Guerrilha literária
A Revista Coyote completa 10 anos e a oitava edição do Festival Literário de Londrina começa nesta segunda. Mas o que mudou e o que ainda é rascunho no cenário literário londrinense?
Rodrigo Garcia Lopes: ''Nosso objetivo é tirar as pessoas da inércia para se alimentarem de outras informações. Instigar principalmente os jovens leitores''
Separadas por apenas alguns dias, duas datas marcantes para o cenário cultural londrinense sublinharam esta semana de agosto. De um lado, a revista literária Coyote, que completa dez anos, com uma edição recheada com a seleção especial de contos e traduções inéditas, com destaque para um dossiê do jornalista e escritor João Antônio (1937-1996). De outro lado, estamos na véspera da oitava edição do Londrix (Festival Literário de Londrina), que é destaque no circuito alternativo e que, este ano, conta com a participação de nomes reconhecidos em todo País, como Arrigo Barnabé, Marcelino Freire, Paulo Lins e Domingos Pellegrini. A organização é de Christine Vianna. A curadoria deste ano foi feita por Samantha Abreu, Marcos Losnak e Lopes.
''É uma luta. Uma batalha. As pessoas podem achar que é fácil, mas é bastante complicado organizar tudo isto'', desabafa Rodrigo Garcia Lopes, relembrando das dificuldades que envolvem a produção de eventos e produtos que fogem à regra de mercado. Reconhecido nacionalmente como escritor, jornalista, tradutor e compositor, Garcia Lopes sempre esteve envolvido no cenário cultural da cidade; no meio das letras, é co-fundador e editor da Coyote, junto com os jornalistas e escritores Marcos Losnak e Ademir Assunção. Também participou da fundação do Londrix, em companhia de Losnak, da editora Christine Viana e da jornalista Denise Gentil.
Fazendo parte ativa na lapidação de um novo capítulo para a literatura na cidade de Londrina, Rodrigo Garcia Lopes fala, em um bate-papo exclusivo com a FOLHA, sobre o cenário cultural na cidade.
Qual o significado deste aniversário para você? Como é o sentimento de completar dez anos à frente de uma revista literária independente e de prestígio nacional?
Acho que ninguém imaginava chegar a tanto. É complicado, porque todos os anos precisamos contar com o apoio do Promic e nossas vidas, dos três editores, mudaram muito durante estes anos. Não sobrevivemos da revista. Longe disso. Muitas vezes eu, o Losnak e o Ademir estamos com outros projetos, então a filtragem dos textos é feita nas horas vagas, e exige bastante esforço para nos reunirmos pessoalmente e fecharmos uma edição da revista.
Parece que, depois de dez anos, continua sendo um trabalho desafiante...
Apesar de ter 52 páginas, fechá-la dá um trabalhinho, viu? (risos) Além da parte da seleção e de filtragem, ainda procuramos decidir de forma unânime texto a texto, foto a foto. É um trabalho de 'guerrilha' cultural. A efemeridade sempre foi a marca de revistas literárias no Brasil, desde os anos 70. Eram revistas de curta duração, que não conseguiam uma perenidade. Manter um projeto marginal deste, sendo publicado por tanto tempo, não é fácil.
A revista conseguiu ser estruturada e sobrevive com o apoio do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). Sem este suporte, o projeto seria inviável?
Inviável, com certeza. A gente sempre gosta de ressaltar isso, até porque somos bastante cobrados. E, especialmente por lidar com dinheiro público, é preciso ter transparência. O Promic é o que faz a revista ser possível, além da nossa persistência que consiste na satisfação em atuar dentro de uma área que tem este caráter de inconformismo, que não privilegia o mercado livreiro e que não faz política literária. Ao lado do texto de um iniciante, está um texto de alguém famoso como Marcelino Freire, Gilberto Nobre. Nós não publicamos nomes. Nós publicamos textos.
Pelo reconhecimento que a publicação alcançou nesses anos, muitos consideram um privilégio ser publicado pela Coyote. Você sente essa gratidão por parte dos autores?
É muito legal perceber como esta publicação é importante para os escritores, e como que a Coyote acabou se transformando em uma referência de qualidade e valor literário. Tentamos ter muito rigor em tudo que é publicado. Além disso, nós já publicamos na Coyote cerca de 40 nomes de Londrina, com trabalhos de escritores, poetas, ensaistas acadêmicos, fotógrafos, cartunistas, dramaturgos.
É possível afirmar que, assim como a Coyote é uma revista de criação, o Londrix também busca um aspecto diferenciado de outros festivais literários?
