bolsa do Programa Petrobras
Cultural – edição 2012
1 – Você propõe no livro (já a partir do título),
transformar através da linguagem o ordinário em extraordinário. Como essa
transformação acontece? Como a poesia (e a sua poesia) realiza essa
transformação?
A poesia busca um estranhamento da linguagem comum, aguçar a
desautomatizar nossas percepções, como ensinaram os formalistas russos. Ela também
é uma forma de conhecimento e, para mim e muitos outros, uma reserva ecológica
da linguagem humana. Ela também busca criar novas realidades, mas realidades
que são feitas, curiosamente, de palavras. As mesmas palavras que eu uso para
lembrá-lo de que é meia-noite, por exemplo, ou para vender um produto. A
transformação da poesia se dá através de técnicas tão antigas mas ainda vivas
como a metáfora, de um arsenal de formas poéticas e recursos expressivos, de
figuras de linguagem e técnicas para injetar a linguagem de sentido(s). No
nível mais básico, através dos sons, dos ritmos da fala, da exploração completa
da música das palavras. Ou, ainda, em poemas que funcionam como investigações
sobre a natureza do sentido, sem que isso caia numa metalinguagem barata, e sem
esquecer o papel do humor. O poema, para
mim, é um modo de investigação da realidade e da linguagem. Um jeito que achei
de acertar as contas em minha passagem por este planeta, em vida. Foi na poesia
que apostei todas as minhas fichas. Se consegui transformar um pouco alguma
coisa, já é o bastante.
2 – Em “Experiências Extraordinárias” há a proposta da
poesia dialogar com temas mundo imediato, do aqui e do agora (banalização da
violência, sociedade do espetáculo, bombardeamento de informações, culto às
celebridades, etc). Você acha que essas questões estão ficando de fora da
poesia brasileira da atualidade?
Digamos que elas andaram sumidas, mas nos últimos tempos tem
voltado a circular na poesia de alguns poetas, embora muitas vezes de modo
forçada. A Poesia Brasileira andou cheia de paetês e caras e bocas nos anos 90
e 2000, com os poetas escrevendo cada vez mais para outros poetas ou críticos,
uma frescura danada, muitas vezes abalizada pela crítica e pela mídia, mas rala
de forma e conteúdo, e com o pecado mortal de esquecer... o leitor. Por outro
lado, a atual intolerância e caretice, galopantes, a manipulação da mídia e sua
influência massificante, a pornográfica violência e injustiça sociais
brasileiras, não são coisas que podem passar batidas para um poeta. Você falou
em contemporaneidade e eu me toquei agora de algo: há um
"anacronismo" proposital neste livro que é no mínimo, irônico, pois
embaralha os tempos, com menções à Odisseia, à Homero, alguma atmosfera épica,
ou que remetem à Roma Antiga (uma tradução do poeta Marcial), à Arcádia,
Horácio, Cabeza de Vaca... Sem dizer dizer da forte presença da natureza, por
exemplo, que é, e certa forma, atemporal. Há um poema que se chama, inclusive,
a "História da Lua". Então, isso relativiza esta contemporaneidade do
livro, que acho interessante: afinal, em que tempos vivemos hoje? Que mundo é
este? Será que os temas básicos da poesia e angústias humanas mudaram tanto
assim? Ou a incontornável solidão humana?
3 – Há muito tempo você não publicava haicais do heterônimo
Satori Uso criado em 1985 (e transformado em filme 2009). Satori Uso está de
volta? São poemas do passado ou recentes? Você acha que o haicai ficou meio que
fora de moda nos últimos tempos?
Este novo "lote" de 52 haicais de Satori Uso foram
descobertos na chácara da família Akiro, que o acolheu no norte do Paraná nos
anos 40. A viúva de Akiro explicou que Satori escrevia os haicais em tiras de
papel, que ele imediatamente jogava na natureza. Portanto, a obra que sobrou
teve de ser literalmente recolhida pelos amigos e discípulos. Os haicais exigem
uma concentração, é uma prática zen, buscam atingir uma simplicidade
sofisticada que eu aprecio muito. É verdade que eles andaram meio banalizados
na poesia brasileira ultimamente, mas não é culpa do haicai! Acho que, como
forma concentrada, continua imbatível se bem feito, naquela acepção de Pound de
poesia como síntese absoluta. Pois o haicai, e o poema em geral, é um GPS
perceptivo que tem como uma das funções nos (re)ensinar a sentir, a nos
maravilhar, a tornar o ordinário, extraordinário. Um software perceptivo em
forma de palavras, para que nos ajude a navegar, nos posicionar, e chegar na
poesia.
4 – Uma das características desse novo livro possui uma
semelhança com seus livros anteriores: a polifonia. Você considera que a
polifonia é uma característica de sua poética ou um tendência da literatura contemporânea?
Desde que comecei a escrever poesia pra valer, há uns 35
anos, veio essa percepção de que, em poesia, não há métodos e formas de escrita
superiores a outros. Por outro lado, em tempos em que a ideia de sujeito está
em cheque, e em que todo o tempo somos interceptados por fragmentos de
linguagem e textos o tempo todo, veio o desejo de desconstruir o conceito de
"voz". Pode soar romântico, mas gosto da ideia do poeta como um
canal, ou "cavalo", ou "médium", ou do "eu é um
outro", do Rimbaud, e na ideia poundiana de poesia como uma notícia que
permanece novidade, A própria poesia exemplifica, em sua variedade e
diversidade, o que encontramos na natureza. A vida é uma coleção de instantes,
muitos irrepetíveis. Como querer que os instantes fossem captados de uma mesma
maneira? Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada
um pede uma forma adequada para sua "viagem de leitura" específica.
Não consigo criar uma fôrma e escrever todos os poemas numa única levada. Isso
ainda não aconteceu.
5 – Em uma das seções do livro (Diálogos) você aborda com
ironia os bastidores do mundo literário dialogando com outros poetas (Drummond,
Marcial, Eliot, Pessoa, Graciliano, etc). A mesquinhez (não sei se essa é a
palavra exata) e a briga pela fama também faz parte do mundo dos poetas?
Ah, com certeza, as pessoas tem a ideia de que o meio
poético é "sensível" e "civilizado" mas nesses meus anos de
estrada e janela aconteceram e acontecem coisas que fariam corar de vergonha
qualquer gângster ou "operador de esquema". Eu procuro abordar isso,
em alguns poemas do livro, pelo viés do humor. O único possível neste caso.
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