sexta-feira, fevereiro 05, 2010

De "ESPAÇOS BRANCOS", poema em prosa de PAUL AUSTER


Alguma coisa acontece, e a partir do momento em que começa a acontecer, nada mais pode ser a mesma coisa.

Algo acontece. Ou melhor, algo não acontece. Um corpo se move. Ou melhor, não se move. E se ele se move, algo começa a acontecer. E mesmo que não se mova, alguma coisa começa a acontecer.

Isto vem de minha voz. Mas não quer dizer que essas palavras sempre serão o que acontece. Ela vem e vai. Se por acaso estou falando neste momento, é só porque espero achar um jeito de prosseguir, de correr paralelamente a tudo que está acontecendo, e assim começar a achar um jeito de preencher o silêncio sem despedaçá-lo.

Peço a quem quer que esteja ouvindo esta voz para esquecer as palavras que ela está falando. É importante que ninguém escute com muita atenção. Quero que essas palavras desapareçam, digamos, dentro do silêncio de onde vieram, e por nada permaneça apenas uma memória de suas presenças, um emblema para o fato de que um dia estiveram aqui e não estão mais aqui e que durante sua vida breve pareciam não estar dizendo nada muito particular como se ser a coisa que estava acontecendo ao mesmo tempo um certo corpo se movendo num certo espaço, que eles se moviam junto com tudo mais que se movia.

Algo acontece, e já não é mais começo, mas algo mais, nos propelindo dentro do coração da coisa que está acontecendo. Se fossemos de repente parar e nos perguntar, “Para aonde vamos?”, ou “Aonde estamos”, estaríamos perdidos, pois a cada momento não estamos mais aonde estávamos, mas deixamo-nos para trás, irrevogavelmente, num passado sem memória, um passado infinitamente esquecido por um movimento que nos carrega dentro do presente.

[...]

PAUL AUSTER

Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

2 comentários:

  1. Caro Rodrigo,

    Eu tenho uns cadernos aonde colo coisas que gosto de diversas revistas; em vez de guardar a revista inteira por uma ou duas coisas, recorto e colo... coisas de casa, decoração, artesanato e ... textos. Hoje estava dando uma olhada nestas tais revistas e reli um texto que adoooro!O seu!! Aonde vc fala de como se sente quando está apaixonado...sem pedir permisão postei no meu blog.
    Parabêns pelo texto, pelo sentimento e pela sinceridade!
    Aline fischer.
    http://petuniafischer.blospot.com

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  2. é incrível como alguém faz ficar bonito quando diz que "é importante que ninguém escute com muita atenção."

    lindo texto.
    BeijO e saudade de uns brindes!

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