Muita gente acha que a literatura está só nos livros. Isto é um erro. A literatura acontece em várias ocasiões que estão fora do livro: em shows de poesia, leituras públicas, debates e conversas sobre a literatura, que é a proposta do Londrix. A literatura salta para fora das páginas, do suporte do livro. Este ano, o Festival dá um enfoque especial para essa diversidade. Como a mesa só de ''Perfomance'', que mostrará como a poesia pode ser interpretada em cena, no palco, na rua, ou transformada em filme.
Você acredita que falta, no público, a percepção da literatura como algo mais abrangente?
Toda vez que se fala de literatura, se fala de livros. É um erro. Claro que existe a procupação em cultivar mais leitura, mas este fio sempre bate ali, no mercado livreiro e nos interesses dessa indústria. Dentro de um Festival, existem outros temas para serem discutidos; da qualidade do jornalismo cultural à questão da mídia como vendedora de produtos. O que interessa em um evento desses é a experiência de criação, de formação literária e artística. O Londrix busca proporcionar um contato diferenciado com a literatura. O contato de um Brasil que não é o mesmo das Olimpíadas, e que nem faz parte do ''Sonho Brasileiro'' ou do ''Brazilian American Way of Life'', onde todos se enganam achando que aqui é primeiro mundo.
Quais são, em sua opinião, os principais desafios e objetivos do Londrix este ano?
O desafio principal é atrair público, porque está difícil. O público universitário, antigamente, era o ideal para este tipo de evento. Eles eram as cabeças pensantes, os rebeldes, os inconformistas, o padrão de crítica e critério da sociedade. Infelizmente, hoje sentimos um desinteresse muito grande dos estudantes em geral para este tipo de evento. Daí você começa a pensar que Londrina tem '240 duplas' de sertanejo 'universitário', e pensa também que a palavra 'universitário' já caiu em um outro sentido. O cara prefere ir em uma balada sertaneja do que ir em um festival literário. Em minha opinião, isto tudo passa por uma questão maior, uma questão de mercado. Nisto é que estão transformando a nossa música, a literatura: em coisas que não são propriamente arte. São produtos voltados para o mercado, que visam o sucesso imediato e efêmero. Este aspecto também será discutido no Londrix.
Você acredita que o conformismo intelectual aumentou nos últimos anos?
Acho que aumentou sim, bastante. Isto é, além da 'caretização' geral: ficamos mais caretas, mais repressores, mais autoritários, mais policialescos. Está tudo muito politicamente correto, e os debates já não abrem tanto espaço para a reflexão. Isto ocorre em todos os setores, e não só na cultura. Nosso objetivo é tirar as pessoas da inércia à que elas estão acostumadas para se alimentarem de outras informações. Instigar principalmente os jovens leitores. Acho que se conseguirmos isso com os mais novos, ainda existe esperança.
''É uma luta. Uma batalha. As pessoas podem achar que é fácil, mas é bastante complicado organizar tudo isto'', desabafa Rodrigo Garcia Lopes, relembrando das dificuldades que envolvem a produção de eventos e produtos que fogem à regra de mercado. Reconhecido nacionalmente como escritor, jornalista, tradutor e compositor, Garcia Lopes sempre esteve envolvido no cenário cultural da cidade; no meio das letras, é co-fundador e editor da Coyote, junto com os jornalistas e escritores Marcos Losnak e Ademir Assunção. Também participou da fundação do Londrix, em companhia de Losnak, da editora Christine Viana e da jornalista Denise Gentil.
Fazendo parte ativa na lapidação de um novo capítulo para a literatura na cidade de Londrina, Rodrigo Garcia Lopes fala, em um bate-papo exclusivo com a FOLHA, sobre o cenário cultural na cidade.
Qual o significado deste aniversário para você? Como é o sentimento de completar dez anos à frente de uma revista literária independente e de prestígio nacional?
Acho que ninguém imaginava chegar a tanto. É complicado, porque todos os anos precisamos contar com o apoio do Promic e nossas vidas, dos três editores, mudaram muito durante estes anos. Não sobrevivemos da revista. Longe disso. Muitas vezes eu, o Losnak e o Ademir estamos com outros projetos, então a filtragem dos textos é feita nas horas vagas, e exige bastante esforço para nos reunirmos pessoalmente e fecharmos uma edição da revista.
Parece que, depois de dez anos, continua sendo um trabalho desafiante...
