Realidade fabricada
Rodrigo Garcia Lopes lança seu novo livro de poesias, “Estúdio, realidade”, no Espaço Revista CULT
Amanda MassuelaDesde 2004, quando publicou Nômada, o poeta Rodrigo Garcia Lopes não lançava um novo livro de poesia. Passou os últimos sete anos trabalhando em O Trovador, romance policial de fundo histórico que se passa em 1936, durante a colonização do norte do Paraná, seu estado de origem. Sentia que havia esgotado tudo o que tinha a dizer, em termos de linguagem poética. Em meio ao processo de construção do enredo e das personagens do seu primeiro romance, Rodrigo produzia alguns poemas, em ritmo desacelerado. “Estava esperando ter uma produção vigorosa e que também tivesse algo a dizer”, conta.
Tais poemas estão reunidos no livro Estúdio, realidade, lançado ontem (19/08), no Espaço Revista CULT. Além de poeta, Rodrigo também é músico, compositor, jornalista e tradutor – e, em certa medida, todos esses ofícios influenciam seu trabalho poético. Aos 11 anos começou a arranhar o violão e aos 14 já escrevia suas próprias canções. Em 2001, lançou o álbum Polivox, uma mistura de canções, poemas falados e trilha sonora. “Nessa época eu me aborreci um pouco, porque os músicos diziam que eu tinha lançado um trabalho de poesia e os poetas diziam que eu tinha lançado um trabalho musical. A ideia era justamente romper com essas barreiras”, admite. “Prometi para mim que o próximo disco que eu lançasse teria a palavra ‘canções’ no titulo.”
Junto ao livro Estúdio, Realidade, Rodrigo cumpriu a promessa ao lançar o disco Canções do estúdio realidade, mas apesar da aparente semelhança, ele afirma serem trabalhos distintos. No livro, dividido em quatro partes, seus poemas surgem em diferentes estilos, formas e linguagens. Há haicais, poemas narrativos, fragmentados, filosóficos.
Entre algumas xícaras de café, ele conversou com a reportagem da CULT sobre seu novo livro.
CULT – O nome do livro, Estúdio, realidade, faz referência ao escritor norte-americano William S. Burroughs. De onde vem essa relação e por que ela nomeia o livro?
Rodrigo Garcia Lopes - Essa é uma expressão que o William Burroughs usa em três romances mais experimentais: “Assaltem o estúdio realidade e retomem o universo”. Essa frase aparece várias vezes nos livros dele. Dentro da sua ficção, o estúdio realidade é uma espécie de lugar onde a realidade é fabricada, não se sabe muito bem o que é ficção e o que é, de fato, realidade. Na verdade, é uma crítica à manipulação dos meios de comunicação de massa, antevendo os dias de hoje. Dei esse título ao meu blog, em 2007. Uso Estúdio, realidade como se fosse uma metáfora para o mundo que vivemos hoje. É o planeta todo. Vivemos num grande estúdio realidade onde as relações estão cada vez mais complexas, com a tecnologia, a velocidade, a informação, os meios de comunicação de massa. Acho que o termo dá a ideia da complexidade do mundo. Estúdio realidade também é o lugar em que o poeta fabrica, usa a realidade para fabricar novas realidades.
É como se você tentasse desconstruir a realidade para construí-la por meio da poesia?
Isso mesmo. A poesia tem esse poder transfigurador da realidade através da linguagem e acho que tem um pouco de crítica ao mundo. Em vários poemas eu toco nessa questão da simultaneidade das coisas; da natureza e da cultura cada vez mais distantes. Há poemas em que eu revisito o gênero pastoral num ambiente completamente tecnológico, com o discurso da publicidade. A poesia incorpora o fato de que somos inundados por vários discursos o tempo todo. As mesmas palavras que a gente faz poesia são as palavras que a publicidade usa para vender, para informar, para distorcer. Trabalhamos com a matéria suja, que é a palavra, suja de história. No livro, há menção a vários lugares ao mesmo tempo. Ele joga com a ubiquidade, com o fato de que hoje você pode, virtualmente, estar em vários lugares ao mesmo tempo; com a velocidade de informação. Tentei incorporar tudo isso na poesia que estou fazendo.
A própria estrutura do livro reflete um pouco isso, não é? Ela se divide em “Estúdio realidade”, “Vórtex”, “Pensagens” e “Quarto Escuro”. Como essa divisão foi pensada?
