segunda-feira, março 23, 2015

"Experiências Extraordinárias " na Ilustríssima


ILUSTRÍSSIMA SEMANA
O MELHOR DA CULTURA EM 6 INDICAÇÕES


POESIA | RODRIGO GARCIA LOPES
Em "Experiências Extraordinárias", o poeta e compositor londrinense busca dialogar com poetas consagrados e lidar com questões da atualidade, como a violência na mídia. "linchada por um boato/ numa tarde de sábado/ mundo-barbárie// fabiane// ainda ergue a cabeça/ para um último olhar/ à multidão de agressores// filmando com celulares/ e smartphones", escreve ele no poema "Guarujá Salem".
Kan Editora | R$ 25 (104 págs.)


    sexta-feira, março 20, 2015

    IMPÉRIO DOS SEGUNDOS (de "Experiências Extraordinárias", de Rodrigo Garcia Lopes









    IMPÉRIO DOS SEGUNDOS




    Se eu fosse parar pra saber
    o sabor deste instante
    não iria jamais perceber
    do que é feito o durante,

    a carne de cada segundo,
    minuto de cada poente
    de que é feito este mundo,
    sangue, esperma, poeira,

    não ia jamais me lembrar
    da trama da tarde, museu
    onde moram as velhas horas,
    nem o duro rosto deste outro

    outono, matéria, mistério,
    nem a memória, esse mármore
    em fluxo, rugido em estéreo
    de uma incessante cachoeira.






    Rodrigo Garcia Lopes

    De Experiências Extraordinárias (Kan Editora)




    terça-feira, março 17, 2015

    "O Trovador" (The Troubadour) na Machado de Assis Magazine #6

    O conselho editorial da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução divulga a lista dos autores brasileiros selecionados para a nova edição da publicação, que será lançada no 35º Salão do Livro de Paris na próxima sexta, 20 de março.
    A nova edição terá excertos de livros de 22 autores, traduzidos para o inglês, espanhol e, excepcionalmente neste número, também para o francês. A publicação é uma iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional e do Itaú Cultural com o objetivo de difundir e estimular a publicação da literatura e da produção intelectual brasileira no exterior. Promove o acesso a textos traduzidos de escritores locais pelo mercado editorial internacional, ampliando assim, a visibilidade das obras brasileiras e potencializando as oportunidades de venda de seus direitos autorais no exterior.
    Após o lançamento, a revista ficará disponível para leitura e download no site www.machadodeassismagazine.bn.br, assim como estão seus números anteriores. Desde a primeira edição, em 2012, até janeiro de 2015, foram registrados 722.557 visitantes únicos e a realização de 44.611 downloads por meio do site. 
    A mesa de lançamento da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução nº 6 acontece no Stand do Brasil no Salão do Livro de Paris, com a presença do presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Renato Lessa; o diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do Ministério da Cultura, Jefferson Assumpção, e o escritor Fernando Morais, com mediação do editor da revista, Felipe Lindoso.

    segunda-feira, março 16, 2015

    BRÁULIO TAVARES RESENHA "O TROVADOR" (RECORD)

    Mundo Fantasmo: 3763) "O Trovador" (17.3.2015)


    Uma das histórias mais mal contadas do século 20 é a renúncia do Rei Edward VIII da Grã-Bretanha porque queria casar com Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada e (diziam os lordes ingleses) promíscua demais para ser rainha da Inglaterra. O Rei abdicou do trono, foi viver com ela e (diz a galera que não perdoa) foram infelizes para sempre.

    Uma das palavras mais misteriosas da literatura é “noigandres”, que aparece num poema do século 12 escrito pelo trovador provençal Arnaut Daniel, e cujo significado ninguém sabia. Depois de intermináveis discussões, há hoje um certo consenso de que a palavra na verdade são duas, “enoi gandres”, significando “antídoto contra o tédio” (já escrevi a respeito, aqui: http://tinyurl.com/kqqlzy6).

