sexta-feira, outubro 27, 2006

Instantâneos Contemporâneos


uma e trinta da matina a loucura quebra minha esquina

esmaga com força sua rotina de estrelas mínimas

ferra as bocas do acaso com trancas de ciúme

de Galatéia expulsa a espuma de seus crimes

condena o Vácuo veloz ao silêncio do tumulto

só resta um pedaço da escotilha do piloto

e uma palavra em transe na testa do palhaço

o padre conversando com um surdo-mudo

anjos em carne viva rasantes no céu de merthiolate

poeira de metal e carnes prédios desabando

o anjo do mal com seu sorriso absorto

na rosa flechada sangrando mental

a aurora ladra seus rubros massacres

e a lentidão do real levita é um milagre

estar aqui entre gritos neste estado de sítio

descobrir que foi a vida que mentiu







(De Nômada, Lamparina, 2004)

terça-feira, outubro 24, 2006





poesia é quando sai faísca do papel


Paulo Leminski

domingo, outubro 22, 2006

DIÓGENES, O CÃO















Há alguns anos eu, Maurício, Beth e Yuri compusemos esta canção:
DIÓGENES, O CÃO


“Saia do meu sol, Alexandre Magno,
Deixe-me na minha barrica
Ou lhe mando um raio
Desferido de meus poderes espaciais.

Eu sou o primeiro cínico da Terra,
O primeiro signo,
O primeiro cigano.

Meu nome é Diógenes
Eu vim de longe
De onde a gente vive o hoje.

Vai tirando o cavalinho da minha chuva
Pare de ficar secando a minha uva
O seu poder não cabe numa luva

Lambo aos que me dão
Ladro aos que não dão
E mordo os maus

Meu nome é Diógenes
Eu vim de longe
De onde a gente vive o hoje.





sábado, outubro 21, 2006

PASCAL




Eu descobri que toda a infelicidade humana vem disso, do homem ser incapaz de ficar quieto em seu quarto.




Blaise Pascal

quarta-feira, outubro 18, 2006

AMOROSA, de Paul Éluard





















Retrato de Paul Éluard, por Salvador Dali



Ela pousa em minhas pálpebras,
Põe seus cabelos sobre os meus,
Tem a forma de minhas mãos,
Tem a cor dos meus olhos,
Se entranha em minha sombra
Como uma pedra contra o céu.

Ela nunca fecha seus olhos
Nem me deixa mais dormir.
Em pleno dia, seus sonhos
Dissipam os sóis,
Me fazem chorar, chorar e rir,

Falar sem ter nada pra dizer.




L´Amoureuse

Elle est debout sur mês paupières
Et ses cheveux son dans les miens,
Elle a la forme de mes mains,
Elle a la couleur de mês yeus,
Elle s´englouit dans mon ombre
Comme une pierresur le ciel.

Elle a toujours les yeus ouviers
Et ne me laisse pas dormer.
Sés rêves em pleine lumière
Font s´évaporer lês soleils,
Me font rirer, pleurer et rire,
Parler sans avoir rien à dire.




(De Nourir de ne pas mourir, 1924.)


Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

sexta-feira, outubro 13, 2006

Mais Um Poema de Bukowski (saído do forno)

NÃO SOU O SABICHÃO MAS....


um dos problemas é que
geralmente quando as pessoas
sentam pra escrever um poema
elas pensam,
“agora vou escrever um
poema”
e aí
passam a escrever um poema
que
parece um poema
ou o que eles pensam
que deve ser um poema.

este é um de seus
problemas:
claro, tem outros
também:
aqueles escritores de poemas
que se parecem com poemas
começam a achar que precisam
sair por aí
lendo-os para
outras pessoas.

isso, ele dizem, é feito
pelo status e pelo reconhecimento
(eles tomam cuidado
em não mencionar
a vaidade
ou a necessidade de
aprovação imediata
de alguma platéia minguada
e idiota).

os melhores poemas
me parece
são aqueles escritos
por uma necessidade
máxima.
e uma vez escrito
o poema
a única necessidade
é escrever
outro.

e o silêncio
da página impressa
é a melhor resposta
para um trabalho
concluído.

em décadas passadas
alertei alguns
de meus
poetas-amigos
sobre a natureza masturbatória
de leituras de poesia
feitas apenas para
o aplauso de
meia dúzia de
panacas.

