Livros Etc
por Josélia Aguiar
Perfil
Josélia Aguiar é jornalista especializada na cobertura de livros
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Revistas literárias: Coyote faz dez anos
O número 23 da Coyote começou a circular faz poucas semanas, e Ademir
Assunção, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes já preparam o próximo,
bastante especial, pois será o do décimo aniversário dessa
revista que criaram em Londrina, no Paraná, para publicar literatura e
arte. A caminho, uma das novidades que chega com a data redonda é o
site, antigo projeto.
Desde que fiz este post aqui, sobre o número 200 da Paris Review,
prometi iniciar série sobre publicações literárias no país –para ler
mais sobre essa revista histórica e até hoje influente, com seus 59
anos, vá por aqui,
aonde encontra íntegra da entrevista do colega Fábio Victor com o
editor atual, Lorin Stein, que saiu na “Ilustrada” sábado passado.
O blog vai mapear tanto os títulos de teor artístico-literário, como a
Coyote, quanto os mais voltados à crítica literária, como Rascunho, os
de humanidades, como a Novos Estudos Cebrap, e os literário-digitais,
como a Errática.
Quem respondeu sobre a Coyote para o blog foi o poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, que publicou há pouco ”Nômada” (Lamparina) e lança em agosto “Estúdio Realidade” (Iluminuras). A edição da Coyote, média de duas por ano, tem 52 páginas, custa R$ 10 e é distribuída pela editora Iluminuras –vá por aqui.
No número atual, o dossiê dedicado a Moacyr Scliar, inéditos de Beatriz
Bracher e a fotografia de Mara Tkotz são alguns dos destaques.
Como nasceu a Coyote? “De um velho sonho que Marcos
Losnak, Ademir Assunção e eu tínhamos de fazer uma revista de literatura
e arte, ainda quando cursávamos jornalismo na Universidade Estadual de
Londrina. Na época, começo dos anos 1980, fiz com Marcos Losnak e outros
amigos os fanzines Hã e K’AN, com a participação do Ademir a partir do
terceiro número. Nos anos 1990, eu e Ademir fomos editores da revista
Medusa, de Curitiba, com Eliana Borges e Ricardo Corona. A Coyote surgiu
em 2002, editada em Londrina. Só existe graças à nossa teimosia e ao
Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic) da prefeitura local. É
este importante programa público que garante os custos mínimos para a
impressão e circulação da revista.”
Vocês seguiram algum modelo de revista literária?
“Não creio que seguimos nenhum modelo. Buscamos, sim, criar nossa
própria linguagem, sobretudo no aspecto gráfico, que é um dos
diferenciais, marca registrada da Coyote. Claro que muitas revistas
passaram por nossas mãos, sobretudo as de invenção. Somos bastante fiéis
ao projeto gráfico e editorial desde o primeiro número. Buscamos sempre
a fatia mais radical da literatura brasileira e internacional. Radical
na linguagem e nas abordagens.”
Quem é o seu leitor? “Os interessados em
literatura, poesia e arte são potenciais leitores. Temos bastante
feedback de artistas, escritores, poetas, jornalistas, formadores de
opinião e leitores em geral. O difícil é fazer a revista chegar até
eles. Alguns editores confessaram terem conhecido na Coyote autores
inéditos que eles depois publicaram. É distribuída para todo o país,
apenas em livrarias, mas todos sabem como são grandes as dificuldades de
distribuição no Brasil. Além disso, tínhamos uma mala direta bastante
grande no começo, até internacional, mas diminuiu pelo preço dos
correios, limitando-se apenas ao essencial: bibliotecas públicas e
universitárias, alguns críticos e autores.”
A parceria com a editora Iluminuras ajuda a distribuir a revista?
“A parceria com a Iluminuras ajuda bastante na distribuição. Todos
aqueles que fazem revistas independentes sabem que o maior nó é a
distribuição. Muitas livrarias se recusam a vender a revista, sabe-se lá
o motivo. Certamente porque não dá tanto lucro quanto um best-seller.
Mas há leitores interessados em todos os cantos do país. Quando o
mercado só se interessa por lucros estratosféricos, publicações como a
Coyote acabam prejudicadas. Vamos resolver este problema com vendas
diretas pela internet.”
O que é mais difícil ao fazer uma publicação literária no país? “O
mais difícil é manter a longevidade que a Coyote conseguiu.
Historicamente, no Brasil, revistas literárias não passam do quinto
número. Nós estamos completando dez anos em 2012, com 24 números
lançados. Poderíamos ter lançado quase o dobro, se trabalhássemos com
condições um pouquinho melhores. Ao longo dos anos, nos inscrevemos em
vários editais e nunca conseguimos absolutamente nada, exceto o apoio do
Promic, de Londrina. O último edital do qual participamos foi um do
Ministério da Cultura para revistas culturais. Perdemos para a Rolling Stones e Speak-Up.
