terça-feira, agosto 20, 2013

ESTÚDIO REALIDADE NO SITE DA REVISTA CULT



Realidade fabricada

Rodrigo Garcia Lopes lança seu novo livro de poesias, “Estúdio, realidade”, no Espaço Revista CULT

"Estúdio, realidade" é o mais recente livro de poesias de Rodrigo Garcia Lopes
Amanda Massuela
Desde 2004, quando publicou Nômada, o poeta Rodrigo Garcia Lopes não lançava um novo livro de poesia. Passou os últimos sete anos trabalhando em O Trovador, romance policial de fundo histórico que se passa em 1936, durante a colonização do norte do Paraná, seu estado de origem. Sentia que havia esgotado tudo o que tinha a dizer, em termos de linguagem poética. Em meio ao processo de construção do enredo e das personagens do seu primeiro romance, Rodrigo produzia alguns poemas, em ritmo desacelerado. “Estava esperando ter uma produção vigorosa e que também tivesse algo a dizer”, conta.
Tais poemas estão reunidos no livro Estúdio, realidade, lançado ontem (19/08), no Espaço Revista CULT. Além de poeta, Rodrigo também é músico, compositor, jornalista e tradutor – e, em certa medida, todos esses ofícios influenciam seu trabalho poético. Aos 11 anos começou a arranhar o violão e aos 14 já escrevia suas próprias canções. Em 2001, lançou o álbum Polivox, uma mistura de canções, poemas falados e trilha sonora. “Nessa época eu me aborreci um pouco, porque os músicos diziam que eu tinha lançado um trabalho de poesia e os poetas diziam que eu tinha lançado um trabalho musical. A ideia era justamente romper com essas barreiras”, admite. “Prometi para mim que o próximo disco que eu lançasse teria a palavra ‘canções’ no titulo.”
Junto ao livro Estúdio, Realidade, Rodrigo cumpriu a promessa ao lançar o disco Canções do estúdio realidade, mas apesar da aparente semelhança, ele afirma serem trabalhos distintos. No livro, dividido em quatro partes, seus poemas surgem em diferentes estilos, formas e linguagens. Há haicais, poemas narrativos, fragmentados, filosóficos.
Entre algumas xícaras de café, ele conversou com a reportagem da CULT sobre seu novo livro.
CULT – O nome do livro, Estúdio, realidade, faz referência ao escritor norte-americano William S. Burroughs. De onde vem essa relação e por que ela nomeia o livro?
Rodrigo Garcia Lopes - Essa é uma expressão que o William Burroughs usa em três romances mais experimentais: “Assaltem o estúdio realidade e retomem o universo”. Essa frase aparece várias vezes nos livros dele. Dentro da sua ficção, o estúdio realidade é uma espécie de lugar onde a realidade é fabricada, não se sabe muito bem o que é ficção e o que é, de fato, realidade. Na verdade, é uma crítica à manipulação dos meios de comunicação de massa, antevendo os dias de hoje. Dei esse título ao meu blog, em 2007. Uso Estúdio, realidade como se fosse uma metáfora para o mundo que vivemos hoje. É o planeta todo. Vivemos num grande estúdio realidade onde as relações estão cada vez mais complexas, com a tecnologia, a velocidade, a informação, os meios de comunicação de massa. Acho que o termo dá a ideia da complexidade do mundo. Estúdio realidade também é o lugar em que o poeta fabrica, usa a realidade para fabricar novas realidades.
É como se você tentasse desconstruir a realidade para construí-la por meio da poesia?
Isso mesmo. A poesia tem esse poder transfigurador da realidade através da linguagem e acho que tem um pouco de crítica ao mundo. Em vários poemas eu toco nessa questão da simultaneidade das coisas; da natureza e da cultura cada vez mais distantes. Há poemas em que eu revisito o gênero pastoral num ambiente completamente tecnológico, com o discurso da publicidade. A poesia incorpora o fato de que somos inundados por vários discursos o tempo todo. As mesmas palavras que a gente faz poesia são as palavras que a publicidade usa para vender, para informar, para distorcer. Trabalhamos com a matéria suja, que é a palavra, suja de história. No livro, há menção a vários lugares ao mesmo tempo. Ele joga com a ubiquidade, com o fato de que hoje você pode, virtualmente, estar em vários lugares ao mesmo tempo; com a velocidade de informação. Tentei incorporar tudo isso na poesia que estou fazendo.
A própria estrutura do livro reflete um pouco isso, não é? Ela se divide em “Estúdio realidade”, “Vórtex”, “Pensagens” e “Quarto Escuro”. Como essa divisão foi pensada?