    Pegando estas duas pontas tão distantes (e mais algumas), Rodrigo Garcia Lopes escreveu um romance policial ambientado em Londrina nos anos 1930, quando a cidade do norte do Paraná estava vivendo um “boom” econômico, produzindo café, atraindo migrantes, devastando florestas de madeira de lei, fazendo fortunas. Lord Lovat, um dos sócios ingleses da operação, vem da Inglaterra para investigar acontecimentos estranhos na sua Companhia, e traz consigo Adam Blake, poliglota e tradutor, para ajudá-lo a lidar com japoneses, judeus, alemães, russos, etc.  Começa então uma intriga que envolve mortes misteriosas cometidas por um assassino que se intitula O Trovador, numa trama com ramificações que vão até a Inglaterra do Rei Edward e a Alemanha nazista.

    Rodrigo Garcia Lopes é tradutor (Rimbaud, Whitman, Apollinaire), compositor, co-editor da revista literária “Coyote”, poeta com um trabalho de vívida imaginação verbal e controle linguístico, que tem interfaces com a poesia “beat” de Wiliam Burroughs e Allen Ginsberg. O Trovador (Ed. Record, 2014) é um romance policial de narrativa clássica, retrato de época da colonização do Paraná, cheio de referências literárias que fazem parte essencial da história (em vez de serem apenas piscadelas para os eruditos). A chegada do detetive Blake a Londrina me lembrou, por mais de um motivo, a chegada do Blake interpretado por Johnny Depp àquela cidadezinha de faroeste no início de Dead Man de Jim Jarmusch.

    A reconstituição de época é verossímil, sem sobrecarregar a narrativa com longos nacos de pesquisa. Personagens fictícios e reais (Lord Lovat, Churchill, Elias Levy) se misturam numa narrativa com mistério detetivesco, ação e retrato histórico na medida certa. Não são frequentes os casos de autor igualmente seguro na poesia e no romance. R. G. Lopes, mais ousado no verso, demonstra na prosa segurança narrativa e domínio da estrutura do gênero.


    sexta-feira, março 13, 2015

    "Estúdio Realidade" (7Letras), de Rodrigo Garcia Lopes, lido por Paulo Venturelli

