As iluminações musicais de Rodrigo Garcia Lopes
Jardel Dias Cavalcanti
Assim, é impossível não estar atento a cada detalhe não só dessa música, mas de todo o CD, em que letra, arranjos e projeto gráfico se conjugam para produzir uma experiência onde "o pensamento não se detém em nada/ mas vagueia/ entre cada coisa vívida", como diz outro verso da música "Iluminações".
É uma alegria entrar em contato com um CD autoral como Canções do Estúdio Realidade, gravado por Rodrigo Garcia Lopes, que foge completamente aos formatos enlatados que a indústria musical tem produzido para um público de "cabeças ocas" e "vidas vazias". Aqui o ouvinte deve se deter no tempo que a arte exige para as experiências que só a música e a poesia podem nos dar. Aqui se exige o adeus ao mundo como "fábula de papel".
Além das deliciosas canções, o CD é em si mesmo um belíssimo objeto artístico, com fotos, textos e as letras das músicas, nos fazendo ver que tudo nesse trabalho foi pensado para ser uma conjunção entre as várias artes.
As epígrafes na abertura do CD são pistas dos interesses de Lopes. A principal, uma citação de Dante Alighieri: "Canção: palavras postas em música". Aqui anuncia-se a importância que as palavras têm para o músico, fazendo do universo da criação poética a ponte necessária para que a música exista em seguida. E com certeza essa operação da poesia (já em si música) indica caminhos que as construções instrumentais devem tomar ao longo das composições. Por exemplo, veja-se a música "Vertigem (um corpo que cai)", onde a ideia de uma situação em caracol (a mente enlouquecida) passeia por acordes musicais como cortes cinematográficos em climas que remetem ao cinema de Hitchcock e à poesia simbolista. E a fotografia do encarte reforça a ideia, num caracol que não se completa, cortado vertiginosamente.
Outras epígrafes, como as de Burroughs e Macedonio Férnandez, nos conclamam a retomar o universo (e através da canção isso é possível, pois ela é espaço) e ver a realidade como "aberto mistério", lugar da possibilidade das iluminações. Na canção "Álibi", os versos dizem: "Surpresos no passeio das sílabas /.../ beijamos o momentâneo /.../ e simplesmente somos".
Essas iluminações da realidade aparecem nas fotografias do CD, como no registro de folhas mortas caídas ao chão, numa paisagem ao entardecer, nas marcas de uma velha parede, no brilho luminoso que atravessa um vidro com gotas de chuva, no reflexo de uma Nova York noturna sobre os vidros de um prédio, na explosão de uma onda do mar, na forma contrastante entre flores róseas e folhas mortas ocres.
São várias as referências musicais que se encontram no CD. Para ficar só em um exemplo, os acordes iniciais de "Alba" remetem à tradição da música mineira de Lô Borges, Milton Nascimento e Beto Guedes, e tanto seu acompanhamento quanto suas letras soam no registro dessa tradição musical. O contrabaixo nos faz pensar imediatamente na sonoridade das gravações de Yuri Popov junto aos músicos das Gerais, como Toninho Horta.
A felicidade do encontro dos excelentes músicos para a criação do CD é notável. O diálogo musical que se estabeleceu pressupõe uma sintonia fina entre a sensibilidade de todos no processo de criação de cada música.
Como exigia Baudelaire para os poemas, que fossem criados pela imaginação livre e lapidados como um diamante, em "Canções do Estúdio Realidade" encontra-se o mesmo princípio. No CD ecoa, como nas iluminuras, o trabalho de músicos-artesãos dotados de grande competência, cujo desejo é revelar em cada detalhe a beleza púrpura das canções, que nos parecem perfumadas pelo imaginativo cheiro do sândalo.
Para ir além:
Visite o blog do artista para ver videos, filmes, noticias de suas publicações, etc:
http://estudiorealidade.blogspot.com.br/
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 20/8/2013
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