Sempre dividi meus livros em seções. É uma maneira que eu achei de organizá-los melhor. Sempre pensei os livros assim – talvez por influência da música -, como se fossem quatro movimentos de uma mesma obra musical. Tentei agrupar, em cada seção, poemas que dialogam entre si ou que tem uma pegada em comum. A primeira parte tem poemas mais fragmentados, que refletem o estúdio realidade, a simultaneidade da descontinuidade do mundo atual. Na “Vórtex”, há poemas de vários estilos poéticos: haicai, oriki (que é uma forma de poema oferenda africano), alba (que vem da tradição provençal). Tem poema com rima que remete ao Dante, poemas que remetem à poesia oriental. Nessa parte há poemas com várias poéticas diferentes. Em “Pensagens” há os poemas mais filosóficos, maior preocupação com a consciência, investiga mais a percepção, a relação da palavra com a realidade. São poemas mais meditativos. A quarta parte, que é “O quarto fechado” – e o quarto fechado dentro do gênero policial é uma espécie de enigma -, eu concentro os poemas que foram influenciados pela minha experiência escrevendo um romance policial, seja na forma de poemas mais narrativos, que contam algum tipo de mistério, ou poemas que tem alguma coisa de investigação. Há também um apêndice, que são 24 aforismos sobre poesia, uma maneira de refletir sobre o próprio ato de escrever.
Essas estruturas que compõem o livro são bem diferentes entre si. Você já disse que algo que você tenta combater desde o início da sua carreira é a ideia de coesão, de unidade. Esse livro também acaba seguindo essa forma…
Desde que comecei a escrever nunca fui um poeta de um estilo só. Há poetas que têm uma pegada, um tipo de escrita e linguagem que são mais ou menos estáveis. Eu sempre fui um franco atirador. Sempre gostei de pesquisar todos os tipos de poetas de outros tempos e, por ser tradutor, traduzi muita gente de diferentes tradições poéticas, algo que acabei incorporando na minha própria poesia. Acho que a poesia é um espaço da liberdade de linguagem supremo. Nós temos um passado riquíssimo de formas poéticas que devem ser revisitadas, refeitas e repensadas para o contexto atual. Nunca abri mão da multiplicidade. Há um livro meu que se chama Polivox, que são várias vozes. Nunca acreditei na ideia do poeta como um sujeito único, fixo. Ele se metamorfoseia a cada poema que escreve. Nunca tentei engessar a minha voz poética num estilo só. Talvez essa diversidade toda acabe sendo uma marca do meu estilo. Sempre quis que o leitor passasse de um poema para o outro e se perguntasse se o mesmo poeta tinha escrito os dois. Queria surpreender o leitor dando a ele uma série de possibilidades de poéticas que o “eu” pode assumir na escrita. Essa acaba sendo a minha forma de dar unidade. Essa multiplicidade toda também não deixa de ser típica da pós-modernidade, das múltiplas influências, do apelo nostálgico de revisitar algumas formas antigas. No livro, há um poema em provençal. Há coisas bem antigas – mas, muitas vezes, jogadas num contexto bem contemporâneo. E esse atrito me interessa bastante.
Você também é músico e compositor. Como essas atividades interferem no seu trabalho poético? Tem como separar o músico do poeta?
Para mim, está ficando cada vez mais difícil de escrever poesia. Com o tempo você vai ficando mais rigoroso. Eu sempre fui um leitor crítico de mim mesmo. A música é mais complicada ainda, pois exige não só a linguagem verbal, mas a linguagem musical. Costumo dizer que a composição é uma simbiose entre voz, música e palavra. Envolve uma alquimia bem mais complexa do que a escrita de um poema. Fazer uma canção é muito mais difícil que escrever um poema, porque ela sai com muito mais trabalho, demora muito mais tempo e produzo num número muito menor do que gostaria. Mas desde que eu comecei a escrever, a música teve um papel muito grande. Quando eu era adolescente escrevia ouvindo jazz, música clássica. Sempre fui apaixonado pela música popular brasileira e seria até natural que, escrevendo poesia, em algum momento eu fosse cair na composição – até porque essa proximidade dos poetas com o universo da música é uma tradição da cultura brasileira.
E quais são os seus próximos projetos – na música e na literatura?
Estou esperando o lançamento do meu romance, O Trovador, que sai no começo de 2014. Continuo fazendo shows de divulgação do CD – acabei de fazer Curitiba, Rio, interior de São Paulo. Também estou começando outro livro, que se chama Experiências Extraordinárias, um livro de poemas.
Estúdio, realidade
Rodrigo Garcia Lopes
Editora 7Letras
136 págs. – R$ 35,00