    ESTÚDIO REALIDADE
    Rodrigo Garcia Lopes
    7Letras      129 pgs.
    O início de Estúdio realidade é constituído por poemas enumerativo com pitadas surreais para mostrar a incomunicabilidade do mundo ou aquele fechamento que Bakhtin vê em todo poeta, quando este submete todas às vozes às suas necessidades enunciativas.
    Com um olhar para o cotidiano trivial como matéria de poesia, quando esta parece contaminada pelo tom  prosaico, Rodrigo Garcia Lopes tece uma poema cerebral, contido, sem nenhum derramamento por um lirismo úmido, discursivo, palavroso.
    Os versos às vezes são truncados para demonstrar o não-lugar da poesia no mundo e, neste sentido, o poeta lança mão de referências do universo barroco para evidenciar que o hodierno também se faz barroco em suas parafernálias tecnológicas:
    Sementes de sereno e fogo./ Licores fortes/que não preciso beber./ Isqueiro crepúsculo/ acende a sala de estar./ Centelhas secretam sua sede – / fermentam a espuma da primeira/ neve. Sol cereja olho vermelho,/ seu nome cravo no poente,/ devolvendo sombras.
    (…)
    lábios abrindo abismos seus carinhos/ entre silêncios/ celulares.
    Neste livro há construções míticas do homem, ao se mostrar que a grandeza só pode ser antiga, porque “hoje, nem mágoa: não se parece com nada.”
    O capitalismo é entendido como empreendimento seco, num poema em que o título contrasta com o corpo do mesmo. Ali, encontramos referência à Solombra, que nos lembra de Cecília Meireles e sua perseguição pela música pura, exercício que também MOVE o autor na sua busca intensa e materializada em versos despojados, a busca do enxugamento radical em versos cuja secura é umareprodução deste mundo árido em que todos estamos enfurnados. E é neste mundo que a poesia só pode edificar-se como texto cerebrino, sem a expressão do emocional:
    A eficiência empresarial e o gerenciamento de produtos têm sido/ umas das marcas de nosso empreendimento./ Você deve estar brincando./ Reflexos de carros se espreguiçam como gritos./ Mesmo?/ Pelo menos uma chance de que nuvens nos distraiam e deem as/ caras com uma contraproposta plausível para a ampla variedade de profecias.
    Na racionalidade que compõe os poemas, há espaço para considerações sobre o amor, a solidão, a ausência da primeira pessoa, substituída por você:
    você viveu tanto/ pra nada daquilo acontecer/ você apenas esperou/ o tempo da sua desgraça/ que era este/ rente a seus pés/ você amou tanto/ mas foi incapaz de deixar/ na pele da sua amada/ uma linha sequer
    Em “Words, swords” aparecem questões etimológicas sobre a palavra guerra. O homem confuso é o guerreiro. O título do poema se nivela a um voo rasante sobre problemas bélicos e a bestialidade que isto representa para o mundo:
    War vem de Werre,/ A forma do dialeto do norte/ Do francês antigo guerre./ Do latim medieval guerra./ Do germânico werra, luta,/ ‘discórdia, revolta, peleja’;/ usado também na base wers/ (origens da palavra inglesa worse, pior/ e da alemã wirren, confuso).
    Logo na página seguinte, vem uma reflexão metalinguística que se prolonga por vários poemas do livro. Com senso de economia e restrição ao que importa escrever, o autor nos entrega:
    Rimar é acordar os sons das sílabas,/ como da primeira vez, surpreendê-las/ em seu antro secreto: onde não estão./ Libertas dos sentidos, não sibilas/ nem escravas, instantes portáteis,/ Apaixonar esses frutos da fala,/ entrelaçados em seus ecos, em voo inverso (…)
    Também há filosofemas por meio dos quais se pensa a finitude, não só como destino, mas como condição primeira de nossos atos e nossos discursos, porque a cada palavra dita ou escrita morremos, deixamos de ser nós mesmos e passamos ao desafio de nos tornar outro:
    Apenas a sede de Não/ A derrota do Sim/ Será de nada/ Página virada
    O experimento do imagético, da espacialidade no branco da página aparece em “Litoral”, evidenciando um poeta inquieto com a própria forma de seus poemas. Quer ir além, quer pesquisar, quer encontrar outra modalidade para a sua escrita.
    Com ironia, reescreve o Eclesiastes em:
    Você bate na mesma tecla, repete/ aquele surrado clichê: não há nada/ de novo sob o sol. Mas quem garante/ que isto é real, não um conto de fada?//Nem tudo tem sido, como se tem ouvido,/ a mesma coisa desde o começo/ dos tempos. Não estou convencido./ Se há algo que não muda, desconheço.
    O tom bíblico se repete num poema globalizado: o mundo se despedaçando e o poeta a pensar no amor como um lugar. E isto é tudo como acordar, como consciência política. Se é muito cedo para ser manhã, um toque de lirismo, a  morte também surge como um quase tarde para ser agora. A vida segue e “descascamos a pele da paisagem” como um modo de atividade e resistência.
    À página 50, em itálico e sem título, surge outro momento metalinguístico, agora dirigido para a definição de poesia, como aparecem definições de língua e página mais adiante. Para o poeta:
    a poesia é uma/ estratégia de super-/vivência://na paisagem sépia/ pela mente debelada/ em tinta invisível/ é revelada// e pela voz revoa/ em lunissombras/ neste bosque voraz
    Deste modo, “não existem rimas pobres” porque tudo combina com alguma coisa. E o romântico contido pela construção cerebral vem nos dizer algo sobre a “rede que tuas pálpebras teciam”, em que fica declarado na voz feminina que “toda geração é tardia”, sendo os “morros azuis” derramados “na distância lápis-lazúli”. É o embate do poético com um discurso mais pormenorizado em que se cutuca o ciclo de gerações a fim de mostrar que todos equivalem a todos e que ninguém tem primazia sobre ninguém. A vida, enfim, é uma platitude de que nos salvam aqueles morros azuis pois além deles pode haver uma paisagem diferente desta aqui, além pode haver um magnetismo vital que já foi perdido aqui, na igualdade de todos por gerações e gerações.
    O mar é uma presença constante. Não como mera referência. É um princípio dinâmico, motor de poemas que deflagram uma contemplação outra ou motivação de “romance de aventura”. Simples. É este o trilho a nos oferecer o poeta para trafegar por suas páginas.
    No recenseamento de utopias e paraísos terrestres, a conclusão borgeana de que o único é aquele que foi perdido, o poeta mostra-se cético, largando para trás seus sonhos de juventude, enquanto na maturidade conserva a única utopia possível: fazer poemas com régua de cálculo para evitar o derramamento e o lacrimal, tão presentes em nossa tradição lírica.
    Se as utopias acabaram para o poeta, há espanto diante da vida e ele é o próprio biógrafo e tradutor da vida a quem só tem “como pagar” com sua “cota diária de espanto (…)”.
    Nas circunstâncias do mundo moderno há lugar para o mito: Afrodite, e na velocidade que nada contém, “tudo acaba em twitter”, o que encena o drama de todo poeta, já que a poesia exige vagar, exige bom espaço de tempo para ser degustada como um código secreto que só é desvendado pela inteligência partícipe, co-autora do leitor.
    À página 104 damos de frente com “Romance policial”, com morto e detetive, quase um conto de mistério,noir. É a voz imperiosa de  alguém que se repete em outros textos, mostrando o desafio de interagir com outros gêneros banais e cinematográficos, produtos do mercado que se garantem em popularidade que a poesia, por sua própria natureza entranhada em si mesma, nunca alcança:
    A lanterna da lua banhava o morto./ No rosto do detetive, nenhum sopro/ A não ser o ar pesado do mangue, o corpo/ Caído, espesso sangue, e o pouco/ Dito pelo policial com cara de mau/ Que agora segurava um castiçal/ Interrogando a loira de olhos negros/ Que trabalhava para um restaurante grego/ Da grana e dos bilhetes estranhos no porta-luvas (…).
    Mesmo que nossa visada seja rápida e parcial, podemos constatar que Rodrigo Garcia Lopes faz uma poesia com quase ausência de um eu lírico contundente. Seus poemas ganham em textualidade, numa ação em que a escrita se circunscreve à reflexão, com aforismos surpreendentes a tirar o eixo confortável do leitor. Escreve sobre temas que vão da cultura americana (a grande solidão) até o pensamento cortante sobre poema, linguagem, prosa etc. A performance do autor se dá na justa medida da contenção. Os poemas, em sua maioria, são arenosos, no sentido de obrigar o leitor a não criar empatia e sim manter um distanciamento crítico para refletir, porque o poeta não quer sentimento. Em lugar deste, pensamento, nesta época de marionetes dos meios de comunicação e argumento de consenso em que é muito raro alguém elevar a voz em meio à passividade geral, todos de cabeça baixa dizendo sim. O poeta ergue seu discurso, acorda o anestesiado e o convoca para “24 aforismos sobre poesia”.  Ali o didático não tem vez. Ergue-se a provocação a sacudir o solo comum de qualquer leitor.