“isole-se e
faça seu trabalho e se você
tiver que se misturar, então
se misture com quem
não demonstra o menor interesse
por aquilo que você considera
tão
importante”.

a resposta
que recebi então
de meus poetas-amigos
foi tão raivosa
tão hipócrita
que parecia que eu
havia provado
exatamente
meu ponto de vista.

depois disso,
cada um tomou
seu seu rumo.

e isso acabou resolvendo
só um de meus
problemas
e um problema deles também,
presumo.




Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

(De Come on In!, Black Sparrow Press, 2006)

quinta-feira, outubro 12, 2006

Bukowski reads

Bukowski lendo
linguagem - paulo leminski

confira leminski falando de poesia

Dor Elegante, poema de Paulo Leminski (musicado por Itamar Assumpção)

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

quarta-feira, outubro 11, 2006

Aqueles Bons e Raros Momentos, de Charles Bukowski




quando os deuses descansam
quando os cães se
calam,
voce sentado numa
espelunca Sushi
mandando ver nos palitinhos
entre duas grandes garrafas
de saquê
só que quietinho pensando
sobre todos os infernos
que você
sobreviveu,
provavelmente mais que
qualquer um
so que esses são seus
pra se lembrar.
Sobreviver é uma coisa
engraçada demais,
e doida.
Passando com segurança por todas
as guerras,
mulheres,
hospitais, xilindrós,
juventude,
meia-idade,
danças suicidas,
décadas
de nada.

Agora aqui
nessa espelunca Sushi
numa rua suburbana
de uma cidadezinha,
tudo passa à sua
frente
rapidamente
feito um filme
bom/ruim.

Há essa
estranha sensação
de paz.

Nem um carro na rua
passa,
nem um som.

Você segura os palitinhos
como se fizesse
isso há
séculos,
repare no pedacindo
de repolho na
borda do seu
prato.
aí, é isso aí,
todo aquele estilo,
graça,
caralho é tão
estranho
sentir-se bem por estar
vivo,
sem fazer nada
de mais
e sentindo
a glória
disso,
como um pleno
coral atrás
de você,
como as
calçadas,
como as
dobradiças.

cresce grama na Grécia
e até os patos
tiram uma siesta.



(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes)

Amém, Buk, amém

terça-feira, outubro 10, 2006

BUK


Domingo assisti um documentário maravilhoso sobre Charles Bukowski (pronuncia-se biukauski). Daqueles que dão vontade de rever e rever. Mais de duas horas com entrevistas raras, imagens de Bukowski dirigindo seu volks vagabundo pelas ruas de L.A., levando roupa pra lavanderia, entrevistas pra TV alemã, belga, Bukowski declamando seus poemas para platéias ensandecidas e caindo na gargalhada. E bebendo, claro. Entrevistas com ex-mulheres, o editor John Martin, que foi quem apostou nele, com Ferlinghetti, e com os amigos Bono (do U-2), Sean Penn e Tom Waits.

O filme do John Dullagan traça um ótimo panomara do "Hank", da infância até os últimos anos. É hilariante. É emocionante. É de foder, enfim. Bukowski penou muito até começar a ser reconhecido, é um exemplo de persistência. Engraçado é que até a pouco tempo ele era conhecido apenas como prosador no Brasil, enquanto nos EUA todos o conhecem mais como um poeta. Vou ver se posto uns diálogos e depoimentos aqui neste Estúdio Realidade.

Enfim, um filme daqueles pra gente repensar a vida. Traduzi ins 15 poemas de Bukowski nos últimos anos, sempre me dão muito prazer. Uma amostra está embaixo deste post, com o qual costumo abrir recitais de poesia e música. É killer. Confira:

Definindo a Magia, poema de Charles Bukowski




um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está mais a fim,
um bom poema é um sanduíche

de presunto, quando você está
faminto,
um bom poema é uma arma quando
os bandidos te cercam,
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas
da morte,
um bom poema pode fazer a morte
derreter feito manteiga,
um bom poema pode enquadrar a agonia e
pendurá-la na parede,
um bom poema pode fazer seu pé tocar
a China,
um bom poema pode fazer você cumprimentar
Mozart,
um bom poema permite você competir
com o diabo
e ganhar,
um bom poema pode quase tudo,
isso sem dizer que
um bom poema sabe quando
parar.




Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

domingo, outubro 08, 2006

PELOS OLHOS DE LAURA RIDING, por Mariana Ianelli

A poeta paulistana Mariana Ianelli acaba de publicar no jornal Rascunho, de Curitiba, uma concisa e ótima resenha sobre Mindscapes, o livro de poemas da poeta modernista americana Laura Riding que publiquei em 2004 pela Iluminuras. Dê uma conferida:



Mindscapes
Laura Riding
Trad.: Rodrigo Garcia Lopes
Iluminuras
256 págs.

"Ecce Homo, parece dizer cada poema", foram, certa vez, as palavras de Eugênio de Andrade. Esta ambição da experiência poética por um sentido humano é o que diz, na duração do pensamento, cada poema de Laura Riding. Há mais de uma década de sua morte, Riding ressurge, em sua primeira edição brasileira, convocando o ser para a linguagem. Mindscapes, paragens da mente, do infinito durante - o espaço luminoso onde a consciência lingüística se converte em um projeto de existência.
No ponto em que se tocam criação e crítica, a poesia de Riding tem como origem e destino o próprio homem, este mesmo que, em sua possibilidade de ser, tornou-se alvo da linguagem para Heidegger. "O que é ser?" - pergunta a poeta. "É ter um nome", e carregá-lo em si, inteiramente, até que se faça silêncio. Onde a verdade fala, a palavra consente. Por um momento, Riding e o mundo se cruzam - e este momento, de hesitação e equilíbrio, de amor e contenda, é o poema. Exatamente aí dobra "a sineta do pensamento".
A poeta ronda a "fala absoluta", "o verso simples e impronunciável", o milagre que está dito em sua presença muda. Lê-se, para além da palavra, a eternidade. Para além do tempo, da beleza e do amor, o homem em sua justa dimensão. Não são poemas que se abrem ao primeiro apelo da leitura, antes são muros que procuram os olhos da mente, despertos para a interminável aventura da autognose. Poemas para se olhar por dentro e através de si, no que lhes é sem limite e sem vaidade: este caminho de aprendizagem no abismo, "um continente imaginário", mindscapes.
Companheira de Robert Graves por mais de seis anos, admirada por Yeats e Auden, Riding foi uma daquelas mentes poéticas que, diante do questionamento dos valores humanos na travessia do séc. 20, não se furtou a enfrentar o risco de limites extremos no estudo e na criação da obra literária, chegando a abandonar a poesia por esta mesma fidelidade de consciência que calou a vida de Paul Celan.
"Não somos o vento", segreda a poeta. Não somos isto que é pleno em si mesmo sem ao menos saber seu nome. A morada da natureza humana está em outra parte: na imanência de um porquê."Devemos distinguir melhor entre nós mesmos e estranhos", separar pela diferença e conciliar pela identidade. É assim que, na poesia de Laura Riding, o tempo musical da mente abole o tempo transitivo dos relógios e o pensamento, tal como o compreendia Ralph Waldo Emerson, desdobra sua existência "mutuamente contraditória e exclusiva".
Numa época em que urge a tarefa de pensar, os poemas de Mindscapes vêm atar o elo entre o homem e o mundo por essa íntima relação entre experiência e iniciação, a partir da qual poesia e filosofia se conversam de um modo fecundo, infinito e revolucionário
.
A poeta, crítica e ficcionista Laura Riding, uma das feras da poesia americana do século 20.

Dois poemas de Laura Riding

O MUNDO E EU


Isto não é bem o que quero dizer, não,
Nada mais do que o sol é o sol.
Mas como significar mais corretamente
Se o sol brilha aproximadamente?
Que mundo mais desajeitado!
Que hostis implementos de sentido!
Talvez isto seja o sentido mais preciso
Que talvez fiquem bem o saber disso.
Ou então, acho que o mundo e eu, sim,
Devemos viver como estranhos até o fim –
Um amor azedo, ambos duvidando um pouco
Se um dia houve algo como amar o outro.
Não, melhor termos quase certeza
Cada um de nós onde é que exa‑
tamente eu e exatamenre o mundo falha
Em se cruzar por um segundo, e uma palavra.







NENHUMA TERRA AINDA


Mar demorado, como é fugaz,
De aguidéia a aguidéia
Tão rápida em sentir surpresa e vergonha.
Onde momentos não são tempo
Mas tempo são momentos.