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quarta-feira, agosto 14, 2013

Rodrigo Garcia Lopes lança disco e livro no Litercultura

Evento

Rodrigo Garcia Lopes lança disco e livro no Litercultura

O lançamento faz parte da programação do festival literário, que acontece na cidade até este domingo. Leia a entrevista com o poeta
Sandro Moser

O poeta e compositor Rodrigo Garcia Lopes lança seu novo álbum, Canções do Estúdio Realidade nesta sexta, às 22 horas, no Wonka Bar. O lançamento faz parte da programação do festival literário Litercultura, que acontece até este domingo (18). Lopes interpreta as 12 canções do disco acompanhado pelo baterista curitibano Marcelo Chytchy.
No evento, Lopes também estará autografando seu novo livro de poemas, Estúdio Realidade (7Letras), o primeiro desde 2004. O termo “estúdio realidade”, que Lopes pega emprestado de Willian S. Burroughs, autor americano que é uma de suas maiores influências, "é uma metáfora para o mundo veloz e complexo em que vivemos hoje".
A respeito do disco é possível ler a resenha feita pela coluna acordes Locais da Gazeta aqui
http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=1359355&tit=Cancoes-do-Estudio-Realidade--Rodrigo-Garcia-Lopes
Já o livro é dividido em quatro partes: "Estúdio Realidade", "Vórtex", "Pensagens" e "Quarto Escuro". A primeira parte, que dá nome ao livro, é para o autor "uma resposta a um bordão comum no cenário brasileiro literário atual, com críticos e jornalistas apontando para uma suposta irrelevância e banalidade da poesia brasileira hoje e sua incapacidade de dialogar com o agora, de estar sintonizada com o mundo globalizado que nos rodeia, sendo incapaz de re-significar o mundo à nossa volta”.
Ele diz que prefere pensar na linha do que diz a crítica de poesia Marjorie Perloff: "O poeta hoje escreve com a consciência de que seu meio está saturado de informações e de mídias".
Para Garcia Lopes, a noção de poesia como algo "natural" e como a confissão de um "eu lírico" está sendo explodida em obras que interagem e refletem com o novo ambiente tecnológico da cultura: uma cultura hipermidiática e televisiva, de computadores, internet e redes de informação, onde a fala é constantemente minada e vulgarizada em talk shows ou pelo discurso da publicidade, numa explosão de discursos. O desafio da poesia é justamente o de re-significar, através da palavra, o mundo à nossa volta. 

Leia a entrevista com o poeta:
O livro é dividido em quatro partes radicalmente diferentes entre si. Você quis deliberadamente exercitar essas formas e influências diversas?
Sempre trabalhei em seções nos livros de poesia, desde Solarium. É uma forma de organizar os poemas, de dar uma organicidade que sugira movimentos de uma obra musical, por exemplo. Quanto à presença de formas diversas, é algo espontâneo. Como diria o poeta Robert Creeley, num poema, forma é nada mais que a extensão do conteúdo. Gosto de pensar no poema como um campo aberto de possibilidades discursivas. Cada um solicita uma forma específica, e o poeta não pode não aproveitar as amplas possibilidades e poéticas à disposição nos arquivos da sensibilidade humana, das mais variadas tradições, do soneto ao hipertexto. Também há espaço para o lirismo, para uma revisitação criativa da rima, para o humor, para temas basilares da poesia de todos os tempos.