    quinta-feira, março 05, 2015

    Entrevista para a Folha de Londrina sobre "Experiências Extraordinárias" (Kan Editora, março de 2015)



    Entrevista de Rodrigo Garcia Lopes para Folha de Londrina sobre
    Experiências Extraordinárias (Kan Editora, 2015)

    Título: Experiências Extraordinárias
    Autor: Rodrigo Garcia Lopes
    Editora: KAN
    ISBN: 978-85-62586-48-4
    Páginas: 104
    Tamanho:150 x 210mm
    Preço: R$ 25
    Livro contemplado com uma bolsa do Programa Petrobras Cultural – edição 2012

    1 – Você propõe no livro (já a partir do título), transformar através da linguagem o ordinário em extraordinário. Como essa transformação acontece? Como a poesia (e a sua poesia) realiza essa transformação?

    A poesia busca um estranhamento da linguagem comum, aguçar a desautomatizar nossas percepções, como ensinaram os formalistas russos. Ela também é uma forma de conhecimento e, para mim e muitos outros, uma reserva ecológica da linguagem humana. Ela também busca criar novas realidades, mas realidades que são feitas, curiosamente, de palavras. As mesmas palavras que eu uso para lembrá-lo de que é meia-noite, por exemplo, ou para vender um produto. A transformação da poesia se dá através de técnicas tão antigas mas ainda vivas como a metáfora, de um arsenal de formas poéticas e recursos expressivos, de figuras de linguagem e técnicas para injetar a linguagem de sentido(s). No nível mais básico, através dos sons, dos ritmos da fala, da exploração completa da música das palavras. Ou, ainda, em poemas que funcionam como investigações sobre a natureza do sentido, sem que isso caia numa metalinguagem barata, e sem esquecer o papel do humor.  O poema, para mim, é um modo de investigação da realidade e da linguagem. Um jeito que achei de acertar as contas em minha passagem por este planeta, em vida. Foi na poesia que apostei todas as minhas fichas. Se consegui transformar um pouco alguma coisa, já é o bastante.