Sempre dividi meus livros em seções. É uma maneira que eu achei de organizá-los melhor. Sempre pensei os livros assim – talvez por influência da música -, como se fossem quatro movimentos de uma mesma obra musical. Tentei agrupar, em cada seção, poemas que dialogam entre si ou que tem uma pegada em comum. A primeira parte tem poemas mais fragmentados, que refletem o estúdio realidade, a simultaneidade da descontinuidade do mundo atual. Na “Vórtex”, há poemas de vários estilos poéticos: haicai, oriki (que é uma forma de poema oferenda africano), alba (que vem da tradição provençal). Tem poema com rima que remete ao Dante, poemas que remetem à poesia oriental. Nessa parte há poemas com várias poéticas diferentes. Em “Pensagens” há os poemas mais filosóficos, maior preocupação com a consciência, investiga mais a percepção, a relação da palavra com a realidade. São poemas mais meditativos. A quarta parte, que é “O quarto fechado” – e o quarto fechado dentro do gênero policial é uma espécie de enigma -, eu concentro os poemas que foram influenciados pela minha experiência escrevendo um romance policial, seja na forma de poemas mais narrativos, que contam algum tipo de mistério, ou poemas que tem alguma coisa de investigação. Há também um apêndice, que são 24 aforismos sobre poesia, uma maneira de refletir sobre o próprio ato de escrever.
Essas estruturas que compõem o livro são bem diferentes entre si. Você já disse que algo que você tenta combater desde o início da sua carreira é a ideia de coesão, de unidade. Esse livro também acaba seguindo essa forma…
Desde que comecei a escrever nunca fui um poeta de um estilo só. Há poetas que têm uma pegada, um tipo de escrita e linguagem que são mais ou menos estáveis. Eu sempre fui um franco atirador. Sempre gostei de pesquisar todos os tipos de poetas de outros tempos e, por ser tradutor, traduzi muita gente de diferentes tradições poéticas, algo que acabei incorporando na minha própria poesia. Acho que a poesia é um espaço da liberdade de linguagem supremo. Nós temos um passado riquíssimo de formas poéticas que devem ser revisitadas, refeitas e repensadas para o contexto atual. Nunca abri mão da multiplicidade. Há um livro meu que se chama Polivox, que são várias vozes. Nunca acreditei na ideia do poeta como um sujeito único, fixo. Ele se metamorfoseia a cada poema que escreve. Nunca tentei engessar a minha voz poética num estilo só. Talvez essa diversidade toda acabe sendo uma marca do meu estilo. Sempre quis que o leitor passasse de um poema para o outro e se perguntasse se o mesmo poeta tinha escrito os dois. Queria surpreender o leitor dando a ele uma série de possibilidades de poéticas que o “eu” pode assumir na escrita. Essa acaba sendo a minha forma de dar unidade. Essa multiplicidade toda também não deixa de ser típica da pós-modernidade, das múltiplas influências, do apelo nostálgico de revisitar algumas formas antigas. No livro, há um poema em provençal. Há coisas bem antigas – mas, muitas vezes, jogadas num contexto bem contemporâneo. E esse atrito me interessa bastante.
Você também é músico e compositor. Como essas atividades interferem no seu trabalho poético? Tem como separar o músico do poeta?
Para mim, está ficando cada vez mais difícil de escrever poesia. Com o tempo você vai ficando mais rigoroso. Eu sempre fui um leitor crítico de mim mesmo. A música é mais complicada ainda, pois exige não só a linguagem verbal, mas a linguagem musical. Costumo dizer que a composição é uma simbiose entre voz, música e palavra. Envolve uma alquimia bem mais complexa do que a escrita de um poema. Fazer uma canção é muito mais difícil que escrever um poema, porque ela sai com muito mais trabalho, demora muito mais tempo e produzo num número muito menor do que gostaria. Mas desde que eu comecei a escrever, a música teve um papel muito grande. Quando eu era adolescente escrevia ouvindo jazz, música clássica. Sempre fui apaixonado pela música popular brasileira e seria até natural que, escrevendo poesia, em algum momento eu fosse cair na composição – até porque essa proximidade dos poetas com o universo da música é uma tradição da cultura brasileira.
E quais são os seus próximos projetos – na música e na literatura?
Estou esperando o lançamento do meu romance, O Trovador, que sai no começo de 2014. Continuo fazendo shows de divulgação do CD – acabei de fazer Curitiba, Rio, interior de São Paulo. Também estou começando outro livro, que se chama Experiências Extraordinárias, um livro de poemas.
Estúdio, realidade
Rodrigo Garcia Lopes
Editora 7Letras
136 págs. – R$ 35,00
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