quinta-feira, março 05, 2015

Entrevista para a Folha de Londrina sobre "Experiências Extraordinárias" (Kan Editora, março de 2015)



Entrevista de Rodrigo Garcia Lopes para Folha de Londrina sobre
Experiências Extraordinárias (Kan Editora, 2015)

Título: Experiências Extraordinárias
Autor: Rodrigo Garcia Lopes
Editora: KAN
ISBN: 978-85-62586-48-4
Páginas: 104
Tamanho:150 x 210mm
Preço: R$ 25
Livro contemplado com uma bolsa do Programa Petrobras Cultural – edição 2012

1 – Você propõe no livro (já a partir do título), transformar através da linguagem o ordinário em extraordinário. Como essa transformação acontece? Como a poesia (e a sua poesia) realiza essa transformação?

A poesia busca um estranhamento da linguagem comum, aguçar a desautomatizar nossas percepções, como ensinaram os formalistas russos. Ela também é uma forma de conhecimento e, para mim e muitos outros, uma reserva ecológica da linguagem humana. Ela também busca criar novas realidades, mas realidades que são feitas, curiosamente, de palavras. As mesmas palavras que eu uso para lembrá-lo de que é meia-noite, por exemplo, ou para vender um produto. A transformação da poesia se dá através de técnicas tão antigas mas ainda vivas como a metáfora, de um arsenal de formas poéticas e recursos expressivos, de figuras de linguagem e técnicas para injetar a linguagem de sentido(s). No nível mais básico, através dos sons, dos ritmos da fala, da exploração completa da música das palavras. Ou, ainda, em poemas que funcionam como investigações sobre a natureza do sentido, sem que isso caia numa metalinguagem barata, e sem esquecer o papel do humor.  O poema, para mim, é um modo de investigação da realidade e da linguagem. Um jeito que achei de acertar as contas em minha passagem por este planeta, em vida. Foi na poesia que apostei todas as minhas fichas. Se consegui transformar um pouco alguma coisa, já é o bastante.

2 – Em “Experiências Extraordinárias” há a proposta da poesia dialogar com temas mundo imediato, do aqui e do agora (banalização da violência, sociedade do espetáculo, bombardeamento de informações, culto às celebridades, etc). Você acha que essas questões estão ficando de fora da poesia brasileira da atualidade?

Digamos que elas andaram sumidas, mas nos últimos tempos tem voltado a circular na poesia de alguns poetas, embora muitas vezes de modo forçada. A Poesia Brasileira andou cheia de paetês e caras e bocas nos anos 90 e 2000, com os poetas escrevendo cada vez mais para outros poetas ou críticos, uma frescura danada, muitas vezes abalizada pela crítica e pela mídia, mas rala de forma e conteúdo, e com o pecado mortal de esquecer... o leitor. Por outro lado, a atual intolerância e caretice, galopantes, a manipulação da mídia e sua influência massificante, a pornográfica violência e injustiça sociais brasileiras, não são coisas que podem passar batidas para um poeta. Você falou em contemporaneidade e eu me toquei agora de algo: há um "anacronismo" proposital neste livro que é no mínimo, irônico, pois embaralha os tempos, com menções à Odisseia, à Homero, alguma atmosfera épica, ou que remetem à Roma Antiga (uma tradução do poeta Marcial), à Arcádia, Horácio, Cabeza de Vaca... Sem dizer dizer da forte presença da natureza, por exemplo, que é, e certa forma, atemporal. Há um poema que se chama, inclusive, a "História da Lua". Então, isso relativiza esta contemporaneidade do livro, que acho interessante: afinal, em que tempos vivemos hoje? Que mundo é este? Será que os temas básicos da poesia e angústias humanas mudaram tanto assim? Ou a incontornável solidão humana?

3 – Há muito tempo você não publicava haicais do heterônimo Satori Uso criado em 1985 (e transformado em filme 2009). Satori Uso está de volta? São poemas do passado ou recentes? Você acha que o haicai ficou meio que fora de moda nos últimos tempos?

Este novo "lote" de 52 haicais de Satori Uso foram descobertos na chácara da família Akiro, que o acolheu no norte do Paraná nos anos 40. A viúva de Akiro explicou que Satori escrevia os haicais em tiras de papel, que ele imediatamente jogava na natureza. Portanto, a obra que sobrou teve de ser literalmente recolhida pelos amigos e discípulos. Os haicais exigem uma concentração, é uma prática zen, buscam atingir uma simplicidade sofisticada que eu aprecio muito. É verdade que eles andaram meio banalizados na poesia brasileira ultimamente, mas não é culpa do haicai! Acho que, como forma concentrada, continua imbatível se bem feito, naquela acepção de Pound de poesia como síntese absoluta. Pois o haicai, e o poema em geral, é um GPS perceptivo que tem como uma das funções nos (re)ensinar a sentir, a nos maravilhar, a tornar o ordinário, extraordinário. Um software perceptivo em forma de palavras, para que nos ajude a navegar, nos posicionar, e chegar na poesia.

4 – Uma das características desse novo livro possui uma semelhança com seus livros anteriores: a polifonia. Você considera que a polifonia é uma característica de sua poética ou um tendência da literatura contemporânea?

Desde que comecei a escrever poesia pra valer, há uns 35 anos, veio essa percepção de que, em poesia, não há métodos e formas de escrita superiores a outros. Por outro lado, em tempos em que a ideia de sujeito está em cheque, e em que todo o tempo somos interceptados por fragmentos de linguagem e textos o tempo todo, veio o desejo de desconstruir o conceito de "voz". Pode soar romântico, mas gosto da ideia do poeta como um canal, ou "cavalo", ou "médium", ou do "eu é um outro", do Rimbaud, e na ideia poundiana de poesia como uma notícia que permanece novidade, A própria poesia exemplifica, em sua variedade e diversidade, o que encontramos na natureza. A vida é uma coleção de instantes, muitos irrepetíveis. Como querer que os instantes fossem captados de uma mesma maneira? Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para sua "viagem de leitura" específica. Não consigo criar uma fôrma e escrever todos os poemas numa única levada. Isso ainda não aconteceu.

5 – Em uma das seções do livro (Diálogos) você aborda com ironia os bastidores do mundo literário dialogando com outros poetas (Drummond, Marcial, Eliot, Pessoa, Graciliano, etc). A mesquinhez (não sei se essa é a palavra exata) e a briga pela fama também faz parte do mundo dos poetas?


Ah, com certeza, as pessoas tem a ideia de que o meio poético é "sensível" e "civilizado" mas nesses meus anos de estrada e janela aconteceram e acontecem coisas que fariam corar de vergonha qualquer gângster ou "operador de esquema". Eu procuro abordar isso, em alguns poemas do livro, pelo viés do humor. O único possível neste caso.

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