    2 – Em “Experiências Extraordinárias” há a proposta da poesia dialogar com temas mundo imediato, do aqui e do agora (banalização da violência, sociedade do espetáculo, bombardeamento de informações, culto às celebridades, etc). Você acha que essas questões estão ficando de fora da poesia brasileira da atualidade?

    Digamos que elas andaram sumidas, mas nos últimos tempos tem voltado a circular na poesia de alguns poetas, embora muitas vezes de modo forçada. A Poesia Brasileira andou cheia de paetês e caras e bocas nos anos 90 e 2000, com os poetas escrevendo cada vez mais para outros poetas ou críticos, uma frescura danada, muitas vezes abalizada pela crítica e pela mídia, mas rala de forma e conteúdo, e com o pecado mortal de esquecer... o leitor. Por outro lado, a atual intolerância e caretice, galopantes, a manipulação da mídia e sua influência massificante, a pornográfica violência e injustiça sociais brasileiras, não são coisas que podem passar batidas para um poeta. Você falou em contemporaneidade e eu me toquei agora de algo: há um "anacronismo" proposital neste livro que é no mínimo, irônico, pois embaralha os tempos, com menções à Odisseia, à Homero, alguma atmosfera épica, ou que remetem à Roma Antiga (uma tradução do poeta Marcial), à Arcádia, Horácio, Cabeza de Vaca... Sem dizer dizer da forte presença da natureza, por exemplo, que é, e certa forma, atemporal. Há um poema que se chama, inclusive, a "História da Lua". Então, isso relativiza esta contemporaneidade do livro, que acho interessante: afinal, em que tempos vivemos hoje? Que mundo é este? Será que os temas básicos da poesia e angústias humanas mudaram tanto assim? Ou a incontornável solidão humana?

    3 – Há muito tempo você não publicava haicais do heterônimo Satori Uso criado em 1985 (e transformado em filme 2009). Satori Uso está de volta? São poemas do passado ou recentes? Você acha que o haicai ficou meio que fora de moda nos últimos tempos?

    Este novo "lote" de 52 haicais de Satori Uso foram descobertos na chácara da família Akiro, que o acolheu no norte do Paraná nos anos 40. A viúva de Akiro explicou que Satori escrevia os haicais em tiras de papel, que ele imediatamente jogava na natureza. Portanto, a obra que sobrou teve de ser literalmente recolhida pelos amigos e discípulos. Os haicais exigem uma concentração, é uma prática zen, buscam atingir uma simplicidade sofisticada que eu aprecio muito. É verdade que eles andaram meio banalizados na poesia brasileira ultimamente, mas não é culpa do haicai! Acho que, como forma concentrada, continua imbatível se bem feito, naquela acepção de Pound de poesia como síntese absoluta. Pois o haicai, e o poema em geral, é um GPS perceptivo que tem como uma das funções nos (re)ensinar a sentir, a nos maravilhar, a tornar o ordinário, extraordinário. Um software perceptivo em forma de palavras, para que nos ajude a navegar, nos posicionar, e chegar na poesia.

    4 – Uma das características desse novo livro possui uma semelhança com seus livros anteriores: a polifonia. Você considera que a polifonia é uma característica de sua poética ou um tendência da literatura contemporânea?

    Desde que comecei a escrever poesia pra valer, há uns 35 anos, veio essa percepção de que, em poesia, não há métodos e formas de escrita superiores a outros. Por outro lado, em tempos em que a ideia de sujeito está em cheque, e em que todo o tempo somos interceptados por fragmentos de linguagem e textos o tempo todo, veio o desejo de desconstruir o conceito de "voz". Pode soar romântico, mas gosto da ideia do poeta como um canal, ou "cavalo", ou "médium", ou do "eu é um outro", do Rimbaud, e na ideia poundiana de poesia como uma notícia que permanece novidade, A própria poesia exemplifica, em sua variedade e diversidade, o que encontramos na natureza. A vida é uma coleção de instantes, muitos irrepetíveis. Como querer que os instantes fossem captados de uma mesma maneira? Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para sua "viagem de leitura" específica. Não consigo criar uma fôrma e escrever todos os poemas numa única levada. Isso ainda não aconteceu.

