OUTRAS
PRAIAS
O ar do verão vibrava como imitação
que os dedos do maestro regiam, Além,
(uma outra palavra para Adeus)
E sua ausência imediata, que são próprias
das coisas consideradas fora de seus
centros;
Náufragas, como ilhas dispersas
circundadas
por tanta Luz, e o mar hibernando o surf
das manobras rápidas, radicais, engolindo
praias,
prises e personas
Uma tontura que persiste após
o estrondo doce do amor, antes e agora
dobrando-se no Tempo
Tudo a caminho, tudo rápida passagem,
impressões,
a textura da areia, seixos
ao redor do sexo que é tudo e que sustém
em linguagem
Viva, a linguagem das marés e dos
exercícios estratégicos do vento
que uiva às coisas e nomeia lagoas e
dunas, uma gíria imaginária
O mar da página de jornal, gaivotas
bicando lâmpadas à procura de águas vivas,
quebrando-se
Cristais,
& uma visão do vórtex do vir-a-ser
distraindo
as cores excessivas, todo ornamento
inútil, recolhidas em
fotografias dinâmicas, e que se revelam
lentamente em suas
ausências em fuga, como nós, aos pés
destas pedras, refletindo-nos
na mudança desse poço, em sua condição.
O que vemos daqui são gestos que querem o
além
o reflexo de terras nunca vistas,
brisas nunca sentidas, uma viagem
sem volta a territórios livres, como
nômades detidos
no meio de uma tempestade obsessiva. O que
carregamos são espelhos que refletem
sempre
o diferente, enquanto nós, eu e você
mudamos juntos. Nuvens
dissipam-se em doces fragmentos, sentidos
acenam
do outro lado da baía, onde estivemos
Há alguns instantes que ficaram
Misturados com a lembrança do instante
diferenciado,
um ideograma na fumaça do cigarro, o
haikai mais simples
recolhido num vazio que vibra, diz, e
muda.
Um brilho secreto, isso o mar também nos
traz
sem cobrança alguma
e além do privado e do profundo jaz
o não dito, o absurdo de calar, o
conferido:
penínsulas e abraços
de mar, studio marinho. E o modo como ele
endereça suas maresias a nós mudos e
humanos
com seu estilo que no fim revela ser
apenas
a mancha do mar em sua blusa, uma
blueprint, um sim.
2
O Agora voava, deixando nossas respostas
sem pergunta alguma.
Acabamos nos cruzando, a caminho da
estação
onde nada se detém, na luz que grita atrás
das montanhas,
No som de nossas vozes e olhares
assustados
como sempre
Sílabas apagando beijos como a maré faz
com nossas pegadas
recolhendo
Apenas o silêncio, o silêncio.
Registros de amanheceres sendo
Eternamente abertos para agentes secretos
Até que a página se vire como onda
Deixando paisagens no retrovisor
Longe de qualquer ideal de transparência
ou nostalgia.
Linhas que nada são a não ser a trajetória
das gaivotas
Deliciadas com as horas que ainda restam
antes do pouso.
Primeiro dia de sol, a casa está vazia.
Tesouras repousam quietas ao lado de
Gencianas. Nova Geografia. A cena
Está quase completa, viva nos músculos que
apanham rápido
um clichê qualquer no ar, uma sombra. A
voz, cada vez mais,
Se estilhaçava, ficando assim impossível
dizer
Quem falava ou soprava o vento
no stylus das árvores rabiscando um céu
que não era bem assim
O que se queria dizer, um espaço implodido
a cada passo
Dentro do corpo onde a natureza sopra seu
processo
As sentenças do mesmo rio nunca o mesmo
rio
Códigos nascidos sem qualquer charme, e a
gravidade
De tudo o que prossegue, indestrutível,
viagem.
3
Aqui
o céu é fino feito papel.
Regras se dissolvem como uma velha palavra
na boca
velha manhã com um gosto de folhas secas
na boca
Muito viva vívida doce e muito viva
distribuindo seu teatro, lírica barata,
seu Gesamtkuntswerk,
nos telhados onde pássaros respiram,
quietos,
sendo observados por gatos negros e
cantados obsessivamente por
Cigarras. invadem o verão. A indistinta voz
que distribui
sons secos pela estação dos sustos, para
além de si, desejo
De um presente acelerado como as ondas
deste
doce Desterro,
O modo vazio e pleno como o olhar
faz
de tanta luz
o ar vibrar
Nos sentimos Oceanus, Pan, nos sentimos
mais humanos
& sacamos
parte da hera tomando a janela onde pouco
ou nada é dito
Apenas sentido, o limite de um
"ouvir-se dizer"
que já não diz, reprisa
Velhas cenas de um teatro previsível.
Apenas o espectador mudou no fim de tudo
E as estações se amontoam num canto do céu
esperando
Um milagre, uma confortável
Invisibilidade, que não tem nada a ver com
O excesso desse sol depois de três dias de
chuva
Três úmidas palavras sussurradas e
conduzidas como o vento faz
Às nuvens, nada necessariamente difícil ou
vazio
gruda à pele, livre
De qualquer engodo, assinatura, assunto.
Horas e horas de vidro, sentenças sem nome
flutuam
no manso ar do verão do interior e suas
diferenças
Vêm à tona, enfim, o que nos deixa ao
menos
uma chance para ouvir uma chuva invisível
atrás da porta pela qual acabamos de
passar.
Rodrigo Garcia Lopes (Solarium, editora Iluminuras, 1994)
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