Tanto nem sim nem não,
Tanto único amor, ter o amanhã
Por um fracasso inevitável de agora e já.

Deitados na água barcos e homens fortes,
Mestres em fraqueza, partem para algum lugar:
O mais poderoso dorminhoco em sua cama
É incapaz de conhecer lugares nobres assim.
Então a fé embarcou na terra do marinheiro
Em busca de absurdos em nome do céu –
Descobrimento, uma fonte sem fonte,
Lenda de neblina e paciência perdida.

O corpo nadando em si mesmo
É o querido da dissolução.
Com gotejante boca diz uma verdade
Que não pode mentir, em palavras ainda não nascidas
Da primeira imortalidade,
Onissábia impermanência.

E o olho empoeirado cujas agudezas
Tornam-se aguadas na mente
Onde ondas de probabilidade
Escrevem a visão com letra de maré
Que só o tempo pode ler.

E a terra seca ainda não,
Salvação e solidão absolutas –
Ostentando sua constância
Como uma ilha sem água ao redor
Numa água sem terra alguma.



(Em Mindscapes, Poemas de Laura Riding, Trad. RGL, Iluminuras, 2004)

No Blog de Douglas Diegues

Meu amigo Douglas Diegues acaba de postar um comentário bem simpáico a este modesto Estúdio Realidade em seu blog (lincado aí do lado). Douglas é uma figuraça, e ótimo poeta também.

RGL LANZA ESTÚDIO REALIDADE
O poeta Rodrigo Garcia Lopes acaba de lanzar um blog, chamado Estúdio Realidade, que merece ser conhecido por los que ainda no lo ficaram sabendo. U blog do Rodrigon tá cheio de coisas legais. Todos os dias tem alguma novidade que ele vem di escrever ou traduzir pras pessoas que gustam do que ele escreve y traduz. Particularmenti gosto dessa mescla de pedra e pluma que o RGL faz sem forçar la barra. Aliás, essa geração Londrix, Ademir, RGL, Losnak, Maurício Arruda Mendonça yo conozco y prezo desde quando eles nem tinham livros publicados e faziam aquela esplêndida revista KAN onde yo los empezava a leer e admirar. No Estúdio Realidade, RGL manda também instigantes traduciones, sempre certeiras, sempre com aquele frescor impagable. Conheci u Rodrigon no Londrix 2006. Me diverti muito com ele naquele primeiro Londrix que ao que tudo indica nunca. Nunca mais irá se repetir.

quinta-feira, outubro 05, 2006

EM RIDING



Viver numa realidade de palavras,


com a consciência de que, a cada passo, falha,

no entanto atenta ao que cada instante desperta,

É a ambição da poesia quando trava

com o artifício mortal da absorção — escrava

do som que a persegue como um alerta —

Entre letra e mente uma batalha.




(De Nômada, 2006)
montanhas

não são nuvens
mas tão brancas

solitárias
mas são tantas



(de Solarium, 1994)

quarta-feira, outubro 04, 2006
















"A realidade não está simplesmente ali, ela tem que ser buscada e conquistada"

Paul Celan
"Eu estava mais interessado na poesia do que na prosa -- exatamente porque o poeta é alguém que cria sua linguagem, enquanto o prosador, na maioria das vezes, usa a linguagem"

Aimé Césaire

segunda-feira, outubro 02, 2006

As time goes by....



Peguei esta foto hoje no blog do meu amigo Mário Bortolotto. O aniversário dele foi na sexta. O meu e o da Isabela, filha dele, e que está no colo do Marião, é hoje. Três librianos.

Feliz aniversário para nós!

Esta foto foi tirada no lendário Bar Valentino, em 1994, nos ensaios para o Poesia in Concert, que fizemos junto com outros dois grandes amigos, o Maurício Arruda Mendonça e o Silvio Demétrio no violão de aço e slide. A casa lotou duas noites seguidas, pra ver a gente mandar ver na poesia. Lemos de tudo ali, de trechos da Bíblia em hebraico, Marcial, até Ginsberg, Bukowski, Leminski e nossos próprios poemas, é claro. As noites foram um sucesso. Uau, que saudades, de quando tudo parecia mais fácil e leve.

Mais um ano se vai.
Como diria Chacal, a vida é curta para ser pequena.