    5 – Em uma das seções do livro (Diálogos) você aborda com ironia os bastidores do mundo literário dialogando com outros poetas (Drummond, Marcial, Eliot, Pessoa, Graciliano, etc). A mesquinhez (não sei se essa é a palavra exata) e a briga pela fama também faz parte do mundo dos poetas?


    Ah, com certeza, as pessoas tem a ideia de que o meio poético é "sensível" e "civilizado" mas nesses meus anos de estrada e janela aconteceram e acontecem coisas que fariam corar de vergonha qualquer gângster ou "operador de esquema". Eu procuro abordar isso, em alguns poemas do livro, pelo viés do humor. O único possível neste caso.

    terça-feira, março 03, 2015

    "Experiências Extraordinárias" na Folha de Londrina

    03/03/2015 -- 00h00

    LEITURA - Acasos controlados

    "Experiências Extraordinárias", livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes que será lançado na próxima semana, transforma o ordinário em extraordinário

    Elisabete Ghisleni/Divulgação
    "Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para a sua viagem de leitura", define o poeta
    Converter o ordinário em extraordinário através da linguagem. Essa é a proposta do londrinense Rodrigo Garcia Lopes em "Experiências Extraordinárias", seu novo livro de poesia lançado pela editoras Kan.

    Com lançamentos agendados em várias cidades (Curitiba, São Paulo, Florianópolis), em Londrina o lançamento acontece no dia 10, às 19h, no Sesc Cadeião Cultural. Uma das novidades do livro está na volta dos haicais de Satori Uso, heterônimo criado pelo poeta em 1985 e transformado em filme pelo cineasta Rodrigo Grota em 2007.

    Para Garcia Lopes, os poemas de "Experiências Extraordinárias" são um modo de investigação da realidade da linguagem. Autor dos volumes de poesia "Solarium", "Visibilia", "Polivox", "Nômada", "Estúdio Realidade" e do romance policial "O Trovador" (ambientado em Londrina dos anos de 1930), Rodrigo fala a seguir sobre o novo livro e a arte da poesia.

    No livro você propõe transformar, através da linguagem, o ordinário em extraordinário. Como essa transformação acontece na poesia?

    A poesia busca um estranhamento da linguagem comum, aguçar a desautomatizar nossas percepções. Ela também é uma forma de conhecimento e, para mim e muitos outros, uma reserva ecológica da linguagem humana. Ela também busca criar novas realidades, mas realidades que são feitas, curiosamente, de palavras. As mesmas palavras que eu uso para lembrá-lo de que é meia-noite, por exemplo, ou para vender um produto. A transformação da poesia se dá através de técnicas antigas, mas ainda vivas, de um arsenal de formas poéticas e recursos expressivos, de figuras de linguagem e técnicas para injetar a linguagem de sentidos.

    Em "Experiências Extraordinárias" há a proposta de a poesia dialogar com temas mundo atual, como a banalização da violência, a sociedade do espetáculo, o bombardeamento de informações, o culto às celebridades, etc. Você acha que essas questões estão de fora da poesia brasileira contemporânea?

    Digamos que elas andaram sumidas, mas nos últimos tempos têm voltado a circular na poesia de alguns poetas, embora muitas vezes de modo forçada. A poesia brasileira andou cheia de paetês e caras e bocas nos anos 1990 e 2000, com os poetas escrevendo cada vez mais para outros poetas ou críticos, uma frescura danada, muitas vezes abalizada pela crítica e pela mídia, mas rala de forma e conteúdo, e com o pecado mortal de esquecer o leitor. Por outro lado, a atual intolerância e caretice, galopantes, a manipulação da mídia e sua influência massificante, a pornográfica violência e injustiça sociais brasileiras, não são coisas que podem passar batidas para um poeta. Mas também há um "anacronismo" proposital neste livro que é no mínimo, irônico, pois embaralha os tempos, com menções à "Odisseia", a Homero, alguma atmosfera épica, ou que remetem à Roma Antiga, à Arcádia, Horácio, Cabeza de Vaca... Sem dizer da forte presença da natureza, por exemplo, que é, de certa forma, atemporal. Há um poema que se chama, inclusive, a "História da Lua". Então, isso relativiza esta contemporaneidade do livro, que acho interessante. Afinal, em que tempos vivemos hoje? Que mundo é este? Será que os temas básicos da poesia e angústias humanas mudaram tanto assim?