Apesar de ter 52 páginas, fechá-la dá um trabalhinho, viu? (risos) Além da parte da seleção e de filtragem, ainda procuramos decidir de forma unânime texto a texto, foto a foto. É um trabalho de 'guerrilha' cultural. A efemeridade sempre foi a marca de revistas literárias no Brasil, desde os anos 70. Eram revistas de curta duração, que não conseguiam uma perenidade. Manter um projeto marginal deste, sendo publicado por tanto tempo, não é fácil.
A revista conseguiu ser estruturada e sobrevive com o apoio do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). Sem este suporte, o projeto seria inviável?
Inviável, com certeza. A gente sempre gosta de ressaltar isso, até porque somos bastante cobrados. E, especialmente por lidar com dinheiro público, é preciso ter transparência. O Promic é o que faz a revista ser possível, além da nossa persistência que consiste na satisfação em atuar dentro de uma área que tem este caráter de inconformismo, que não privilegia o mercado livreiro e que não faz política literária. Ao lado do texto de um iniciante, está um texto de alguém famoso como Marcelino Freire, Gilberto Nobre. Nós não publicamos nomes. Nós publicamos textos.
Pelo reconhecimento que a publicação alcançou nesses anos, muitos consideram um privilégio ser publicado pela Coyote. Você sente essa gratidão por parte dos autores?
É muito legal perceber como esta publicação é importante para os escritores, e como que a Coyote acabou se transformando em uma referência de qualidade e valor literário. Tentamos ter muito rigor em tudo que é publicado. Além disso, nós já publicamos na Coyote cerca de 40 nomes de Londrina, com trabalhos de escritores, poetas, ensaistas acadêmicos, fotógrafos, cartunistas, dramaturgos.
É possível afirmar que, assim como a Coyote é uma revista de criação, o Londrix também busca um aspecto diferenciado de outros festivais literários?
Muita gente acha que a literatura está só nos livros. Isto é um erro. A literatura acontece em várias ocasiões que estão fora do livro: em shows de poesia, leituras públicas, debates e conversas sobre a literatura, que é a proposta do Londrix. A literatura salta para fora das páginas, do suporte do livro. Este ano, o Festival dá um enfoque especial para essa diversidade. Como a mesa só de ''Perfomance'', que mostrará como a poesia pode ser interpretada em cena, no palco, na rua, ou transformada em filme.
Você acredita que falta, no público, a percepção da literatura como algo mais abrangente?
Toda vez que se fala de literatura, se fala de livros. É um erro. Claro que existe a procupação em cultivar mais leitura, mas este fio sempre bate ali, no mercado livreiro e nos interesses dessa indústria. Dentro de um Festival, existem outros temas para serem discutidos; da qualidade do jornalismo cultural à questão da mídia como vendedora de produtos. O que interessa em um evento desses é a experiência de criação, de formação literária e artística. O Londrix busca proporcionar um contato diferenciado com a literatura. O contato de um Brasil que não é o mesmo das Olimpíadas, e que nem faz parte do ''Sonho Brasileiro'' ou do ''Brazilian American Way of Life'', onde todos se enganam achando que aqui é primeiro mundo.
Quais são, em sua opinião, os principais desafios e objetivos do Londrix este ano?
O desafio principal é atrair público, porque está difícil. O público universitário, antigamente, era o ideal para este tipo de evento. Eles eram as cabeças pensantes, os rebeldes, os inconformistas, o padrão de crítica e critério da sociedade. Infelizmente, hoje sentimos um desinteresse muito grande dos estudantes em geral para este tipo de evento. Daí você começa a pensar que Londrina tem '240 duplas' de sertanejo 'universitário', e pensa também que a palavra 'universitário' já caiu em um outro sentido. O cara prefere ir em uma balada sertaneja do que ir em um festival literário. Em minha opinião, isto tudo passa por uma questão maior, uma questão de mercado. Nisto é que estão transformando a nossa música, a literatura: em coisas que não são propriamente arte. São produtos voltados para o mercado, que visam o sucesso imediato e efêmero. Este aspecto também será discutido no Londrix.
Você acredita que o conformismo intelectual aumentou nos últimos anos?
Acho que aumentou sim, bastante. Isto é, além da 'caretização' geral: ficamos mais caretas, mais repressores, mais autoritários, mais policialescos. Está tudo muito politicamente correto, e os debates já não abrem tanto espaço para a reflexão. Isto ocorre em todos os setores, e não só na cultura. Nosso objetivo é tirar as pessoas da inércia à que elas estão acostumadas para se alimentarem de outras informações. Instigar principalmente os jovens leitores. Acho que se conseguirmos isso com os mais novos, ainda existe esperança.
Rafael Ceribelli
Reportagem Local
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