Esses experimentos são a praia onde você fica mais à vontade?
Nunca encarei a poesia como uma “zona de conforto”, por isso nunca me apeguei a um único “estilo”. Prefiro ver poemas menos sobre experiências do que como experiências. Talvez o gênero que mais me inibia era o romance, o que enfrentei com a escrita do policial "O Trovador", de 450 páginas, e que me tomou vários anos de trabalho.

O título, "Estúdio Realidade", é referência a Burroughs, que você entrevistou nos anos 1990. O que quer dizer esse conceito?
Ele é um dos grandes escritores do século 20, e foi uma influência, como foram muitos e muitos outros, como Pound, Eliot, Pessoa, Bashô, Rimbaud, Drummond, Stevens, Cabral. O Burroughs eu entrevistei em 92, em sua casa no Kansas, e minha dissertação de mestrado no Arizona foi sobre sua obra. O termo “estúdio realidade”, que eu empresto de um termo dele, pra mim é uma metáfora para o mundo veloz e complexo em que vivemos hoje.

Falando nisso, você tem uma referência estética pesada da cultura americana. Hoje parece estar na moda denegri-la. Como você vê isso?
Eu acho a cultura americana, como a brasileira, riquíssima. A música, a literatura, o cinema... Como a nossa, ela também tem graves defeitos.

O capítulo "Vórtex" me pareceu uma espécie de tributo pago a você mesmo, às horas de estudo sobre formas de poema e as linguagens que você pesquisou até academicamente. É isso?
Sim. Acho que não importa a forma que se pratique para um determinado poema, o importante é nunca perder o foco na função poética da linguagem, como diria Jakobson, em busca de novos dizeres, da surpresa, na poesia como arte da linguagem verbal, usando, para fazer poesia, as mesmas palavras que são usadas hoje para manipular, mentir, enganar, vender, violentar. É, sobretudo, a capacidade crítica na busca do estranhamento ao chamado “mundo real” que a linguagem poética, com sua outra lógica e seu poder de criar e combinar estruturas de linguagem, pode cumprir seu papel de ser intérprete de uma época, de questionar os padrões medianos de sensibilidade e sentido, e de provocar uma re-sensibilização no leitor.

As "Pensagens" são textos metafísicos, reflexivos, "borgeanos", com símbolos escondidos e remissões a lugares do passado. O que faz a tua cabeça em filosofia?
Teve uma época em que lia mais filosofia. Li os pré-socráticos, depois autores como Schopenhauer e Nietzsche na adolescência e vieram outros como Emerson, Wittgenstein, Foucault, Deleuze, o Zen... Nessa parte estão poemas que tentam incorporar aquilo que o neurologista António Damásio chamou de “a consciência da consciência”. Acredito que a percepção é um aspecto importante da minha poesia. 

A última parte, "Quarto Escuro", é uma mistura meio blues, meio noir da prosa barata (no melhor sentido). Você é fã desa pulp fiction? Há poesia nessas sarjetas?
A escrita do romance acabou gerando os poemas que concentrei nessa seção, como "Romance Policial", "Os Cães Detetives", "História de Mistério". Para mim, em alguns aspectos, o gênero policial é o que mais se aproxima da poesia. A tarefa do tradutor também tem muito de investigação policial. Essas analogias me fascinam, e eu as pus em prática no romance, que será publicado no ano que vem.

A poesia do Paraná, da tua geração, no eixo Curitiba-Londrina, tem recebido reconhecimento nacional. Há uma identidade entre esses autores?
Acho que a poesia paranaense possui várias identidades. Se você pegar a obra de um Mário Bortolotto e a colocar ao lado de uma Josely Vianna Baptista, você vai entender o que quero dizer. Ou então a poesia de um Marcos Losnak com a de um Marcos Prado. O importante é que seja uma produção de qualidade.