    Há muito tempo você não publicava haicais do heterônimo Satori Uso criado em 1985. Satori Uso está de volta?

    Este novo lote de 52 haicais de Satori Uso foi descoberto na chácara da família Akiro, que o acolheu no norte do Paraná nos anos 40. A viúva de Akiro explicou que Satori escrevia os haicais em tiras de papel, que ele imediatamente jogava na natureza. Portanto, a obra que sobrou teve de ser literalmente recolhida pelos amigos e discípulos.

    Parece que o haicai ficou meio que fora de moda nos últimos tempos...

    É verdade que eles andaram meio banalizados na poesia brasileira ultimamente, mas não é culpa do haicai. Acho que, como forma concentrada, continua imbatível se bem feito, naquela acepção de Pound de poesia como síntese absoluta. Pois o haicai, e o poema em geral, é um GPS perceptivo que tem como uma das funções nos (re)ensinar a sentir, a nos maravilhar, a tornar o ordinário, extraordinário. Um software perceptivo em forma de palavras, para que nos ajude a navegar, nos posicionar, e chegar à poesia.

    Em uma das seções do livro você aborda com ironia os bastidores do mundo literário. A mesquinhez também faz parte do mundo dos poetas?

    Ah, com certeza. As pessoas têm a ideia de que o meio poético é sensível e civilizado, mas nesses meus anos de estrada aconteceram e acontecem coisas que fariam corar de vergonha qualquer gângster. Eu procuro abordar isso, em alguns poemas do livro, pelo viés do humor.

    Este novo livro possui uma semelhança com seus livros anteriores: a polifonia. Você considera que a polifonia é uma característica de sua poética ou um tendência da literatura contemporânea?

    Desde que comecei a escrever poesia para valer, há uns 35 anos, veio essa percepção de que, em poesia, não há métodos e formas de escrita superiores a outros. Por outro lado, em tempos em que a ideia de sujeito está em cheque, em que somos interceptados por fragmentos de linguagem o tempo todo, veio o desejo de desconstruir o conceito de "voz". Pode soar romântico, mas gosto da ideia do poeta como canal, ou "cavalo", ou "médium", ou do "eu é um outro" de Rimbaud, e na ideia poundiana de poesia como uma notícia que permanece como novidade. A própria poesia exemplifica, em sua variedade e diversidade, o que encontramos na natureza. A vida é uma coleção de instantes que não se repetem. Como querer que os instantes fossem captados de uma mesma maneira? Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para a sua viagem de leitura. Não consigo criar uma fôrma e escrever todos os poemas numa única levada. Isso ainda não aconteceu.

    Serviço:
    "Experiências Extraordinárias"
    Autor – Rodrigo Garcia Lopes
    Editora – Kan
    Páginas – 104
    Quanto – R$ 25

    Lançamento em Londrina
    Quando – Dia 10, às 19h
    Onde - Sesc Cadeião Cultural (R. Sergipe, 52)

    Fragmentos:

    TEMPOS DE CELEBRIDADE
    Carlos, na próxima encarnação
    Nascerei filho de alguém famoso.
    E então, como um cão raivoso,
    Não largarei o meu osso.
    Quem disse que é preciso ler,
    Ter talento? Não seja ridículo.
    Esforço é coisa de otário.
    Meu sobrenome será meu currículo.

    Vou escrever uns poemas fofos
    Umas cançõezinhas ordinárias
    Com uma certeza: o Brasil nunca saiu
    Das capitanias hereditárias.


    de braços abertos
    o pinheiro
    recebe a manhã


    outono agora
    o que os olhos veem
    já é memória


    uma visita hesita
    em cima do muro
    lua de verão
    Marcos Losnak
    Especial para a Folha2