Fidelidade dos leitores, nós temos. Colaboradores também não nos
faltam: há ótimos poetas, escritores, fotógrafos, artistas e tradutores
em atividade no país, sempre dispostos a divulgar material inédito. A
revista tem um enorme prestígio. O que não temos é dinheiro para fazê-la
crescer.”
Existe algum novo projeto, algo relacionado a internet em vista?
“Estamos trabalhando na edição de aniversário. Uma década, para uma
revista literária, é um marco histórico. Também estamos pesquisando com
webdesigners a criação, finalmente, do site da Coyote. Queremos oferecer
todos os números anteriores, criar uma versão online da revista e
desenvolver um sistema de vendas diretas para aqueles que quiserem a
edição impressa. Muita gente nos pergunta: mas como a revista não tem um
site ainda? A resposta é: porque cada um dos editores faz uma porção de
outras coisas. Nenhum deles sobrevive da revista. Ao contrário: não
ganhamos um tostão. Fazemos por pura teimosia e amor à arte, para usar
um velho clichê, azul e desbotado.”
Algum número foi particularmente marcante na trajetória da Coyote? “Os
números são todos marcantes. Fazemos a revista com muito critério, zelo
e capricho. Mas, se fosse mencionar alguns, destacaria os dossiês, com
entrevistas inéditas, de Paulo Leminski, Roberto Piva, Marjorie Perloff,
Eugen Bavcar, Moacyr Scliar, os textos inéditos de Daniel Wallace,
Domingos Pellegrini, Pedro Juan Gutierrez, João Gilberto Noll,
Sebastião Nunes e Wilson Bueno, ou ainda a tradução de poetas nômades do
Oriente Médio. Mas, sobretudo, a revelação de vários autores novos,
que, em seguida, foram publicados por editoras, como João Filho, Jorge
Cardoso e Nilo Oliveira. Esta é uma filosofia da Coyote que seguimos à
risca: ao lado de inéditos de autores já consagrados, publicamos sempre
autores novos e até totalmente desconhecidos. Brasileiros ou
estrangeiros. Não queremos chover no molhado. Um dos elogios mais caros a
nós, e que ouvimos com frequência, é: ‘mais uma vez vocês estão
publicando autores de que nunca ouvi falar’.”
Existe uma tradição de revista literária no Paraná como um todo, não? “Somos
de Londrina, não Curitiba, mas tanto os “coxas brancas” (apelido dos
curitibanos, por causa do frio e do time da capital) quanto os “pés
vermelhos” (o dos londrinenses, devido à cor da terra) têm rica
tradição, desde os simbolistas, de revistas, periódicos e páginas
literárias. Em Londrina, houve o jornal Panorama, uma experiência
jornalística maravilhosa que trouxe escritores e jornalistas de peso à
cidade nos anos 1970, como João Antônio, Narciso Kalili, Myltainho, e
formou toda uma geração de excelentes profissionais aqui. O Caderno 2 da
“Folha de Londrina” era muito lido nos anos 1980, formador de leitor e
de opinião. A página dominical “Leitura”, que foi editada por Domingos
Pellegrini Jr., Nelson Capucho, Nilson Monteiro e pelo Ademir, antes de
mim, era bastante lida e discutida, não só aqui, mas em vários outros
pontos do país. Poetas e escritores nacionais, como Carlos Drummond de
Andrade, Boris Schnaiderman, Waly Salomão, Paulo Leminski e muitos
outros se manifestavam entusiasticamente sobre a qualidade e a ousadia.
Guardamos até hoje bilhetes e cartas deles. Publicávamos inéditos de
autores locais, paranaenses e brasileiros, e traduções de Rimbaud, Allen
Ginsberg, Ezra Pound.
A tradição em Curitiba também é grande. “Em
Curitiba, houve a revista Joaquim, editada pelo Dalton Trevisan nos anos
1950. Depois a página Letras e Artes nos 1960, feita por Silvio Back, a
Pólo Inventiva e a Raposa nos 1970, por Reynaldo Jardim e Paulo
Leminski, entre outros, e o jornal Nicolau, nos 1980, editado
por Wilson Bueno, no qual trabalhei também. Nos anos 90 e 2000 existiram
outras revistas literárias como Medusa, Oroboro, Etecetera, que não
circulam mais. E existe ainda o jornal Rascunho, mais de crítica
literária, mas que também pública inéditos de autores brasileiros e
estrangeiros. Não sei o motivo pelo qual o Paraná, comparado a outros
estados, tem uma trajetória robusta e instigante em termos de
publicações literárias. Valeria um estudo sobre isso.”
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